Antes de ontem eu finalmente consegui instalar o Analytics aqui no blog. Para minha surpresa, a maioria das visitas que não são originadas da minha cidade é de São Paulo. E os paulistas são os que mais passam tempo no blog, enquanto gente de outra cidade mal abre o site e já vai embora. Não sei o que os paulistas viram por aqui.
Outra surpresa é que a maioria absoluta das visitas é de pessoas de Aracaju que já vieram ao blog antes. Ou seja, tem um povo aí que me conhece e anda vindo ao meu blog procurando não sei o quê.
Quem será que anda me vigiando? o.O
segunda-feira, maio 31, 2010
domingo, maio 30, 2010
Cine(poe)ma: o Recife em O cão sem plumas e Recife de dentro pra fora
1- Documentário poético: dois gêneros de duas linguagens
Se na Antiguidade a poesia era cantada, mesmo nos versos escritos para serem lidos silenciosamente, no gênero lírico permanece uma confluência entre a palavra e a música através do ritmo, das rimas, dos refrãos, da sonoridade própria dos vocábulos (STALLONI, 2003 p.24). Essa conjunção entre música e poema se faz presente em O cão sem plumas através da musicalidade criada pela repetição de palavras, e é introduzida na estética do documentário Recife de dentro pra fora, de Kátia Mesel, que percorre as águas do Rio Capibaribe ao som do poema de João Cabral de Melo Neto cantado por Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elba Ramalho.
No gênero lírico, “o poeta abandona o domínio da imitação da realidade em troca daquele da introspecção individual” (STALLONI, 2003 P.135). Ora, não é diferente no caso do documentário poético. Esse tipo de documentário vai de encontro às expectativas comuns em relação ao gênero cinematográfico definido geralmente em termos de objetividade. Tomemos a definição de Jacques Aumont e Michel Marie, no Dicionário Teórico e Crítico de Cinema: “o filme documentário tem, quase sempre, um caráter didático ou informativo, que visa, principalmente, restituir as aparências da realidade, mostrar as coisas e o mundo tal como eles são” (AUMONT e MARIE, 2003 p.86). Como observa Bill Nichols (2008, p.138-140), o documentário poético submete o mundo histórico às impressões subjetivas e fragmentadas do cineasta.
Apesar de imersos na dimensão subjetiva, tanto o poema quanto o documentário poético podem tratar de temas sociais. O documentário poético, aliás, herda do modernismo a relação lírica com o mundo histórico (NICHOLS, 2008 p.139). Vale ressaltar que João Cabral de Melo Neto é um poeta modernista e, segundo Angélica Soares (2007, p.26), “o lirismo moderno é de conteúdo explicitamente social”. Destarte, o lirismo moderno se afasta da definição de lirismo vinculada aos problemas individuais, que se distinguia assim na Antiguidade em relação à epopéia, a qual tematizava as grandes questões coletivas, para restaurar a dimensão social típica da epopéia no olhar subjetivo. Podemos observar tanto em Kátia Mesel quanto em João Cabral uma preocupação com as contradições de uma cidade como o Recife, repleta de desigualdades sociais e de dilemas entre o progresso e a natureza, a metrópole e a miséria.
O modo como o poeta João Cabral de Melo Neto observa essa realidade social é através da aproximação, assim como a cineasta Kátia Mesel chega mais perto do rio Capibaribe, do mangue, do Recife pelas lentes da câmera. Desde sempre o gênero lírico foi marcado pela “eliminação do distanciamento entre o eu lírico e o objeto cantado”, pois no lirismo ocorre tantas vezes a “fusão entre sujeito e objeto” (SOARES, 2007 p.24). Assim também ocorre no caso do documentário poético. Tomemos como exemplo o tipo de documentário designado por Jean-Claude Bernardet (2003) como modelo sociológico. Nessa forma específica de documentário, “os entrevistados são a amostragem – são o objeto da fala do locutor, que se constitui sujeito do saber” (BERNARDET, 2003 p.18). Mesmo que o documentário poético em questão não apresente entrevistados como donos da voz do filme, os moradores da periferia do Recife não são representados como exemplos de alguma verdade sociológica, nem a realidade em questão é submetida a avaliações que pretendam chegar a conclusões científicas, mas a obra busca tão somente poetizar o Recife e suas contradições sociais.
Mesel não acredita no dualismo que separa ficção e documentário, dicotomia essa que Leon Hirszman defendeu durante boa parte de sua carreira, segundo a qual a criação ficcional é produto da imaginação, ou seja, é fruto de um olhar para dentro, enquanto o processo de construção do documentário partiria de um olhar para fora (ESCOREL, 2005 p.260). A dualidade objetividade e documentário de um lado, e ficção e subjetividade de outro, não se faz presente no filme de Mesel, intitulado inclusive Recife de dentro pra fora.
Ao tentarmos distinguir o cinema e a literatura, diríamos numa primeira instância que o cinema é arte da imagem e a literatura arte das palavras. No entanto, o gênero lírico, mesmo que não apresente imagens diante dos espectadores como aquelas do cinema, brinca todo o tempo com imagens que ressoam na mente do leitor através de metáforas, comparações, metonímias (STALLONI, 2003 p.142). O processo metonímico está presente em O cão sem plumas na medida em que “não se fala mais aqui de rio, do Capibaribe, mas muito além, de todo um entorno, um modo de vida, de uma certa organização social”(GODOY, 2009 p.79). João Cabral utiliza procedimentos de derivação e transferência de significados entre vocábulos, como no modo em que rio e homens são igualados a um cão sem plumas (GODOY, 2009 p.84).
Essa união de signos que resulta em um novo significado lembra o modo como atua a própria montagem cinematográfica. Segundo Kulechov, um teórico do cinema na época da Revolução Russa de 1917, “o plano é um signo, uma letra para a montagem” (KULECHOV apud XAVIER, 1984 p.38). O chamado “efeito Kulechov” trata da forma como uma imagem absorve sentidos diferentes a partir da justaposição dos planos, posto que o significado de um plano cinematográfico é construído em sua relação com outros planos (XAVIER, 1984 p.38).
Através da confluência entre imagem e musicalidade, sujeito e objeto, da ficcionalização do real ou da realidade da ficção, da imersão no universo social por meio da própria subjetividade, Recife de dentro pra fora e O cão sem plumas poetizam o mundo histórico, ou seja, abordam-no sem perder de vista a dimensão subjetiva do olhar.
2- Rios, pontes e overdrives: manguebeat, João Cabral e cinema
“Rios, pontes e overdrives, impressionantes esculturas de lama”. Nesse trecho
da célebre música de Chico Science e Nação Zumbi vemos o espanto diante do progresso urbano e o elogio ao riquíssimo ecossistema mangue. O movimento manguebeat, surgido nos anos 90 e liderado pelas bandas Mundo Livre S.A. e Chico Science e Nação Zumbi, terminou por reanimar a auto-estima do pernambucano e influenciar também a sétima arte. No manifesto do movimento manguebeat, um press release enviado à imprensa, Fred 04, vocalista do Mundo Livre S.A. afirma:
Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade “maurícia” passou a crescer desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição dos seus manguezais. Em contrapartida, o desvario irresistível de uma cínica noção de “progresso”, que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do Nordeste, não tardou a revelar sua fragilidade (...) Mais da metade de seus habitantes moram em favelas e alagados. (ZERO QUATRO apud FONSECA, 2006 p.54)
De acordo com Gabriela Lopes (2009, p.112), os integrantes do manguebeat eram influenciados pela obra do sociólogo e médico Josué de Castro, segundo o qual o subdesenvolvimento não é a ausência de desenvolvimento, mas sim resultado das contradições, exclusões e desigualdades do próprio desenvolvimento. O manguebeat apresenta diversas referências ao bicho do mangue, o caranguejo, influência essa cara ao cientista Josué de Castro, que em sua obra Homens e caranguejos (1945) chega a afirmar que “no mangue, tudo é, foi ou será caranguejo, inclusive o homem ou a lama” (FONSECA, 2006 p.60). Não é à toa que na música Cidadão do mundo, do álbum Afrociberdelia, Chico Science grita: “Josué!”.
O movimento manguebeat, que mescla ritmos americanos a exemplo do rock e do hip hop com música popular tradicional, como o maracatu e o samba de coco, vai de encontro aos movimentos regionalista e armorial. Entre os integrantes do regionalismo estão autores como Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego. No manifesto regionalista, publicado em 1952, Gilberto Freyre critica o que ele chama de falso modernismo e mau cosmopolitismo, fazendo um elogio aos elementos tradicionais da cultura popular (FONSECA, 2006 p.24).
Influenciado pelo regionalismo, o movimento armorial é lançado no Recife durante a década de 70. Esse movimento liderado por Ariano Suassuna apresentava uma visão erudita da cultura popular, romantizava os seus aspectos mais tradicionais, e era contra quaisquer manifestações da cultura de massa (FONSECA, 2006 p.27). A proposta do manguebeat é completamente oposta ao movimento armorial, pois os armorialistas “não vêem com bons olhos os experimentos que traduzam essas manifestações a partir de uma roupagem contemporânea” (FIGUEIRÔA, 2000 p.116).
Tendo iniciado sua poesia com um caráter surrealista numa obra como Pedra do sono (1942), João Cabral de Melo Neto passa a compartilhar com os formalistas do modernismo da Geração de 1945 o rigor métrico e estético em sua poesia (BOSI, 1976 p.521). Segundo Alfredo Bosi, a Geração de 45 trata-se de
Uma literatura penetrada de pensamento, uma literatura que faz da auto-análise, da pesquisa do cotidiano (rústico, urbano, suburbano, marginal), do sarcasmo e da paródia o seu apoio para contrastar as ideologias dominantes; uma literatura que vive em tensão com os discursos da rotina e do poder; e que se faz e se refaz no nível da representação arduamente trabalhada da linguagem. (BOSI, 2003 p.225).
Herdeiro da poética de Drummond, sua poesia é prosaica e Cabral parece buscar uma nova dimensão do lírico “com a preocupação de desbastar suas imagens de toda ganga de resíduos sentimentais ou pitorescos, ficando-lhes nas mãos apenas a nua intuição das formas” (BOSI, 2003 p.521).
Expoente do modernismo, o poeta João Cabral de Melo Neto é tema de documentário de Kátia Mesel. Recife de dentro pra fora, no entanto, faz parte de um contexto de produções cinematográficas em Pernambuco bastante influenciadas pelo manguebeat, a exemplo de Baile Perfumado (1996), Paulo Caldas e Lírio Ferreira, Maracatu, maracatus (1995), Marcelo Gomes, Conceição (1999), Heitor Dhalia, e Amarelo Manga (2002), Claudio Assis. Como afirma Nara Aragão Fonseca (2006, p.56), “a escolha desse poema de João Cabral para representar a cidade através do rio vem da afinação do discurso do poeta com os mesmos preceitos”.
Numa tese bastante arriscada, Godoy (2009) filia o poema O cão sem plumas ao surrealismo fílmico. Se o próprio João Cabral de Melo Neto afirma “eu fui um falso surrealista”, apesar de produzir associações bastante inusitadas, o poeta não consegue mergulhar no irracionalismo e na aleatoriedade dos surrealistas, terminando por apresentar uma estranha espécie de surrealismo caracterizada pelo método e pelo sentido, mesmo que de forma peculiar. No cinema, o diretor, diferentemente do poeta, tem de lidar com uma série de aspectos que impedem uma produção ao acaso, a exemplo do extremo apuro técnico que as tecnologias utilizadas na sétima arte exigem e ainda o fato de o cineasta coordenar uma equipe, dividida inclusive em diversos setores, o que torna, assim, impossível a falta de racionalidade e método numa arte caracteristicamente industrial (GODOY, 2009 p.13). Dessa forma, Godoy (2009) tece uma relação entre o surrealismo fílmico e a associação de imagens, com a poesia de Cabral e suas associações de palavras.
3- O Recife segundo João Cabral de Melo Neto e Kátia Mesel
As cidades são as paisagens contemporâneas. O skyline de São Paulo visto do alto dos prédios alastra-se como o chão arcaico do Pelourinho. As praças de Belém circunscrevem o mesmo vazio de Brasília. As margens lamacentas do Capibaribe – diz o poeta- e o solo pedregoso de Sevilha. Manaus dos Igarapés e as cidades tomadas pela água e a bruma do pó. (PEIXOTO, 2004 p.11).
Para observar a representação do Recife no documentário Recife de dentro pra fora, inspirado no poema O cão sem plumas, utilizamos a metodologia da análise fílmica segundo Francis Vanoye e Anne Goliot Lété (2006). Os autores sugerem que a análise seja guiada por um foco do pesquisador na descrição e interpretação de determinados aspectos do material fílmico (GOLIOT-LÉTÉ e VANOYE, 2006 p.75), e no presente artigo consideramos como essencial o estudo do espaço, som e da montagem em Recife de dentro pra fora. Justificamos a escolha de tais elementos posto que a análise aborde a representação do Recife, ou seja, o espaço desvendado no filme é fundamental para a pesquisa; consideramos também o som tendo em vista que a música tocada no documentário é o próprio poema O cão sem plumas cantado por Elba Ramalho e Geraldo Azevedo; e, finalmente, a montagem é importante de ser investigada já que o processo metafórico no poema de Cabral é comparável à justaposição de imagens no curta de Mesel.
As primeiras imagens do documentário Recife de dentro pra fora apresentam João Cabral falando sobre sua relação com o rio Capibaribe. O poeta destrói alguns mitos que circundam a sua biografia, pois muitos acreditam que ele teria tomado banho nas águas do rio, que ele descreve como sujo, mangue, esgoto, enfim, inadequado para o mergulho. João Cabral ressalta que escreveu O cão sem plumas quando estava em Barcelona, o que evidencia sua visão memorialística do Capibaribe e do Recife.
Os espaços são conspícuos à obra de Cabral. A cidade penetra sua lírica de tal forma, que, muito mais do que mero cenário, adquire um significado essencial em seus poemas. Inclusive as cidades como Olinda e Sevilha são frequentemente sexualizadas pelo poeta, que fala delas iguais fossem mulheres (SARAIVA, 2002 p.334). Uma das imagens do documentário Recife de dentro pra fora mostra o corpo de uma mulher remando uma embarcação sobre o Capibaribe enquanto a música apresenta o seguinte trecho de O cão sem plumas: “Sabia seguramente da mulher febril que habita as ostras”.
Apesar de a poesia extremamente urbana de João Cabral percorrer as mais diversas cidades do poeta e diplomata, as cidades mais marcantes em sua obra são Sevilha, na Espanha, e a capital pernambucana (SARAIVA, 2002 p.329). Ao passo que o Recife é representado como um lugar de vida difícil, dados os diversos problemas sociais de uma cidade do Terceiro Mundo, enquanto que Sevilha é tematizada como lugar de vida alegre e harmoniosa, destacando-se o fato de pertencer a um país do Primeiro Mundo (SARAIVA, 2002 p.332-333). Se O cão sem plumas adota a perspectiva da denúncia social explícita, isso não quer dizer que o poeta apresente uma visão univocamente pessimista a respeito da metrópole pernambucana, pois
Apesar de parecer um pouco insatisfeito com alguns resultados desastrosos que a modernidade trouxe para o Recife, o poeta não se opõe abertamente ao desenvolvimento, desde que as relações humanas permaneçam intactas. (PINHEIRO, 2009 p.9).
O poeta não quer que os habitantes das cidades percam aquele olhar intimista dos que passeiam pelas ruas em busca de aventuras e de belas paisagens. Se Georg Simmel (1979), em seu célebre ensaio A metrópole e a vida mental, afirma que as grandes cidades são caracterizadas por uma vida econômica, ocupacional e social bastante atribulada, e seus habitantes são fustigados por uma sensibilidade marcada pelo bombardeio de estímulos, o que acaba gerando em muitos citadinos um olhar blasé, ou seja, impessoal diante dos lugares e acontecimentos. O poeta João Cabral quer recuperar a perspectiva mais pessoal, mais íntima dos que residem nas metrópoles.
É esse olhar intimista do qual fala João Cabral que Kátia Mesel recupera através das imagens do documentário Recife de dentro pra fora. As imagens do Capibaribe são em grande parte elaboradas a partir do ponto de vista do rio (FIGUEIRÔA, 2000 P.112). Mais parece que o filme segue o movimento do rio, assim como em O cão sem plumas.
A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada (MELO NETO, 1985 p.44).
Assim como na poesia de João Cabral “a cidade exige deslocação – a pé, a cavalo, de carro e até de avião” (SARAIVA, 2002 p.6), o documentário de Mesel também é feito pela deslocação, produzida a partir da magia criadora do movimento de câmera, através dos travellings a partir do movimento do barco. A maioria dos movimentos de câmera do documentário são travellings laterais, que, segundo Marcel Martin (2003, p.48) têm geralmente um papel de descrição do espaço. Não obstante, em Recife de dentro pra fora e encontramos “o cinema como paisagismo” e encontramos, assim como em Godard, “uma arte da paisagem, não do espaço”, pois “paisagem tem alma” (PEIXOTO, p.43).
Segundo Nelson Brissac Peixoto (2004, p.25), num mundo em que as imagens midiáticas dominam a experiência sensorial e sobrecarregam a percepção com a visibilidade, “a literatura e a pintura perderam a paisagem”. Indo de encontro a essa tendência, o curta valoriza a dimensão literária, posto que o poema é cantado durante o filme, promovendo uma impureza da arte cinematográfica sendo contaminada pela literatura. No entanto, a poesia revela o que a descrição minuciosa tenta esconder – essa impossibilidade do esgotamento do real.
A poesia então nasceria da compreensão da incapacidade de as palavras darem conta da paisagem. Ela torna disponível à invasão das nuances, torna passível ao timbre: é a escrita da descrição impossível. Da mesma maneira, a metrópole. É um lugar desprovido de situação, não tem medida nem limites. Ela não tem interior, nem exterior, ali não se está dentro nem fora, tudo é estrangeiro e nada o é. (PEIXOTO, 2004 p. 37).
O modo como estrangeiro e familiar se confundem, como a vida no mangue e a metrópole se misturam é representado no documentário de Mesel. No filme, a imagem à distância dos grandes edifícios da cidade dá lugar à de um catador de caranguejo com os braços todos sujos de lama, como se ele mesmo fizesse parte da lama. O plano seguinte apresenta um caranguejo caminhando pelo mangue. Enquanto isso, são cantados os seguintes versos do poema
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem. (MELO NETO, 1985 p.49).
A junção do plano do catador de caranguejo com a imagem do caranguejo percorrendo o mangue diz ao espectador o mesmo que afirma Josué de Castro, segundo o qual no mangue tudo é caranguejo, inclusive o homem e a lama. Esse processo de comparação, que inclusive está presente no poema de Cabral, é recriado no documentário de Mesel através do artifício da montagem cinematográfica. A montagem em Recife de dentro pra fora constrói o espaço e também produz significados mais profundos. Encontramos então a montagem desempenhando duas funções semânticas: a produção do sentido denotado, ou seja, da representação do Capibaribe e da sua relação com a cidade do Recife, e ainda a produção de sentidos conotados, isto é, “casos em que a montagem relaciona dois elementos diferentes para produzir um efeito de causalidade, de paralelismo, de comparação” (AUMONT, 1995 p.68).
A montagem e a música se encontram numa sintonia ao modo clássico, pois, como afirma Jacques Aumont (1995, p.60), “o filme clássico tem a tendência a apresentar sua trilha sonora e sua trilha de imagem como consubstanciais”. A música desempenha em Recife de dentro pra fora um papel lírico. O curta não apresenta um sentido óbvio nas imagens e na sua relação com o poema, e a música é uma espécie de música ambientação, como definida por Marcel Martin (2003, p.26), ou seja, ela funciona como totalidade e não se limita a ser um pleonasmo da imagem. Nessa totalidade, poema e documentário confluem no mesmo sentido a respeito da cidade do Recife. Tomemos o plano em que ouvimos os seguintes versos de O cão sem plumas:
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor de rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água (MELO NETO, 1985 p.44).
Enquanto esses versos são cantados, vemos a imagem do esgoto desaguando no Rio Capibaribe. O rio da infância de João Cabral é bastante presente na temática do manguebeat, movimento musical com o qual o filme de Mesel dialoga, e ambos são preocupados com “a importância de preservar o estuário formado pelo encontro do rio Capibaribe com o mar” (ARAGÃO, 2006 p.54). O Capibaribe e os homens que habitam as suas margens são consubstanciais no poema. A vegetação negra é comparada ao homem negro e pobre que vive nas palafitas.
Abre-se em flores
Pobres e negras
Como negros
Abre-se numa flora
Suja e mais mendiga
Como são os mendigos negros.
Abre-se em mangues
De folhas duras e crespas
Como um negro.
A mesma comparação é produzida no documentário através da montagem: do plano da vegetação do mangue o filme conduz aos homens que moram nas palafitas na beira do Capibaribe. Esses homens são como cães sem plumas. Como diria Cabral, um cão sem plumas “é mais que um cão saqueado, é mais que um cão assassinado”. O cão sem plumas é o cão sem enfeite, sem nobreza, assim como os homens que vivem na miséria. E o filme termina com a imagem de um cão nadando a todo custo pelo rio Capibaribe.
“Como a vida que se luta cada dia, como a vida que se adquire cada dia”, dizia o poeta. Espesso como o real mais espesso. Ouvimos em Recife de dentro pra fora Elba Ramalho cantar “o que vive choca, tem dentes, arestas, é espesso”. Enquanto isso, a câmera percorre o rio Capibaribe com imagens em primeiro plano. Bem perto da sua vegetação, do fundo do rio, bem perto das flores da oferenda colocada no rio pelas mães de santo. A escolha estética do primeiro plano não é por acaso.
Entre o espetáculo e o espectador, nenhuma ribalta. Não contemplamos a vida, penetramo-la. Essa penetração permite todas as intimidades. Um rosto, sob a lupa, abre-se como a cauda do pavão, expõe sua geografia ardente... É o milagre da presença real,da vida manifesta, aberta como uma bela romã despida de sua casca, assimilável, bárbara. Teatro da pele. (EPSTEIN apud MARTIN, 2003 p.38).
4- Conclusão
Um olhar intimista diante das paisagens do Capibaribe. É essa perspectiva que Kátia Mesel e João Cabral trazem. Os lirismos do poeta e da cineasta nos levam para um olhar subjetivo sobre as contradições sociais da cidade do Recife. De dentro pra fora e de fora pra dentro, a direção do olhar é aquela que produz o encontro entre subjetividade e a realidade social.
A preocupação com a dialética entre desenvolvimento e miséria, progresso e natureza, temáticas bastantes presentes no movimento musical manguebeat, são o centro da representação do Recife em O cão sem plumas e Recife de dentro pra fora. A imagem de adolescentes pobres saltando da ponte para o rio Capibaribe em Recife de dentro pra fora enquanto um metrô, símbolo da metrópole, passa logo atrás deles, sintetiza essa contradição.
Se o poema de Cabral se conduz até os limites do sentido, ele revela o dilema da literatura de não conseguir dar conta da descrição das paisagens. É justamente por trabalhar com os limites da linguagem que a poesia expõe essa impossibilidade, ao passo que torna as descrições ainda mais enriquecedoras. De modo que o animismo das paisagens em Recife de dentro pra fora traz um novo olhar ao habitante da metrópole que havia perdido a capacidade de contemplar as paisagens. E essa contemplação, apesar de não ser pessimista, não deixa de ser extremamente crítica.
5- Referências bibliográficas
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AUMONT, Jacques e MARIE, Michel. Dicionário teórico e crítico de cinema. Campinas, São Paulo: Papirus, 2003.
BERNARDET, Jean-Claude. Cineastas e imagens do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
BOSI, Alfredo. Moderno e modernista na literatura brasileira. In: Céu, inferno: ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: editora 34. Coleção Espírito Crítico, 2° edição, 2003.
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FIGUEIRÔA, Alexandre. Cinema pernambucano: uma história em ciclos. Recife: Fundação de Cultura da cidade do Recife, 2000.
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GODOY, José Roberto Araújo. Dois cães como objeto: elementos surrealistas em João Cabral de Melo Neto. Aproximações com o cinema. Dissertação do mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8151/tde-09032010-102922/ Acesso em: 3 de abril de 2010.
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Trad. Paulo Neves; revisão técnica Sheila Schvartzman. – São Paulo: Brasiliense, 2003.
MELO NETO, João Cabral de, 1920 - 1999. O cão sem plumas. In: Os melhores poemas. São Paulo: Global, 1985.
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PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. -3° edição- São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
PINHEIRO, André. A cidade íntima – o olhar de João Cabral sobre a condição urbana. Revista Investigações, vol. 22, 2009. Disponível em: http://www.ufpe.br/pgletras/Investigacoes/Volumes/Vol.22.N1/Investigacoes-Vol22-N1-artigo02-Andre-Pinheiro.pdf Acesso em: 5 de abril de 2010.
SALDANHA, Gabriela Lopes. Geração árido movie: o cinema cosmopolita dos anos noventa em Pernambuco. Dissertação do mestrado em Multimeios da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Campinas, 2009. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000470271 Acesso em: 10 de março de 2010.
SARAIVA, Arnaldo. A cidade real e a cidade ideal na poesia de João Cabral de Melo Neto. Revista da Faculdade de Letras “Línguas e Literaturas”, vol. 19. Porto, 2002. Disponível em: http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4767.pdf Acesso em 5 de abril de 2010.
SIMMEL, G. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio Guilherme Velho (Org.). O fenômeno urbano. Trad. Sérgio Marques dos Reis. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
SOARES, Angélica. Gêneros literários. 7° Ed. São Paulo. Série Princípios. Editora Ática.
STALLONI, Yves. Os gêneros literários. Trad. Flávia Nascimento. – 2° Ed.- Rio de Janeiro: DIFEL, 2003. (Coleção Enfoques. Letras).
XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. 2.ed.rev. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Trad. Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus. 4° Ed. 2006.
Como um dia de domingo
Muita gente reclama que domingo é uma bosta. Dizem que é um dia devagar, não tem nada pra fazer, só morgação. A verdade é que eu acho o domingo fantástico justamente por isso.
Nos tempos em que eu trabalhava dia de sábado (ninguém merece), o domingo me parecia um dia ainda mais especial. Era o ÚNICO dia que eu tinha pra ficar sem fazer ABSOLUTAMENTE NADA. Eu acordava já pensando: que maravilha, que dia maravilhoso, que alegria, eu não vou trabalhar hoje!
Domingo é dia de dormir o dia todo, de ouvir música, de ver filme... Uma letargia muito interessante!
Nos tempos em que eu trabalhava dia de sábado (ninguém merece), o domingo me parecia um dia ainda mais especial. Era o ÚNICO dia que eu tinha pra ficar sem fazer ABSOLUTAMENTE NADA. Eu acordava já pensando: que maravilha, que dia maravilhoso, que alegria, eu não vou trabalhar hoje!
Domingo é dia de dormir o dia todo, de ouvir música, de ver filme... Uma letargia muito interessante!
sábado, maio 29, 2010
Os maiores gênios de todos os tempos
Apesar de a maior parte do tempo me comportar como ANTI-PAGA PAU, senti a necessidade em plena belíssima falta do que fazer no sábado (mentira,eu devia estudar), de elaborar uma lista com OS MAIORES GÊNIOS DE TODOS OS TEMPOS segundo eu mesma, claro...
E lá vai...
Thom Yorke - minha gente, podem passar séculos, mas eu, fã do Radiohead desde os 16 anos, não canso nunca de ouvir essa maravilhosa banda. E pra mim o grande gênio dela é o Thom Yorke. Sua voz é inconfundível, e ele e outros integrantes levaram o Radiohead a um experimentalismo que às vezes me assombra: eu não acredito que fizeram uma MÚSICA assim! Aguardo ansiosamente pelo próximo album e lamento não ter visto o show deles no Brasil. É um sonho que quem sabe um dia se torne realidade.
Chico Science - o cara foi um dos inventores do maravilhoso movimento manguebeat, que não se restringiu à esfera da música e chegou ao cinema em filmes como Baile perfumado, Maracatu, maracatus, entre outros. Indo além da dicotomia tradicional versus estrangeiro, o cara foi um nerd muito foda que misturou nerdice com rock and roll, o maracatu, às referências à cidade do Recife, e por aí vai.
Fernando Pessoa - ele criou o heterônimo Álvaro de Campos, que como ninguém compreende a minha alma. Vide Poema em linha reta e Passagem das horas. Versos marcantes: Nunca conheci ninguém que tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Almodóvar - Cores de tons avermelhados, bichas, personagens passionais, amores loucos, universo feminino. Eu só podia ser fã do cara mesmo.
João Cabral de Melo Neto - o poeta pernambucano que diz "não se deve escrever poesia sobre saudade ou emoção, mas sobre coisas concretas como um copo d'água", ao invés de ser frio e distante, ele termina por colocar emoção e saudade concretizadas num copo d'água. Sua linguagem se materializa nas coisas. "O amor comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome".
John Lennon - sim, ele é meu besourinho favorito. Os Beatles com certeza estão entre minhas três bandas favoritas, e John Lennon é fantástico também em sua carreira solo. Ele e Paul McCartney, por sinal, formam o melhor par perfeito de todos os tempos. As melhores músicas dos Beatles são frutos de parcerias dos dois.
Tarantino - um dia eu tive nojinho da violência de Tarantino. Hoje eu acho que o espetáculo que ele faz com a violência tem sempre uma crítica à própria violência por trás. Vide o final de Kill Bill 2 - a filha de Beatrix Kiddo vendo desenhos violentos -, o policial infiltrado que acaba levando um tiro de um mulher que usa a arma pra se defender em Cães de aluguel.. etc... Enfim, por essas e outras Tarantino é O CARA.
Kiarostami - esse diretor iraniano é simplesmente FODA. O cara fez uma puta mistura de documentário e ficção em Close up, filme que se envereda a respeito de discussões como o poder do cineasta, a relação de poder de um diretor e seu objeto, a legitimidade da fala dos entrevistados de um documentário, entre tantas questões. O debate que ele elabora sobre a morte e também a representação da morte é igualmente maravilhoso em O gosto da cereja e O vento nos levará.
E lá vai...
Thom Yorke - minha gente, podem passar séculos, mas eu, fã do Radiohead desde os 16 anos, não canso nunca de ouvir essa maravilhosa banda. E pra mim o grande gênio dela é o Thom Yorke. Sua voz é inconfundível, e ele e outros integrantes levaram o Radiohead a um experimentalismo que às vezes me assombra: eu não acredito que fizeram uma MÚSICA assim! Aguardo ansiosamente pelo próximo album e lamento não ter visto o show deles no Brasil. É um sonho que quem sabe um dia se torne realidade.
Chico Science - o cara foi um dos inventores do maravilhoso movimento manguebeat, que não se restringiu à esfera da música e chegou ao cinema em filmes como Baile perfumado, Maracatu, maracatus, entre outros. Indo além da dicotomia tradicional versus estrangeiro, o cara foi um nerd muito foda que misturou nerdice com rock and roll, o maracatu, às referências à cidade do Recife, e por aí vai.
Fernando Pessoa - ele criou o heterônimo Álvaro de Campos, que como ninguém compreende a minha alma. Vide Poema em linha reta e Passagem das horas. Versos marcantes: Nunca conheci ninguém que tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Almodóvar - Cores de tons avermelhados, bichas, personagens passionais, amores loucos, universo feminino. Eu só podia ser fã do cara mesmo.
João Cabral de Melo Neto - o poeta pernambucano que diz "não se deve escrever poesia sobre saudade ou emoção, mas sobre coisas concretas como um copo d'água", ao invés de ser frio e distante, ele termina por colocar emoção e saudade concretizadas num copo d'água. Sua linguagem se materializa nas coisas. "O amor comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome".
John Lennon - sim, ele é meu besourinho favorito. Os Beatles com certeza estão entre minhas três bandas favoritas, e John Lennon é fantástico também em sua carreira solo. Ele e Paul McCartney, por sinal, formam o melhor par perfeito de todos os tempos. As melhores músicas dos Beatles são frutos de parcerias dos dois.
Tarantino - um dia eu tive nojinho da violência de Tarantino. Hoje eu acho que o espetáculo que ele faz com a violência tem sempre uma crítica à própria violência por trás. Vide o final de Kill Bill 2 - a filha de Beatrix Kiddo vendo desenhos violentos -, o policial infiltrado que acaba levando um tiro de um mulher que usa a arma pra se defender em Cães de aluguel.. etc... Enfim, por essas e outras Tarantino é O CARA.
Kiarostami - esse diretor iraniano é simplesmente FODA. O cara fez uma puta mistura de documentário e ficção em Close up, filme que se envereda a respeito de discussões como o poder do cineasta, a relação de poder de um diretor e seu objeto, a legitimidade da fala dos entrevistados de um documentário, entre tantas questões. O debate que ele elabora sobre a morte e também a representação da morte é igualmente maravilhoso em O gosto da cereja e O vento nos levará.
Meu currículo tá na rede
Ontem numa palestra uma ex-professora minha afirmou que quando recebe currículo de alguém, a primeira coisa que ela vai olhar são as páginas pessoais dessa pessoa na internet. Isso me encucou. Afinal, apesar de às vezes escrever textos mais sérios, geralmente eu uso a internet pra falar abobrinha, pra descontrair, pra descansar das minhas atividades do dia a dia.
Não economizo palavrões nem sarcasmos politicamente incorretos. Aí a pessoa vai lá e vê tudo isso e, é claro, não me leva a sério. Nem por isso deixo de me comprometer com minhas atividades e etc.
A verdade é que tudo isso me lembra a seleção da Vale do Rio Doce. Lá eles perguntaram até como era a relação com a minha mãe. Uma psicóloga da organização me questionou se eu bebia e, depois que eu afirmei que bebo sim aos fins de semana, ela fez uma cara de reprovação.
Algumas instituições podem fazer bom uso dessa história de olhar perfis, blogs e etc, mas outras certamente são babacas. Uma entrevista como essa da Vale é idiota. A psicóloga contratada por eles mais idiota ainda. Tudo uma hipocrisia sem tamanho. Então só trabalha na Vale quem não bebe, não fuma? Eles só contratam straight edge? O fato de eu ir ao bar com meus amigos faz de mim uma pessoa INCOMPETENTE? Sem compromisso com meu trabalho?
Parece que as instituições querem encontrar as pessoas perfeitas de currículos perfeitos para trabalharem em suas empresas. Mas sinto muito, meus senhores, isso não existe não.
Não economizo palavrões nem sarcasmos politicamente incorretos. Aí a pessoa vai lá e vê tudo isso e, é claro, não me leva a sério. Nem por isso deixo de me comprometer com minhas atividades e etc.
A verdade é que tudo isso me lembra a seleção da Vale do Rio Doce. Lá eles perguntaram até como era a relação com a minha mãe. Uma psicóloga da organização me questionou se eu bebia e, depois que eu afirmei que bebo sim aos fins de semana, ela fez uma cara de reprovação.
Algumas instituições podem fazer bom uso dessa história de olhar perfis, blogs e etc, mas outras certamente são babacas. Uma entrevista como essa da Vale é idiota. A psicóloga contratada por eles mais idiota ainda. Tudo uma hipocrisia sem tamanho. Então só trabalha na Vale quem não bebe, não fuma? Eles só contratam straight edge? O fato de eu ir ao bar com meus amigos faz de mim uma pessoa INCOMPETENTE? Sem compromisso com meu trabalho?
Parece que as instituições querem encontrar as pessoas perfeitas de currículos perfeitos para trabalharem em suas empresas. Mas sinto muito, meus senhores, isso não existe não.
Um dia desse eu fiquei irritada com um menino porque ele disse "não sou positivista, e sim pessimista", o que me fez chegar à conclusão de que ele não fez Sociologia I na universidade. Só que isso me decepcionou tanto que me fez refletir sobre minhas exigências em relação aos homens nos últimos tempos. E acho que ultimamente eu cobro muito mais de um cara.
Será a idade? Estou no meio tempo entre os 20 e os 30, qualquer dia desse viro uma balzaquiana. Acredito que me tornei um tanto quanto intolerante à baboseiras em geral.
Será a idade? Estou no meio tempo entre os 20 e os 30, qualquer dia desse viro uma balzaquiana. Acredito que me tornei um tanto quanto intolerante à baboseiras em geral.
140 caracteres
O twitter e o trabalho prejudicaram meu blog. Explico. É que eu trabalho com escrita e ainda tenho que estudar, então só de pensar em escrever além de tudo isso, eu sinto uma enorme e avassaladora preguiça. Aí inventaram o twitter. Apenas 140 caracteres, mensagem rápida, direta, blá blá blá. Podem alguns fazerem bom uso do twitter, mas a verdade é que o utilizo porque tenho preguiça de escrever um texto de verdade além do que devo escrever no trabalho, ou estudando...
segunda-feira, maio 24, 2010
Eu queria acender um cigarro e desejo muito também que o cigarro acabe com meu sentimentalismo barato. Esse sentimentalismo que me fez não-sentimental. O sentimentalismo - maldita palavra repetida- que se afasta do que está a sua frente e se aproxima em vão do que sequer existe.
Eu ainda vou devorar a minha própria carne só pra ter certeza que existo. Se Descartes disse "Penso, logo, existo", eu existo porque meu corpo pulsa em mim...
Eu ainda vou devorar a minha própria carne só pra ter certeza que existo. Se Descartes disse "Penso, logo, existo", eu existo porque meu corpo pulsa em mim...
quarta-feira, maio 12, 2010
Carlos
Carlos é um homem cuidadoso. Se eu tivesse que descrevê-lo em apenas uma palavra seria essa, cuidadoso. O meu amor por ele foi construído pelo tempo. Um amor terno, consciente, digno, delicado. Eu nunca passaria uma noite em claro, nem teria dores vertiginosas por ele. Jamais deixaria o meu amor próprio como prova de amor, pois Carlos não me faria perder o respeito que tenho por mim mesma. Ele me ama tanto, que até passei a me amar um pouco mais. Não obstante, o seu amor foi trabalhado na justa medida, pois não me tornei uma mulher que precisa do seu companheiro para amar a si mesma, mas, pelo contrário, descobri que nem ao menos necessito dele para ser feliz. A sua forma de amar é a mais bonita que já conheci justamente por isso: porque descobri que não preciso dele para ser feliz.
Quando conheci Carlos, eu estava, não diria amarga, porém racional o bastante para não me entorpecer, pois amar é, muito mais que uma entrega, também uma regressão à infância. Redescobrimos os deuses. Ser criança é ter um deus para cada palavra nova, cada sensação, um inebriar-se com o mundo novo a ser desbravado. Mas quando eu encontrei Carlos já era adulta demais. Hoje sei que o seu amor é para mim, em grande parte, o amor de um pai.
Carlos, desde sempre, ofereceu-se para tomar conta de mim. Ele não procurava alguém para aliviar a sua própria dor, mas sim alguém que necessitasse dos seus cuidados. E eu precisava de um anjo, embora não admitisse. Havia coisas demais guardadas dentro de mim, escondidas, soterradas para que ninguém, nem eu mesma visse. Mas Carlos não as trouxe à tona, para que eu arregalasse os olhos diante da minha prórpia desgraça. Ele apenas me colocou diante do espelho e me fez ver que eu era apenas aquilo que eu acreditasse que era. Nada em minha substância me tornava alguém ruim, ao contrário do que eu achava. Nada no mundo conspirava contra meus intentos. A minha história não era a história dos deuses, mas era feita com meus braços, e um pouco de acaso, sim.
E grande parte disso tudo eu devo a Carlos, homem que me incentivou a andar com minhas próprias pernas. Sei que o princípio do meu amor por Carlos foi o amor que ele dedicou a mim. Via nos seus pequenos gestos que ele me amava tanto, que a partir de então resolvi a ele corresponder. Havia felicidade no seu amor. Era como se eu pudesse me tornar muito mais feliz só por amar; concluia ao deparar-me com seu deslumbre por me ver surgir no horizonte dos seus olhos e tomando conta do seu mundo. Eu queria um pouco daquela alegria também, e percebi que para senti-la bastava me permitir ser amada. O ato de ser amada exigia alguma dedicação minha, um empenho no sentido de tornar-me um objeto de desejo terminava por me envolver no amor. Eu havia determinado uma condição: que só me entregaria, que só amaria novamente um homem depois que ele já me amasse. Essa suposta regra havia sido estabelecida sem aviso prévio, sem carta assinada, sem protocolo, um apelo antes inconsciente, agora sei. É que eu não acreditava em homens que não se encantassem por mim. Não acreditava, entenda-se: diferente de desconfiar, análogo a não comover-se. Era profundamente desinteressante, dava-me vontade de inventar qualquer desculpa para ir mais cedo para casa. Tal tédio que eu sentia por quem não se admirava com os meus pequenos detalhes, eu não consigo explicar. Não sei ainda se era por defesa ou pura vaidade.
Quando conheci Carlos, eu estava, não diria amarga, porém racional o bastante para não me entorpecer, pois amar é, muito mais que uma entrega, também uma regressão à infância. Redescobrimos os deuses. Ser criança é ter um deus para cada palavra nova, cada sensação, um inebriar-se com o mundo novo a ser desbravado. Mas quando eu encontrei Carlos já era adulta demais. Hoje sei que o seu amor é para mim, em grande parte, o amor de um pai.
Carlos, desde sempre, ofereceu-se para tomar conta de mim. Ele não procurava alguém para aliviar a sua própria dor, mas sim alguém que necessitasse dos seus cuidados. E eu precisava de um anjo, embora não admitisse. Havia coisas demais guardadas dentro de mim, escondidas, soterradas para que ninguém, nem eu mesma visse. Mas Carlos não as trouxe à tona, para que eu arregalasse os olhos diante da minha prórpia desgraça. Ele apenas me colocou diante do espelho e me fez ver que eu era apenas aquilo que eu acreditasse que era. Nada em minha substância me tornava alguém ruim, ao contrário do que eu achava. Nada no mundo conspirava contra meus intentos. A minha história não era a história dos deuses, mas era feita com meus braços, e um pouco de acaso, sim.
E grande parte disso tudo eu devo a Carlos, homem que me incentivou a andar com minhas próprias pernas. Sei que o princípio do meu amor por Carlos foi o amor que ele dedicou a mim. Via nos seus pequenos gestos que ele me amava tanto, que a partir de então resolvi a ele corresponder. Havia felicidade no seu amor. Era como se eu pudesse me tornar muito mais feliz só por amar; concluia ao deparar-me com seu deslumbre por me ver surgir no horizonte dos seus olhos e tomando conta do seu mundo. Eu queria um pouco daquela alegria também, e percebi que para senti-la bastava me permitir ser amada. O ato de ser amada exigia alguma dedicação minha, um empenho no sentido de tornar-me um objeto de desejo terminava por me envolver no amor. Eu havia determinado uma condição: que só me entregaria, que só amaria novamente um homem depois que ele já me amasse. Essa suposta regra havia sido estabelecida sem aviso prévio, sem carta assinada, sem protocolo, um apelo antes inconsciente, agora sei. É que eu não acreditava em homens que não se encantassem por mim. Não acreditava, entenda-se: diferente de desconfiar, análogo a não comover-se. Era profundamente desinteressante, dava-me vontade de inventar qualquer desculpa para ir mais cedo para casa. Tal tédio que eu sentia por quem não se admirava com os meus pequenos detalhes, eu não consigo explicar. Não sei ainda se era por defesa ou pura vaidade.
domingo, maio 09, 2010
Criação cristã
Engraçado como cristãos dizem que perdoam, mas contam com o castigo de deus.
Não querem sujar as próprias mãos com a vingança e entregam tudo nas mãos divinas?
Não querem sujar as próprias mãos com a vingança e entregam tudo nas mãos divinas?
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