quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Palavras do Demo

Não diga palavrões, minha neta, essas palavras chamam o Diabo. O Demo gosta de quem fala essas coisas feias, ah, eu bem me lembro de uma história que Ninha Daria me contou...

Havia um velho que vivia xingando. Era porra pra lá, caraio, cabrunco, esses nomes feios. Sempre que ele tava com raiva, gritava palavrões. Você sabe, minha neta, que o Demo gosta de ódio, aí quando ele sente a ira crescendo no seu coração, ele chega mais perto pra ver se pega a sua alma e guarda no quinto dos infernos.

Então de noite, quando o Velho foi dormir, ele apagou todas as luzes e caminhou como um cego até a sua cama. O Velho não rezou, era desse povo que dorme feito bicho, parece não ter Deus. E você sabe, minha neta, que nesse mundo a gente só vive e é feliz de verdade com Deus no coração. Não confio nesse povo que diz que Deus é coisa inventada, oxe, gente assim faz mal aos outros e nem se preocupa, porque acha que não existe Deus nem o Diabo.

Ah sim, então o homem viu uma luz vindo de lá do corredor e invadindo o quarto. Ele sentiu uma tremedeira atravessar todo o seu corpo, não cabia em si de tanto medo, e não se mexia porque não havia tempo pra pensar, só pra temer. O que era aquilo, diacho? Mas se não era o Demo, o Tinhoso, o Coisa Ruim! Era um monstro enorme e peludo com dois chifres, e seus pêlos se misturavam com o brilho da luz que saía do seu corpo. Os olhos em brasa, chispando um ódio calmo, e fitando sem piscar o velho xingão. A coisa não se movia, minha neta, ficava lá parada com todo seu movimento de terror expelido pelo seu olhar perdido nos rumos desvãos. E assim mesmo metia um medo danado no Velho, que também parado se mantinha.

Mas Deus salva, minha neta. Sim, Jesus é muito bom e generoso. O Velho fez com as mãos trêmulas e com olhos mirando o céu o sinal da cruz. Quando ele voltou os olhos pro chão, a criatura não estava mais lá. Tinha rumado quem sabe pra onde, talvez pra o lugar que ela fitava, e o velho disse não ser o norte, nem oeste, não tinha direção, nunca viu um olhar daqueles.

Desde aquele dia, nunca mais o velho disse palavrão nenhum.

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