domingo, outubro 11, 2009

Bastardos inglórios (2009), Quentin Tarantino


A obra Guerra e cinema, de Paul Virilio, muito mais do que um livro sobre filmes que têm como temática a guerra, trata-se de um tese sobre a estreita relação entre o cinema e a guerra através de uma logística da percepção militar e a experiência cinematográfica. O autor fala da invenção de tecnologias como o fuzil cronotográfico por Étienne-Jules Marey, anterior ao cinematógrafo, e das estratégias de visão no campo de batalha, até o cinema de propaganda da guerra, como foi o cinema nazista, ou mesmo o cinema de Griffith e seu O nascimento de uma nação (1915), com sua defesa do Sul escravista da guerra civil americana, além de Rambo (1982), a vingança reaganista da Guerra do Vietnã, e a montagem de atrações do cinema de Eisenstein no clássico Outubro (1927), que apresenta a Revolução Russa de 1917. Cinema e guerra estiveram sempre muito próximos. E Tarantino tem consciência disso. E brinca com isso.

Quem estivesse esperando relatos verídicos sobre algum grupo que espalhava medo entre os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial certamente sairá decepcionado. Afinal, Tarantino faz questão de matar Hitler justo onde? No cinema!

Filme de pura metalinguagem, Bastardos inglórios fala sobre um grupo que queria dar fim ao alto escalão do Terceiro Reich durante a projeção do filme Orgulho da nação. O filme é sobre Frederick Zoller, herói de guerra que estrela seu próprio filme. Todo o encanto sobre a guerra, toda a áurea que envolve aqueles que morrem pela nação nos campos de batalha estão lá no filme do Tarantino, e nisso ele me lembra Tempo de guerra (1963), do Jean-Luc Godard. Nessa obra, Godard faz uma crítica feroz à ideologia divulgada pela propaganda de guerra, segundo a qual os vencedores serão todos os soldados que dão suas vidas por ela- mas que morrem em função dos interesses políticos e econômicos de outrem. Lembro-me de uma cena do clássico documentário de Leni Riefenstahl, O triunfo da vontade (1934), em que a cineasta apresenta um congresso do Partido Nacional Socialista, quando um soldado nazi grita diante da câmera com os olhos hipnoticamente esbugalhados, que, caso morresse, não estaria morto, mas vivo no futuro da pátria.

Mas muito mais do que morrer pela pátria, o coronel Hans Landa quer entrar para a história. É por isso que ele, conhecido como "O caçador de judeus", ao tomar consciência da Operação Niko, que daria fim ao Terceiro Reich numa sala de projeção, ao invés de acabar com a operação, decide entrar para a história como o homem que traiu os nazistas e foi responsável pelo término da Segunda Guerra Mundial. Só que além da operação, havia a judia, Shosanna Dreyfus, sob sua falsa identidade Emmanuelle Mimieux, que era dona do cinema onde seria exibido a estréia do filme de Goebbels, e que já havia armado um plano para incendiar o cinema usando nada menos do que filmes 35mm feitos de nitrato - altamente inflamáveis. É Marcel, seu amado companheiro negro, quem deveria lançar chamas aos rolos de filme. Marcel e Shosanna, o primeiro, representante dos povos colonizados, a segunda, do Holocausto.

A imagem extremamente metafórica de Shosanna na tela do cinema interrompendo a projeção do filme que estava divertindo Hitler e emocionando Gobbels diante dos elogios do füher, fala da voz dos que querem tomar de vez os rumos da história, e nenhum meio melhor do que o cinema para ser herói.

O novo filme do Tarantino é exemplar do chamado boom da memória na cultura contemporânea de que fala Andreas Huyssen, em que multiplicam-se museus, filmes e literatura de testemunho sobre o Holocausto, que levantam discussões sobre o porquê de nos voltarmos para um passado tão obscuro que parece nos falar sobre o fracasso do projeto iluminista da modernidade, no qual o desenvolvimento técnico findou não num progesso da "humanidade", mas em milhões e milhões de mortes. Alguns dos personagens de Bastardos inglórios, aliás, são representantes típicos dessa tal cultura contemporânea que desafia as fronteiras nacionais e a identidade nacional, com alemães que matam nazistas e fazem parte dos Bastardos inglórios. Mas não se enganem aqueles que ignoram a diferença cultural em nome de um tal descentramento do sujeito - vide a judia e o negro que incendiam o cinema cheio de nazistas pelo ódio àqueles que fizeram mal ao seu povo.

Hans pode até ter entrado para a história, mas o final dela não é nada ilustre, isso Tarantino faz questão de ressaltar. Na última cena, ele sofre nas mãos do bastardo inglório Aldo do mesmo jeito que todos os nazistas que passaram por ele - Aldo fixa o símbolo nazista em sua testa (haveria marca melhor de sua identidade?), e tira o seu escalpe. Esse fim inglório me lembra aquela historinha de que Dom Pedro I estava era montado num burro, com diarréia e foi cagar na moita no momento da nossa "independência". Porque a história, meus claros, a história é inglória.

Um comentário:

Débora disse...

vou ver esse filme segunda pra saber se é isso td mesmo.