quarta-feira, março 07, 2007

Copo vazio


Estávamos sentados à mesa em um salão onde acontecia uma festa do lado rico da família, quando o padre veio se juntar a nós. Em verdade vos digo que fico de certa maneira desconfortável na presença de padres, pois não me sinto à vontade para dizer gracinhas ou rir alto. Há de notar que os padres são sempre tão comedidos! Enfim, o fato é que uma senhora com seus cinqüenta anos veio dizer gracinhas e rir alto perto de nós, para minha felicidade.

Como se não bastasse o tom vulgar com que falava, ainda conversava sobre coisas bem mundanas. Vestia um jeans surrado e camisa de sindicalista no meio de todas aquelas mulheres tão... casadas! Ou por casar!

- Sabe padre, não tem coisa melhor do que o vício. O que seria da vida sem os vícios?! É como eu sempre digo: Deus deveria ter-me feito com três mãos, uma para segurar o cigarro, outra, a cerveja, e outra, o baralho.

Não podia me conter, e dava as maiores gargalhadas da audácia dela. Ao fitar o padre, percebi o seu olhar de desaprovação e seus lábios que levemente balbuciavam “meu Deus”. O seu semblante tinha algo de pai, perdoai-a, pois não sabe o que faz.

Agora deixando à parte a soberba do padre, eu me pergunto sobre os vícios. Não só o vício de quem joga, bebe excessivamente, fuma duas carteiras de cigarro por dia, mas também o de quem passa horas a fio na internet ou numa esteira da academia.

Lembro agora do filme Réquiem para um sonho, que trata com maestria sobre os nossos vícios ao abordar não somente o adolescente problemático que usa heroína, mas também sua mãe que assiste à televisão durante horas e horas todos os dias para preencher a falta que lhe fazia o filho e o falecido marido.

É aí em que a gente vê que, assim como aquela garota que se prostitui para comprar cocaína, a gente sente um vazio. No vício, a recompensa. O vício está no lugar de alguma coisa, que muitas vezes a gente nem sabe o que é. Mas está lá, televisão pra fazer a companhia de um filho, coca-cola com gosto de abraço, compras no lugar da coragem para enfrentar.

Todo vício é um medo ou uma saudade. Às vezes alguém tem medo de perder o emprego e fuma o dia todo. Situações tensas são comuns no trabalho, pois lidar com gente não é coisa fácil, ainda mais quando falamos de concorrência. Alguém também pode sentir falta de uma pessoa que já morreu, e comer doces. Assim como a garota obesa que vi um dia desses na Mtv. Todos escarneciam de seu excesso de peso, diziam que era sem vergonhice, que ela não passava de uma comilona preguiçosa. Num primeiro momento, ela ria e concordava. Até cair em prantos diante da câmera falando da fome insaciável que sentiu depois de seu pai falecer.

O que seria da vida sem vícios? Só que de repente a gente pode fitar a fumaça que sai do cigarro, o dinheiro ganho no jogo, a espuma que desliza no copo, e ver que de nada adiantaram três braços quando a gente só precisava de dois.

2 comentários:

Danilo disse...

1)o melhor é perceber que tipo de vício é que temos. Diz-me que vícios tem que direi quem tu és.

2) eu também não gosto de padres, sobretudo os italianos que sempre pronunciam meu nome como Donilhiô. Se bem que tem padre nordestino com sotaque italiano. Acho que tem uma matéria de introdução ao sotaque italiano na formação eclesiástica, outro dia vi um paraibano com sotaque italiano perfeito, deve ter tirado sido aprovado com louvor.

e.m. disse...

Como eu disse no orkut, adorei teu blog e esse texto em especial. Tem algo q concordo qdo meus amigos me recriminam por fumar, embora pouco. Mas perguntam: já q fuma pq n deixa logo?? É pq aceitar um vício é contagioso...

xero