1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12... Luíza chegou ao banheiro. A primeira coisa que ela faz quando se acorda é urinar. 15, 16, 17, 18, 19, 20. Pensamentos avulsos, não há como controlar, dos desenhos de flores da parede do banheiro até o olhar displicente do pai. Ela precisa contar. 23, 24, 25, 26...
Luíza procurava a fórmula para ser feliz, pensar em coisas boas, mas ela só conseguia contar, se não contasse, lá vinha uma avalanche de lembranças e paranóias tristes que brincavam com sua mente como se não fosse dela. Sempre lhe diziam que ela era burra, ou trouxa, culpa sua passar por todo esse sofrimento, isso é coisa da sua cabeça. 80, 81, 82, 83...
Havia momentos em que Luíza parava de contar. Era quando ela recriava os mundos perdidos na mente de alguém e escritos nas páginas de um livro secular. Ou quando ela se encontrava nos seus personagens, sendo eles crianças, prostitutas, mães, assassinos. Cada um deles tinha algo seu, e toda a história se tornava um entrelaçado dos encontros e desencontros dela mesma.
Luíza acende o cigarro com um olhar altivo na frente do espelho, por favor, chamem-me de senhora. Ela quer ser mulher, mas toda a arrogância das suas baforadas, do seu jeito de levantar o rosto, da forma como a mão que segurava o cigarro estava curvada e pairando no ar, lembram uma menina vestindo as roupas da mãe. Luíza era uma mulher desesperada para se livrar da menina guardada dentro de si, mas odiava a mulher em que tinha de se tornar.
Uma menina que não sabia lutar, uma mulher que cobrava por isso. Reclusa no seu pequeno mundo, tentando viver de arte ou... 99, 100, 1, 2, 3. Luíza era tão só, mesmo estando com amigos, sua euforia exacerbada escondia uma dor que passeava no seu sangue como um martírio. Os olhos às vezes perdidos paravam em algum ponto invisível no ar, mas não, eu não estava pensando em nada, do que vocês estavam falando mesmo? 50, 51, 52...
97, 98, 99, 100. 1, 2, 3, 4, 5... O sono não chegava, e quanto mais Luíza pensava no sono, mais se sentia acordada. Ela não pode ver as horas, a mãe disse que isso a deixaria mais aflita. Luíza vai ler, mas não consegue se deter no universo de Flaubert, e tudo são páginas cheias de letras e seus pensamentos em conflito. Volta para a cama, fita o teto, mas lembra que não pode dormir com o ventre para cima, isso resultaria em pesadelos. Fica em posição fetal, e lembra que a mãe dorme na cama ao lado. 1, 2, 3, 4, 5, 6...
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