terça-feira, maio 27, 2008

É um olhar para baixo que eu nasci tendo...

Costumo falar que sou uma apaixonada por aquilo que é simples. Crônicas como as de Vinicius de Moraes, contos como os de Dalton Trevisan, poemas como os de Paulo Leminski são evidentes: eles mostram mais do que dizem propriamente. Os filmes de Eric Rohmer apresentam a banalidade de forma bela, porque a banalidade em Rohmer tem uma beleza própria - ela aguça nossos sentidos para a beleza do cotidiano e a poesia que foge ao nosso olhar.

Não filmes de grandes acontecimentos ou temas solenes - mas filmes que poderiam ter acontecido nas ruas da cidade, como Ladrões de Bicicleta, de Vittorio de Sica. Não poemas repletos de palavras ausentes dos nossos jogos de linguagem do dia-a-dia. Assim como Manuel Bandeira, eu quero o lirismo dos loucos, o lirismo dos bêbados, o lirismo difícil e pungente dos bêbados, pois não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Pois entendo o que Manoel de Barros disse, e as pessoas parecidas de abandono me comovem tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.

Esses artistas do ordinário evocam a alma das coisas. Qualquer toque, adeus, cumprimento, palavra adiquire uma vida poética. Para eles, não é necessário ir muito além da ilusão, do espetáculo, pois a realidade já oferece o substrato da poesia. O que não quer dizer que eles pretendam alcançar o real numa pretensa objetividade - antes tocam a realidade, sentem-na, e fazem-na se roçar na nossa pele.

Ao entrar em contato com a beleza proporcionada por esses artistas, percebo que a vida em si já é uma grande fantasia, que vivemos inventando o cotidiano. Quero inventar, porque tudo que não invento é falso, já dizia Manoel de Barros. Tudo o que não é imaginação não faz sentido - da janela eu invento as imagens que ganham alma diante do olhar poético.

Tudo que não invento é falso porque as palavras protocoladas, o verso burocrático ou o relato jornalísitico comum não me servem - não pretendo encontrar o último sentido, não desejo encerrar o processo de significação em alguma verdade postulada numa bíblia dos acontecimentos. Também renego o espetáculo que nos provoca evasão - não almejo fugir da realidade, mas poetizá-la, com toda a força que o verbo poetizar tem. Quero inventar, e posso inventar com a dor da criança que passa fome na frente da padaria, com a contemplação da vizinha idosa que fuma um cigarro de manhã cedo, com a felicidade do rapaz que sorriu ao receber uma carta entregue pelas mãos cansadas do porteiro do condomínio.

3 comentários:

Anônimo disse...

Por isso mesmo que não gosto de muitas firulas. Creio que as coisas são simples demais pra gente ficar complicando tudo.

Mas acredito que a subjetividade de alguma coisa, atraia mais que o que é escraxado. Um exemplo simples disso é uma pessoa querendo ficar com outra. Se essa uma já mostra todas as suas facetas, a outra se desempolga, pois acha que não tem mais o que descobrir.

Só que eu continuo gostando das coisas as quais não preciso dar arrodeios para saber que podem ser minhas. Seja com poesia ou com o mundo.

Eder C Malta Souza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
e.m. disse...

Humm.. adorei o comentário acima, e concordo muito com ela. Sem arrodeios. É só aprender a apreciar aquilo que se apresenta como tal.

Coisas bobas tornam a vida melhor. Quando saio de uma aula teórica pesada só penso em andar pelas ruas da cidade flanando, olhando "as coisas" bobamente.

Também quando estou com amigos em casa e fico mostrando as bobagens que escrevia qdo guri, as comunidades tocas do orkut e falando todo tipo de besteira possível.

Sei lá, qto mais bobo mais bobo!! haha