segunda-feira, novembro 21, 2005

Brilho eterno de uma mente sem lembranças



Imagine poder apagar tudo o que você viveu com alguém especial para poder seguir em frente com sua vida? É o que Clementine, interpretada por Kate Winslet, faz para esquecer Joel, vivido por Jim Carrey. Brilho eterno de uma mente sem lembranças é um filme sem grandes pretensões intelectuais, mas também sem a imbecilidade comum às produções do cinema pipocão, dirigido por Michel Gondry, e com roteiro do aclamado Charlie Kaufman, roteirista de outras peripécias cinematográficas como Quero ser John Malkovich e Adaptação. É gostoso ver um filme desses que parece falar de gente como a gente, para gente como a gente, sem intelectualizar demais ou subestimar a nossa inteligência. E nada como assistir a uma película dessas na madrugada.

Clementine é uma mulher intensa, impulsiva, extrovertida, que tem uma necessidade gritante de falar sobre si mesma e buscar novas aventuras a cada momento. Ela se apaixona por Joel, um homem tímido, retraído, sempre guardado no seu pequeno escondido mundo. Ela queria tudo e agora. Para ele, “legal” era ótimo. Ela era tão instável que até seu cabelo estava sempre mudando de cor. Ele tinha os seus dias todos iguais, um diário onde não havia nada escrito.

Joel fica deslumbrado com o encantamento que Clementine tem pelas coisas do mundo, assim como ela quer conhecê-lo e se aventura em fazê-lo se embriagar com a vida. Só que com o passar do tempo os interesses deles se chocam, Joel é muito reservado, às vezes se sente invadido, e os impulsos incontroláveis de Clementine fazem a relação se tornar estressante. A oposição entre os dois, que de início parecia formar um conjunto perfeito, aos poucos vai se tornando fator de crise na relação.

As brigas e os bons momentos vividos pelo casal são reconstruídos no labirinto da mente de Joel no decorrer do filme. Clementine paga à empresa Lacuna para apagar Joel da sua memória e assim ela poder seguir em frente com sua vida. Ele recorre à mesma empresa quando sabe da decisão dela, só que se arrepende no meio do processo e tenta manter Clementine viva na sua mente.

O filme é conduzido sob o ponto de vista de Joel, pelas lembranças dele, e há uma confusão entre passado e presente, a narrativa é não-linear e repleta de flashbacks, onde por vezes o que Joel escuta ou pensa enquanto está sofrendo uma lavagem cerebral influencia a rememoração dos fatos. Afinal nada do que lembramos é objetivo, uma boa parte é inventada e recriamos semanticamente o passado. Então boa parte do filme é a reinvenção de Joel de tudo o que aconteceu.

É interessante ver que eles se conhecem de novo, uma espécie de recomeço, mas tudo estava gravado pela Lacuna, as confissões de ambos sobre o porquê de terem decidido apagar o outro da memória. Eles tentam reviver a relação, mas se deparam com antigas feridas, e tudo já havia se perdido, toda a pureza do relacionamento deles foi destruída pelo medo de se envolver, pela falta de comunicação, pela hostilidade nascida de tudo isso.

Joel e Clementine são de carne e osso, cheios de angústias e nada holywoodianos. Lembro-me de uma frase hilária dela repetida várias vezes durante o filme, “se você está procurando alguém que irá te salvar essa pessoa não sou eu, eu sou apenas uma pobre infeliz procurando um pouco de paz”. Nesse mundo caótico todos querem um pouco de paz, mas criam muitas expectativas, e acabam se perdendo num emaranhado de temores e frustrações. É a angústia da contemplação do outro, como o próprio Sartre diria, o inferno são os outros.

O filme é contra a reificação das relações humanas, num mundo onde as pessoas têm medo umas das outras e acham que qualquer um é deletável. Será que é mesmo legal esquecer de tudo o que se viveu ao lado de outra pessoa, da aventura de conhecer alguém cheio de defeitinhos e coisas boas? Alguém que já faz parte do que você é e já te ensinou algo que você vai levar para a vida? E as lembranças que fazem parte da sua memória poética? São essas as perguntas a que o filme se propõe.

Um comentário:

Anônimo disse...

Não era Lacuna?