sexta-feira, dezembro 31, 2010
O fenômeno Lula
Às vésperas de entregar a faixa presidencial para a presidente eleita Dilma Rousseff no Palácio da Alvorada, o presidente Luis Inácio Lula da Silva se vê diante da velha chacota da mídia que o considera autoritário, zombeteiro e vaidoso, e que detesta o seu modo de falar despojado e cheio de metáforas, mas claro que odeia muito mais o seu modo de governar. Mas, com mais de 80% de aprovação, Lula não se intimida, e toma uma medida impopular como a não extradição de Cesare Battista, integrante do grupo de esquerda envolvido na luta armada nos anos 70 na Itália denominado Proletários Armados para o Comunismo (PAC), fato que foi alarmado pela grande imprensa como a proteção a um terrorista, e, para completar, Lula soltou a piadinha de que Dilma deveria ter cuidado porque talvez ele saísse correndo para não entregar a faixa presidencial a ela.
Nos veículos como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e Veja o que podemos ver é um clima de celebração pela saída de Lula. A revista Veja chegou a colocar um relógio no site contando o tempo para o fim do governo Lula. Mas não importa o quanto as viúvas de José Serra estejam amarguradas, Lula sapateia em cima da grande imprensa e tem uma popularidade tão alta que lhe concede a ousadia de maldizer os grandes veículos de comunicação sem temer retaliações.
O que me traz o questionamento: por que Lula é tão popular? Poderíamos citar os programas sociais, a exemplo do Bolsa Família. Mas o que me chama a atenção mesmo aqui é a arte de PARECER. Em que a imagem de Lula acerta para conseguir votos - e até transferi-los.
Primeiramente, por mais que a grande mídia reclame do modo bastante informal como Lula tece declarações públicas, isso conquista o eleitorado. Resumindo: Lula parece gente da gente. O fato de ele ter vindo do Nordeste, se instalado no Sudeste, mais tarde tornando-se metalúrgico, e até ter sofrido um acidente de trabalho que lhe custou um dedo, traz à tona uma biografia que conquista milhões de brasileiros que ainda vivem na miséria ou na pobreza. Além disso, setores de esqueda da classe média ovacionam a trajetória de Lula e seu modo de fazer política.
Mas por quê este homem perdeu tantas eleições até finalmente conquistar a vitória em 2002? O sucesso de Lula nas urnas tem nome: o publicitário Duda Mendonça. Antes Lula era o sindicalista barbudo com fala agressiva que clamava por mudanças radicais na sociedade. E, inclusive os mais pobres, muitas vezes defendem que a sociedade permaneça do jeito que ela está. Foi aí que Lula surgiu com a fala mansa, terno, Lulinha paz e amor, desbancando a Regina Duarte com o lema "não deixa a esperança vencer o medo". A propaganda fez seu milagre: transformou um rebelde em um self-made-man, expressão americana que quer dizer algo como um homem que se deu bem na vida, que conseguiu a ascensão social. Ou seja, ele continua bem bonitinho dentro dos valores do capitalismo. E sua imagem conquista todos aqueles brasileiros pobres que querem, igualmente, subir na vida.
Por outro lado, a campanha da reeleição de Lula e também a campanha de Dilma, apesar de apresentarem em grande parte um discurso conservador e gerencial, em certos momentos aderiram a ideologias de esquerda. Como no tocante à defesa do patrimônio nacional e crítica à gestão de Fernando Henrique Cardoso que realizou diversas privatizações. Na campanha de Dilma, o mote foi o pré-sal, e os eleitores foram alertados de que Serra esteve a frente de muitas privatizações durante o governo FHC e entregaria de mão beijada o "nosso petróleo" a empresas estrangeiras.
Diferente de Alckmin, que ficou acuado diante das acusações referentes às privatizações, Serra defendeu-as. No entanto, o discurso do PT terminou sendo bem mais forte. Por quê? Porque a propaganda do PT mexe muito bem com a identificação, desde a imagem de Lula até a valorização da identidade nacional. Sabemos que a identidade nacional, a ideia de um povo pertencente a uma comunidade imaginada, serviu desde sempre para o fortalecimento do Estado. Na propaganda petista, privatizar é tirar do Brasil. E todos somos Brasil, logo, não queremos entregar o nosso patrimônio. Essa é a lógica da campanha petista.
A lógica do elogio a Lula é também baseada na negação. FHC é o exemplo daquilo que foi negativo para o país. E o fantasma de FHC pairou sobre Serra nesta campanha. Votar em Serra seria votar no atraso. O Brasil pararia de avançar. Dois argumentos básicos que defendiam essa tese na última campanha, que consistiu basicamente no elogio à gestão de Lula para a continuidade com Dilma: 28 milhões saíram da miséria e a dívida do FMI foi liquidada. Assim, a campanha petista focou na crença de que o governo tucano seria caracterizado pela insensibilidade social, enquanto o PT governa pensando nas pessoas. Um valor da arte da propaganda: a preocupação com as pessoas. A humanização do cliente para conquistá-lo.
Se investigarmos mais a fundo as razões pelas quais a propaganda petista é bem sucedida, descobriremos que isso nada tem a ver com o fim do medo do comunismo, ou mesmo uma esquerdização no Brasil. Assim, muitos e muitos eleitores de Lula, e agora Dilma, desaprovam aliados históricos do PT, como o MST e até mesmo, veja que absurdo, os sindicatos. O que existe é uma extrema contradição ideológica - e, de um jeito ou de outro, a continuidade de uma mesma política econômica, inserida num mesmo sistema sócio-econômico, que afirma suas bases no discurso, na ideologia, na cultura de um modo bastante complexo e dialético, e até mesmo ambíguo.
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