quinta-feira, abril 23, 2009
Levando pro lado pessoal
Essa semana revi O poderoso chefão - parte I (1972), de Francis Ford Coppola, e, entre as váaarias cenas que me fizeram vibrar estava a que Michael Corleone pede permissão aos irmãos para matar o coronel McCuskley, que havia deixado o hospital vazio com o objetivo de facilitar a morte do pai de Michael, o mafioso Vito Corleone, e Michael afirma ainda que também gostaria de eliminar Sollozo, que estava doido pra levar Vito à cova depois de ele ter lhe negado apoio junto aos políticos corruptos para serem cúmplices do seu novo negócio, o tráfico de drogas. Após Michael explicar o seu plano, Sonny zomba de Michael dizendo que o irmão sempre havia se mantido afastado dos negócios da família e agora simplesmente queria tomar as rédeas da situação com mãos de ferro, e acusa Michael de estar levando para o lado pessoal os negócios após ter recebido um murro do coronel. Então Michael arruma uma justificativa para o assassinato de Sollozzo e McCuskley dizendo que a família poderia recorrer aos jornalistas que tinha no bolso, pois daria uma ótima manchete a morte de um policial corrupto como McCuskley. Daí é que ele vira pro Sonny e fala:
- You see, Sonny, that's not personal. This is business.
Cara, muito boa essa cena. Isso me faz lembrar do quanto é cretina a afirmação de que podemos não levar para o lado pessoal. Bullshit! Nas discussões acadêmicas sobre objetividade jornalística, eu via professores com posições contrárias simplesmente se odiarem por causa de ideologias diferentes. Fora o pessoal pró-aula versus Movimento Estudantil na UFS que viviam se digladiando não só em discussões políticas, como também se estranhando nos corredores da universidade. Na jogatina de mesa de bar, os jogadores uma hora ou outra se estranham pelo fato de estarem perdendo dinheiro. Nunca vi adversários políticos se amarem - a não ser quando convém para a campanha.
Enfim, negócios são negócios. E não são nada impessoais.
segunda-feira, abril 13, 2009
Depois de ver o sofrimento de minha avó diante de tantas lembranças dispersas em papéis avulsos sobre o chão, poesias, fotos, cartas, e a saudade que ela tinha do meu avô como sentimento onipresente, sentido do mundo talvez. Ela dizia que podia estar ali conversando com a gente, mas seu pensamento estava sempre nele. Ela o via em algum canto da casa, sentia sua presença romper os limites do mundo. Vovó, que cuidou durante quatro anos do meu avô, que deu banho, limpou suas feridas... Que acordou e dormiu com ele por 55 anos de sua vida. Que tomou surra do pai pelo preconceito contra a cor. Que descobriu o amor que a gente constrói a cada dia, que fica firme aos trancos e barrancos da imperfeição ou mesmo do tédio às vezes, mas que se renova a cada dia passado juntos, numa afirmação de que a vida não é fácil nem tão grandiosa, mas é gostosa no aconchego da intimidade e do tempo difuso do passar dos dias. Na saúde e na doença, muito mais do que promessa na frente do altar.
Nessas horas, penso que acredito no amor.
Nessas horas, penso que acredito no amor.
domingo, abril 05, 2009
Última Parada 174
Última Parada 174 (2008), de Bruno Barreto, conta uma história que todo mundo já conhece. Entretanto, o filme não busca ser fiel à realidade, apesar de logo no início nos lembrar que se trata de uma história baseada em fatos reais. Não haveria problema em não apresentar uma pretensa objetividade (há problemas bem maiores em querer abarcar o real em sua totalidade), caso a maneira como a história de Sandro Nascimento é contada não chegasse a ser canalha, devido à delicadeza do tema e a forma tola como o personagem é abordado.
O Sandro Nascimento do documentário Ônibus 174 (2002), de José Padilha, é um homem que é arrastado à violência através da violência. Ele vê a mãe ser esfaqueada aos sete anos, ele é sobrevivente da chacina da Candelária, ele passou pela FEBEM até chegar ao sistema prisional, onde conheceu nas entranhas a árdua justiça punitiva da sociedade. Há uma diferença primordial entre o Sandro de Ônibus 174 e o Sandro de Última parada – o primeiro é um produto da violência e das injustiças sociais, enquanto o segundo não passa de um desviado.
O Sandro de Última Parada chegou a ser internado no reformatório, mas nunca foi para a cadeia. O Sandro de Última Parada não assistiu à morte da mãe, pois quando ele chegou, ela já estava caída ao chão. O Sandro de Última Parada não tem vida própria - ele é sempre visto a partir de um olhar de pena. Vale lembrar de outro filme do cinema nacional que abordou a realidade dos “meninos de rua”, Pixote – a lei do mais fraco (1981), de Hector Babenco. Uma das qualidades que faz do filme de Babenco uma obra-prima é o fato de os seus personagens, especialmente Pixote, serem sujeitos com vontades e histórias suas. Eles não estão ali como coitadinhos ou meninos perturbados que precisam de ajuda, justamente a representação que Última Parada termina oferecendo.
Ainda em comparação a Ônibus 174, a ficção deixou totalmente de lado o que o documentário abordou com ênfase – o desejo de visibilidade de Sandro levado até as últimas conseqüências e o espetáculo midiático que terminou criando um monstro. O mérito do documentário de Padilha foi ter ressaltado em seu filme a maneira como a encenação que Sandro fez para as câmeras era uma revolta diante da sua invisibilidade social. O ponto fraco do documentário de Padilha está no fato de o parentesco com o jornalismo ter deixado tal relação ser elaborada numa forma muito simplificada – por exemplo, ele simplesmente pega imagens de meninos de rua ignorados pelos motoristas no sinal e insere a narração em off de um especialista, numa espécie de pleonasmo em que a fala repete o que já está presente na imagem. Já a ficção de Bruno Barreto deixa a canalhice da mídia de lado e pouco aborda a problemática questão da sociedade do espetáculo.
Nas cenas da ficção que representam o seqüestro do ônibus surge uma figura inusitada – no lugar do policial do BOPE que faz negociações com Sandro está André Ramiro, que interpretou Matias em Tropa de Elite (2007), de José Padilha, mesmo diretor de Ônibus 174. Coincidentemente, André Ramiro tem semelhanças físicas com o policial que conversou com Sandro e que deu entrevista para Ônibus 174. Não por acaso o personagem Matias, que é o policial mais bem comportado de Tropa de Elite, assume em Última Parada o papel de um policial que queria apenas reconciliar conflitos e receber Sandro de braços abertos. Ramiro, assim como em Tropa de Elite, interpreta um personagem que acaba ficando revoltado – só que em Última Parada ele se senta frustrado de cabeça baixa na rua, enquanto em Tropa de Elite ele atira na cara do espectador no último plano do filme.
Em Ônibus 174, Sandro Nascimento avacalha porque “não tem ninguém”, “não tem nada a perder”, e não quer voltar de maneira alguma para a prisão depois de ter conhecido o gostinho do inferno. Em Última Parada a prisão sequer existe – ela foi apagada da história de Sandro. O Sandro de Ônibus 174 está só e cercado por todos os lados. Já em Última Parada, a salvação está a sua espera, com a moça da ONG e a mulher que acredita que é sua mãe esperando-o aflitas logo ali perto do ônibus. Sandro não se redimiu, ao contrário da mulher que acredita que é sua mãe, e que de viciada em drogas passou a evangélica. O Cristo Redentor, que surge em planos do filme sobre a cidade do Rio de Janeiro, poderia ser uma representação dessa salvação mítica (seja numa ONG ou num lar) que terminou por não ser encontrada.
Ele termina sendo vítima trágica de um policial que de maneira impensada contribuiu para a morte dele e de sua refém, e inclusive esse momento apresenta decupagem da ficção semelhante à do documentário, com o uso de câmera lenta. E é aí onde tanto a ficção quanto o documentário sobre o evento do 174 trazem representações problemáticas na medida em que espetacularizam também o acontecimento que “fascinou” os brasileiros na frente da TV.
A narrativa de Última Parada 174, onde nenhuma cena tem uma beleza em si, mas apenas está ali para adiantar o andamento da história, onde os personagens à margem não têm vida própria, mas estão sempre sob o olhar de quem dá esmola na porta da igreja. Pra terminar, é claro que não podia faltar um happy end. Marisa, a mulher que na ficção acreditava ser mãe de Sandro, acaba encontrando seu verdadeiro filho pelas mãos do destino no enterro do falso filho que havia morrido no trágico episódio da linha 174.
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