quarta-feira, maio 12, 2010

Carlos

Carlos é um homem cuidadoso. Se eu tivesse que descrevê-lo em apenas uma palavra seria essa, cuidadoso. O meu amor por ele foi construído pelo tempo. Um amor terno, consciente, digno, delicado. Eu nunca passaria uma noite em claro, nem teria dores vertiginosas por ele. Jamais deixaria o meu amor próprio como prova de amor, pois Carlos não me faria perder o respeito que tenho por mim mesma. Ele me ama tanto, que até passei a me amar um pouco mais. Não obstante, o seu amor foi trabalhado na justa medida, pois não me tornei uma mulher que precisa do seu companheiro para amar a si mesma, mas, pelo contrário, descobri que nem ao menos necessito dele para ser feliz. A sua forma de amar é a mais bonita que já conheci justamente por isso: porque descobri que não preciso dele para ser feliz.

Quando conheci Carlos, eu estava, não diria amarga, porém racional o bastante para não me entorpecer, pois amar é, muito mais que uma entrega, também uma regressão à infância. Redescobrimos os deuses. Ser criança é ter um deus para cada palavra nova, cada sensação, um inebriar-se com o mundo novo a ser desbravado. Mas quando eu encontrei Carlos já era adulta demais. Hoje sei que o seu amor é para mim, em grande parte, o amor de um pai.

Carlos, desde sempre, ofereceu-se para tomar conta de mim. Ele não procurava alguém para aliviar a sua própria dor, mas sim alguém que necessitasse dos seus cuidados. E eu precisava de um anjo, embora não admitisse. Havia coisas demais guardadas dentro de mim, escondidas, soterradas para que ninguém, nem eu mesma visse. Mas Carlos não as trouxe à tona, para que eu arregalasse os olhos diante da minha prórpia desgraça. Ele apenas me colocou diante do espelho e me fez ver que eu era apenas aquilo que eu acreditasse que era. Nada em minha substância me tornava alguém ruim, ao contrário do que eu achava. Nada no mundo conspirava contra meus intentos. A minha história não era a história dos deuses, mas era feita com meus braços, e um pouco de acaso, sim.

E grande parte disso tudo eu devo a Carlos, homem que me incentivou a andar com minhas próprias pernas. Sei que o princípio do meu amor por Carlos foi o amor que ele dedicou a mim. Via nos seus pequenos gestos que ele me amava tanto, que a partir de então resolvi a ele corresponder. Havia felicidade no seu amor. Era como se eu pudesse me tornar muito mais feliz só por amar; concluia ao deparar-me com seu deslumbre por me ver surgir no horizonte dos seus olhos e tomando conta do seu mundo. Eu queria um pouco daquela alegria também, e percebi que para senti-la bastava me permitir ser amada. O ato de ser amada exigia alguma dedicação minha, um empenho no sentido de tornar-me um objeto de desejo terminava por me envolver no amor. Eu havia determinado uma condição: que só me entregaria, que só amaria novamente um homem depois que ele já me amasse. Essa suposta regra havia sido estabelecida sem aviso prévio, sem carta assinada, sem protocolo, um apelo antes inconsciente, agora sei. É que eu não acreditava em homens que não se encantassem por mim. Não acreditava, entenda-se: diferente de desconfiar, análogo a não comover-se. Era profundamente desinteressante, dava-me vontade de inventar qualquer desculpa para ir mais cedo para casa. Tal tédio que eu sentia por quem não se admirava com os meus pequenos detalhes, eu não consigo explicar. Não sei ainda se era por defesa ou pura vaidade.

10 comentários:

Unknown disse...

Texto mto bom...parece com Clarice Linspector. É mto intimista. Qdo bati o olho, pensei: Clarice Linspector ou algo de Lygia Fagundes Telles (o pouco q já devo ter lido).
:)))

Anônimo disse...

esse seu texto me trouxe lembranças que eu não queria ter.

haha

odeio ter um passado mal resolvido.

Anônimo disse...

Débora aí em cima*

e.m. disse...

humrum..

Clarice é como uma mãe pra mim.

:***

Anônimo disse...

Parece Clarice Lispector, mesmo.
Ficou bem legal. Profundamente intimista, como já disseram. Bom, não sei bem o que falar sobre o conteúdo, apenas sobre essas características mais gerais, etc.
- Ah, Rafael, logo vc que faz letras.
É. Logo eu que faço letras. Sou apenas um aprendiz no 3º período, que nunca teve experiência amorosa alguma.
Vc me conhece, não preciso dar explicações.

Esyath disse...

E a verdade com o tempo surge nua e crua... amar é amadurecer... amar é ser humano... amar é crescer... amar é aprender a ser feliz... amar... é apenas amar...

Beijos (Des)conexos!

Sonia Regly disse...

Esse seu texto é muito bom!!! vcescreve muito bem, voltarei outras vezes.Visite o Compartilhando as Letras, sua visita muito me honrará.

Arlequina disse...

oxe, agora deu pra falar de mim no seu blog???


:P

Sonia Regly disse...

Obrigsda pela doce visita.O Rio é maravilhoso, o pessoal é de bem com a vida e muito feliz!!! A mídia procura denegrir a imagem do Rio, mas o Rio de janeiro continua lindo!!!! E com muitos lugares para passearmos e badalarmos.Volte sempre!!!

Sonia Regly disse...

Vim agradecer a visita, e dizer que têm uma linda postagem sobre o Rio de janeiro Cultural.Passe por lá.