Estava eu andando com Débora pela avenida próxima ao shopping Jardins que vai dar na entrada das Lojas Americanas. Hoje é dia de birita, botar as fofocas em dia, matar as saudades do povo...
- Opa, opa, opa. Pra passar por aqui vai ter que pagar pedágio.
Eram duas crianças, uma menina gordinha, que devia ter seus 14 anos, e um menino magrinho, seu irmão, talvez, provavelmente uns dois anos mais novo, e seu rosto não me era estranho. Os dois fecharam o nosso caminho erguendo cada um seu pedaço de pau. Aquela era a propriedade deles, onde mandavam impetuosos com suas armas, cercando como guardas temerários o caminho que ia dar na ponte mágica que passava por cima do rio, o rio que era o canal onde rolavam as bostas da classe média.
Vocês só passam se pagarem o pedágio, uns 25 centavos no mínimo. Olha, todo mundo pagou, não venham vocês enrolarem a gente. Enquanto Débora discutia com a menina, que ia tomar providência, eles eram menores de idade, e não podiam ficar ameaçando as pessoas, eu reparava no sorriso ingenuamente cínico do menino dedicado a mim, no tom ameaçador da menina segurando a espada como se fosse pra cima de Débora, uma criança usando de um ataque histriônico para se defender do próprio medo.
Nós estamos aqui em nome da juíza, isso é uma propriedade privada, minha filha, dizia a menina erguendo o peito de acordo com a autoridade que merecia o vocábulo “juíza”. Propriedade privada, propriedade privada, isso é uma propriedade privada. Vocês acham que nós somos qualquer um? Estamos aqui em nome da juíza. Qualquer um, qualquer um, em nome da juíza, juíza. A lei. De quem é a lei? Eu os vi fazer uma espécie de lei erguendo aqueles pedaços de pau na avenida, brincando de ser adultos, assim como o menino fazendo guerra com os bonecos, e a menina fingindo que está cozinhando. Eles sabem que a lei não é deles, não é de “qualquer um”, quem eles acham que são e fingiram não ser.
Ali eles defendiam sua propriedade privada com unhas e dentes, sempre falando em nome dela, não já ouviram falar disso em algum lugar? Construíram com sonhos infantis o seu espaço numa sociedade em que essa tal propriedade privada os exclui, cuspindo-os das portas dos shoppings pelos guardas obedecendo às ordens, isso aqui é uma propriedade privada, ternos, fones. Agora eles falam nos mesmos termos, aquela tão típica atitude do dominado de imitar o dominador para ter a sua quimérica insurreição.
Olho para trás e eles continuam erguendo seus pedaços de pau como guardiões do mundo fantástico da faixa de rua que cruza o canal. E algumas pessoas assustadas tentando se desviar. Pra passar por aqui vai ter que pagar pedágio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário