Estava recordando os primeiros capítulos da minha grande paixão, a literatura. De como de alguma forma eu me tornei literatura, meu mundo virou um livro construído com a sutileza das palavras que versam as idéias da embriaguez de viver.
Tudo pra mim é literatura. A forma como narro uma história para os amigos é cheia do que vi nos olhares, nos detalhes, o dito pelo não dito. Às vezes sonho que estou lendo um livro, engraçado como as palavras fluem da minha mente, e eu leio como se não fossem minhas. Sabe-se lá o que eu estava lendo. E tudo que escrevo está repleto de subjetividade, sou um projeto frustrado de jornalista, sempre brincando com as palavras, a minha arte de mentir para aniquilar essa falsa verdade repleta de superficialidade.
Lembro que meu primeiro livro lido foi “O jabuti”. Ouvia tanto a professora falar que a gente ia ler um romance, e como eu queria ler um livro, estava tão ansiosa para descobrir aquelas páginas. Já faz tanto tempo, e nem me lembro de que tratava “O jabuti”. Tenho algumas vagas lembranças do momento em que o recebi em minhas mãos, ele era coberto por um plástico transparente com bolinhas verdes e sua capa era branca. E na capa, como não poderia deixar de ser, um jabuti.
O primeiro livro que me marcou muito foi “Barulhinhos no silêncio”. A experiência de lê-lo foi um alívio para as minhas noites intermináveis. A obra tratava de um menino que não conseguia dormir com medo dos sons que ouvia à noite. Uma simples torneira gotejando formava a cadência da música do horror que o deixava de vigília. No decorrer do livro o autor, ou autora, não lembro , vai mostrando através da personagem da mãe que os ruídos dos enredos assustadores fabricados na mente do menino eram apenas o guarda noturno apitando, entre outros pueris barulhos da noite. O menino, assim, vence o medo, e passa a dormir tranquilamente. Lembro-me como hoje de que eu também fantasiava muito com ruídos noturnos, e através desse livro eu encontrei um pouco de paz.
A menina que construía castelinhos na areia, o menino que vai para uma ilha perdida, as histórias de fantasmas contadas por jovens presos num casebre, as aventuras de Orlando, as descobertas de Hans no sanatório de Berghof, a busca de Leopold Bloom... Assim fui descobrindo meu prazer de ler. Hoje tantos personagens que encontrei nas páginas das fantasias de alguém fazem parte de mim, e laboro personagens feitos com partes de mim também. A consubstancialidade de palavras e coisas em idéias num sonho poético.
Nenhum comentário:
Postar um comentário