quarta-feira, agosto 15, 2007

Fragilidade forte, força frágil


Mulheres como Florbela Espanca e Virginia Woolf estavam a frente do seu tempo. Com seus pensamentos anarquistas e feministas elas desafiaram a moral da sociedade de sua época. Entretanto, ao conferir suas histórias de vida, que terminaram ambas com o suícidio, pergunto-me o que tem a ver a tristeza e o romantismo dessas damas com sua força e alma desafiadora. É que romantismo e tristeza, na minha visão, combinam com as personagens de histórias da belle époque, mulheres submissas burguesas que viviam a tocar piano, tinham seu amante no centro do mundo e morriam de tuberculose.

Não que Florbela Espanca e Virginia Woolf tenham se matado por amor. Acredito que isso tem a ver com a depressão que elas carregavam desde a mais tenra idade. Florbela quando ainda criança já falava sobre como a morte lhe era atraente. Mas repito, a depressão não combina com mulheres guerreiras, só que quando olho para a história de vida dessas feministas me deparo com uma grande contradição.

Há mulheres no meu círculo de convivência que quando amam, amam com todas as forças, e não há tristeza maior para elas do que não poder ter ao seu lado seu objeto de desejo. Elas não vivem a ver novelas ou ler Capricho, mas, muito pelo contrário, militam em movimentos sociais e são cheias de vontade de mudar o mundo. São por um lado tão fortes e por outro tão frágeis.

Sempre aprendemos que o amor romântico é o sentido da vida. Somos educadas para sermos a mulher do verso de Vinicius de Moraes: “Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza, qualquer coisa de triste, qualquer coisa que chora, qualquer coisa que sente saudade... uma beleza que vem da tristeza de se saber mulher... feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor e para ser só perdão...”

E assim entende-se que a vida das mulheres é feita de açúcar e afeto, é tirar as meias do marido e massagear os seus pés quando ele chega do trabalho, é chorar de desespero por uma tal amante, é culpar a outra mulher pelo adultério e tentar lhe arrancar os cabelos com todo o ódio do mundo entre os dedos. É cair em prantos por não tê-lo ao seu lado e viver lembrando dos momentos com ele como uma forma mágica de tê-lo por perto.

Daí o motivo de eu estranhar mulheres como Florbela Espanca e Virginia Woolf serem tão românticas e tristes. Esperava que o amor delas fosse mais forte, realista, construído pelo tempo, e que terminasse em lágrimas justas e passageiras. Que não aparecesse assim, de repente e as tomasse por inteiro. Que elas não fossem tão tristes nem se entregassam à tristeza e ao cansaço de viver. Que elas lutassem mais por um mundo melhor ao invés de abandoná-lo. Mas dos meus ídolos eu não poderia exigir nada, nem de ninguém.

Será que as mulheres românticas também vêem o mundo com romantismo e sentem imensa vontade de mudar o mundo? Mas nessas histórias em particular elas desistiram do mundo e partiram. Virginia se apaixonou pelas águas de um rio e afogou-se nelas. Florbela escreveu em seu diário "e não haver gestos novos nem palavras novas" e ingeriu dois frascos de Veronal. Mas há aquelas que não desistem dos seus moinhos de vento.
Imagem: Virginia Woolf

4 comentários:

Anônimo disse...

Pensamentos agradáveis.
Parabens.

tatiana hora disse...

obrigada, anônimo =)

Anônimo disse...

Olá, belos textos e um belo blog, descobri a pouco tempo mas praticamente dou um olhada todos os dias, seus textos e temas são muito bons e muito interessantes, é muito bom encotrar pessoas dispostas a falar sinceramente sobre assuntos tão complicados e intimos como sofrimento ,solidão,amor, sem o interesse de se promover (algo encontrado em abundância hoje em dia nos blogues e sites). Sobre este seu último texto,simplesmente fantástico e assustador, quando percebemos que nossos ídolos, pêssoas que colocamos como seres acima das expectativas, são capazes de atos que nos deixam transtornados, e é aí que pecebemos que eles são pêssoas como qualquer outro , que choram, têm dúvidas, se apaixonam, e em certos momentos agem como se nada mais houvesse, apenas aquele sentimento que parece nos consumir, e tudo o que queremos é dar um fim a toda dor e angústia. As vezes penso que o suicídio não é um ato de covardia ou de fuga, mas uma escolha, uma das escolhas mais dificeis que se pode ter, e que nos dá a certeza de que não vai haver nínguem capaz de nos compreender.

Anônimo disse...

E eu nem falei nada desse post porque principalmente a Virginia deve estar louca para me assassinar: não vi o "As horas" até hoje - já aluguei-o umas três, quatro vezes. Mas a minha desculpa é aceitável: quero toda a atenção do mundo para assisti-lo.

Virginia, Florbela... -

estou pensando agora: ela, Virginia, junto com a Florbela, devem ter me dito, silenciosamente: azar o seu se não me leu, se não me viu ainda na televisão - no corpo da Kidman ainda por cima... -, azar o seu se não nos leu.

Eu sei, eu sei...