A atual conjuntura dos meios de comunicação de massa tem reconstituído os espaços público e privado nas sociedades modernas. Acontecimentos pertencentes à esfera privada podem vir a adquirir uma projeção pública nos mídias, assim como fatos de caráter público assumem uma midiação privatizada.
Os debates no discurso social e político atribuem dois significados aos conceitos de público e privado. Numa primeira instância, entende-se como domínio público o âmbito das empresas e organizações estatais. Na esfera privada estariam as empresas situadas numa economia de mercado e visando o lucro, como também o círculo das relações sociais. Em outro sentido, o público seria entendido como o que diz respeito a toda a sociedade, e o privado como concernente à atmosfera das relações pessoais.
Se antes os debates acerca das decisões que regiam a sociedade ficavam restritos aos governantes, desde a formação da esfera pública nos primórdios do capitalismo, os assuntos políticos transcenderam as dimensões do palácio e chegaram até a sociedade civil. A esfera pública é basicamente um ambiente privado de discussões públicas, e surgiu nas democracias modernas no ambiente dos cafés e das praças de Paris.
A esfera pública é essencial para a constituição das democracias modernas, envolvendo a sociedade civil nas decisões políticas. Alguns teóricos afirmam que os meios de comunicação de massa acabaram com a esfera pública, porque segundo essa vertente os mídias não realizam uma comunicação dialógica, sendo o fluxo de informação unidirecional, e os indivíduos estariam isolados no espaço recebendo as informações da mídia, ao contrário do que havia nos cafés, quando se encontravam num ambiente de debate de comunicação face a face. Entretanto, não é verdade que ocorreu o fim da esfera pública, pois os receptores promovem discussões acerca dos acontecimentos mediados pelos meios de comunicação de massa no âmbito das relações pessoais.
Há uma problemática na publicidade de fatos públicos nos meios de comunicação de massa. A exibição de assembléias, por exemplo, poderia impelir os políticos a um maior comprometimento com suas obrigações, já que estariam sendo submetidos à vigilância. Entretanto, um problema da midiação dos acontecimentos políticos é a espetacularização promovida pelos meios, e o mau uso que certos homens públicos fazem da publicidade midiática, usufruindo da visibilidade dos mídias em proveito próprio.
Os meios de comunicação de massa proporcionam uma grande visibilidade aos líderes políticos. A questão é que essa visibilidade pode tanto ajudar na ascensão de um líder, como no seu fracasso. O gerenciamento da projeção da imagem de um homem público pode fugir ao seu controle, e a publicidade dos mídias tem tido conseqüências incontroláveis para o exercício do poder político.
Outra questão é a midiação de fatos de caráter privado no ambiente público. É importante trazer à tona discussões antes restritas ao ambiente familiar, como a violência doméstica, para promover debates acerca dos direitos humanos. Entretanto, a exposição de acontecimentos privados no âmbito público pode servir como espetáculo que entrete as audiências usando o voyeurismo inerente às mesmas.
Para além das discussões acerca da reestruturação dos espaços público e privado, forma-se um debate sobre a constituição dos mídias, e se os meios de comunicação de massa devem ser estatais ou regidos por empresas privadas. A teoria liberal foi desenvolvida por teóricos como John Stuart Mill, James Mill, e Jeremy Bentham, e seus pressupostos se baseiam na defesa de uma imprensa livre das influências do estado para que haja múltiplos pontos de vista. Os meios de comunicação de massa seriam uma espécie de Quarto Poder capaz de vigiar as decisões dos líderes políticos e mediadores da relação entre o Estado e a sociedade civil. Para isso, os meios de comunicação de massa deveriam ser privados.
Thompson estabelece os limites da teoria liberal. Segundo o autor, há três problemas nessa teoria. Primeiro, ela não considera o perigo da comercialização e crescente concentração dos meios de comunicação de massa. Além disso, a teoria liberal foi pensada no contexto histórico do século XIX, e não abarca devidamente a conjuntura das novas tecnologias. Há também a problemática dos limites da liberdade de expressão nos meios.
As empresas de comunicação de massa se situam numa economia de mercado e são regidas pela busca do lucro. Essas empresas carregam os atributos de qualquer empresa situada dentro do modo de produção capitalista. A informação é oferecida como produto, e o receptor é consumidor desse produto. Tanto que o feedback dos receptores se restringe à esfera do mercado, na valorização da audiência enquanto consumidores potenciais. Os mídias perdem assim o compromisso com indivíduos enquanto cidadãos, e com a informação enquanto direito dos cidadãos situados nas democracias modernas.
A tendência atual das empresas é a oligopolização no contexto do capitalismo tardio. Se um dos pilares do modo de produção capitalista é a livre concorrência, ele vem sendo destronado, levando em conta a formação de holdings na economia global. Essa realidade não é diferente nos meios de comunicação de massa, que apresentam uma crescente concentração, adquirindo dimensões até globais.
Thompson entende que os meios de comunicação de massa devem se manter afastados do Estado para se constituírem enquanto vigias do exercício do poder. Entretanto, a comercialização dos mídias não permite que haja um compromisso com os receptores enquanto cidadãos, e, além disso, muitas empresas de comunicação de massa estão nas mãos de líderes políticos.
Outro problema da teoria liberal é que ela foi pensada no século XIX, e não abarca as novas tecnologias da comunicação, como a televisão e a internet. Além disso, ela não considera o problema da liberdade de expressão nas empresas de comunicação, levando-se em conta que boa parte dos meios são ligados a políticos. Os pensadores liberais acreditavam que as restrições aos meios deviam ocorrer só quando veiculassem informações de conteúdo danoso para os receptores. Entretanto, essa teoria não considera que muitas vezes informações de cunho político são censuradas em nome da defesa da moral e dos bons princípios.
O autor trata do serviço público de difusão, trazendo como foco principal o exemplo da BBC de Londres. Segundo Thompson, o problema da estatização dos meios de comunicação encontra-se na concentração dos mídias nas mãos de uma elite burocrática, na dificuldade em estabelecer cobranças quanto á administração dos governantes, e o obsoletismo que o serviço público de difusão pode adquirir em face das novas tecnologias da mídia.
No caso da BBC, a rádio era controlada por um pequeno grupo da elite do país. A programação era formada por programas ditos de alta qualidade, o que implica um certo paternalismo cultural. É oferecido à população o que a elite, o que o Estado considera como produtos culturais de alta qualidade. Além disso, o serviço de público de difusão implica certa cumplicidade dos meios perante o Estado.
O serviço público de difusão apresenta dificuldades de se manter no contexto da globalização. No caso da BBC, o governo não pôde impedir as transmissões de rádios piratas. Outro problema desse serviço, é que ele é voltado para todo o território nacional, ignorando muitas vezes questões locais em nome de questões nacionais.
A saída para a formação de um debate comprometido com os cidadãos e livre das interferências do Estado seria, segundo Thompson, o pluralismo regulado. Os meios de comunicação de massa devem pertencer ao domínio privado, entretanto, é preciso haver uma regulamentação que evite a grande concentração das empresas de comunicação. O que o autor defende não é a livre-concorrência, e sim a multiplicidade de idéias. Não é a oferta de diversos produtos ao consumidor, e sim de diferentes pontos de vista para o cidadão que tem direito de saber sobre as decisões do exercício político, na formação da esfera pública essencial na constituição das democracias nas sociedades modernas.
2 comentários:
O líder que vc citou pode ser o Lula?
kkkkk
pode sim, claro
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