sábado, junho 23, 2007

Tenho muitas feridas
que não sei se serão curadas
porque se por uma lado meu amor insiste em te perdoar e me perdoar
e permanecer do seu lado
minha memória brinca com o presente
retorna ao passado
e tudo que foi perdoado não deixa de ser uma lembrança triste e sutil
que às vezes se transforma num medo ou numa ira infundada

Não sei se devo partir
Não quero voltar de novo
Mas a decisão de só partir pra nunca mais voltar
Mantém-me estática sem saber dos meus passos aonde vão dar

Sei que já me basta a incerteza
Sei que você diz que gosta de mim
Mas também gosto de cerejas

Posso dizer que te amo um dia
Mesmo sabendo que dirá que gosta de mim
Mas você também gosta de caminhar na praia de manhã cedo

Não tiro aqui o valor do aconchego e do ar de saudade da praia de manhã cedo
Se você gosta de mim assim
Como gosta de caminhar e sentir o vento da praia de manhã cedo
Sei que gosta bastante
Talvez eu é que esteja pedindo demais

Afinal, em algum lugar alguém disse
Que uns amam
e outros se contentam em ser amados.

quinta-feira, junho 14, 2007

Amor de cada um

o que era pra ser um post virou um texto...


ok. talvez eu leve essa enquete pra um lado sério, o que eu acredito que não seja objetivo tanto da enquete, como de toda a comunidade.

mas o lance é que existem duas idealizações que descarto completamente (e não descarto aqui nem relacionamento monogâmico, nem poligâmico, pois acredito serem ambos legítimos).

temos a idealização da monogamia. aquela idéia de que existe uma alma gêmea designada por Deus perdida no mundo esperando por você. sua alma gêmea vai te completar, vai preencher sua vida de felicidade, e vocês serão felizes para sempre.

por outro lado, temos também a idealização do amor livre. você poderá se relacionar com várias pessoas, amará todas igualmente, terá uma relação profunda com todas, e irá romper com sentimentos como ciúme e insegurança para ter um amor mais feliz.

só que quando voltamos à realidade...

vemos que essa tal alma gêmea do amor romântico não existe. percebemos que no mundo existem muitas e muitas pessoas compatíveis conosco.

e, novamente, quando regressamos à realidade, nos damos conta de que temos preferidos, e que não podemos ter intimidade com muita gente.

resta saber o que acontece com aqueles que acham que terão um amor plenamente feliz pra vida toda, resta saber o que vai acontecer com aqueles que se deparam com a realidade de que a paixão se desvanece com o passar do tempo, e que querem estar apaixonados eternamente.

resta saber também o que acontecerá com aqueles que têm preferidos, e que os outros terminam por ser os outros, e o que acontecerá com esses que são a segunda, a terceira opção.

resta saber o que acontecerá com aqueles que, muitas vezes, têm medo de cair de cabeça numa relação e se envolvem em múltiplos relacionamentos superficiais e descartáveis. porque se por um lado o amor livre é contra a tal falada posse do capitalismo, é contra o patriarcalismo, a propriedade sobre o parceiro, agora vemos relacionamentos adaptados à sociedade de consumo em que vivemos: rápidos, descartáveis, fast-food, assim como muitos produtos que consumimos.

relacionamentos monogâmicos dão certo? bem, minha avó mal brigava com meu avô, e eles se separaram quando meu avô faleceu.
Já Sartre e Beauvoir tinham um relacionamento aberto que durou 50 anos em que ambos tiveram amores com pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto.

cada um tem seu jeito de ser feliz. acredito que o acerto está em descobrir qual o seu jeito de ser feliz (e ser feliz não implica se isentar da dor).
o relacionamento aberto não é mais nobre porque as pessoas que os compõe são mais seguras. assim como o relacionamento fechado não é substancialmente melhor porque significa que "nele sim as pessoas se amam de verdade, pois quem ama só quer a pessoa que ama e acabou".

descobrir o que quer e ser honesto consigo mesmo e com a pessoa que está ao seu lado. honesto no sentido de ter uma relação aberta porque acredita nela e porque ama seu (a) parceiro(a), e não porque não se apaixonou. ser honesto no sentido de se envolver num relacionamento fechado e não trair a CONFIANÇA da pessoa.

no mais, não gosto do termo "amor livre" sendo aplicado somente a relacionamentos abertos. quem disse que o amor monogâmico é preso? se você tem uma namorada que não te enche o saco perguntando onde você está, se você preserva sua individualidade, sai com seus amigos, vive a sua vida, se você tem uma relação de amor e não de dependência com ela, quem disse que você está preso?

pra mim amor livre é amar e respeitar o outro. é reconhecer no outro seu direito de ir e vir, é aprender coisas novas e legais, e ensinar coisas novas e legais ao seu amor. é crescer juntos! é superar as dificuldades! é entender que existe a imperfeição! é melhorar a si mesmo e ajudar o outro a melhorar sempre!

isso pra mim é amor livre.

segunda-feira, junho 11, 2007

Quantas e quantas pessoas não querem mais saber de relacionamento, porque dá muito trabalho, porque já se feriu demais e quer ficar só. Mas eu ainda acho que somos responsáveis pelo amor, que o amor é o que a gente faz dele. Se alguns relacionamentos são infelizes, não é porque é condição inerente do amor ser assim. Na verdade, talvez nem tenha amado de tanto medo que tivera.
A verdadeira viagem de descobrimento não consiste em buscar novas paisagens, mas em ter novos olhos.

Marcel Proust

sexta-feira, junho 08, 2007

Minha terceira perna

Não tem sensação pior no mundo do que a de estar confusa. Não mesmo. Certamente você pode fazer a pior escolha possível, e você não se conhece o bastante. Não me agrada a idéia de eu não ter controle sobre mim, de não conhecer cada pensamento conscientemente e embasada nas minhas experiências da infância, nos exemplos dos meus pais, e mimimi à la Freud. Nada disso.

O que eu quero? Não faço a mínima idéia! Sei que quero alguma coisa e quero-a já! Talvez a coisa que eu mais quero é ter controle sobre isso tudo, é conhecer pelo menos a mim, oras! Mas muitas vezes de tanto querer chegar a uma decisão concreta, a gente acaba se ajeitando numa forma que não nos serve.

quarta-feira, junho 06, 2007

Estava hoje tendo aquela típica conversa de divã com uma amiga minha (eu sei que você já teve também, nem venha), quando ela me disse a seguinte frase, que ela viu em algum filme do qual não recorda o nome:

"Que Deus me dê a coragem de mudar as coisas que eu posso controlar e para aceitar as que eu não posso. E principalmente, que me dê a sabedoria pra diferenciar as duas".

Sartre e Beauvoir


Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir viveram um relacionamento pouco convencional que durou 50 anos. É um dos casais mais célebres da História. É impossível falar de um e não mencionar o outro. A paixão pela filosofia e pela literatura os uniu. Eles desafiaram a moral do seu tempo, vivendo muitos amores, assumindo compromissos públicos na contramão da mentalidade dominante em sua época. Foram reverenciados, mas também criticados e odiados. E escreveram livros que se transformaram em obras-primas. Na recém-lançada biografia Tête-à-Tête, da editora Objetiva, a escritora inglesa Hazel Rowley narra a agitada vida privada do casal existencialista, desde os seus primeiros encontros, em 1929, até a morte de ambos – ele em 1980, ela em 1986.

Foi na Austrália, entre o fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, que Hazel teve contato com as idéias de Simone de Beauvoir. Ela chegou a entrevistar a escritora em 1976, em Paris, quando preparava sua tese de doutorado sobre Beauvoir e o existencialismo. O encontro foi intimidante, segundo Hazel. Afinal, ela estava diante de uma mulher que admirava por causa de sua relação de liberdade e estímulo intelectual com Sartre. E que muito havia contribuído para o desnudamento da condição feminina com ensaios como O Segundo Sexo, um de seus mais famosos.

Mas, apesar de brilhantes, Sartre e Beauvoir eram “estranhamente inseguros”, explica Hazel Rowley, e sempre se sentiam agradecidos às pessoas que os amavam. A despeito da feiúra notória, Sartre era um grande sedutor. E não foram poucas as mulheres que ele amou e abandonou, embora algumas ele continuasse sustentando financeiramente, numa atitude tipicamente machista. Um machismo, porém, que ele jamais manifestou com Simone de Beauvoir, afirma Hazel Rowley.

A notável cumplicidade do casal permitia que dividissem não somente interesses e preocupações, mas também amantes. E essa liberdade era exercida mediante um pacto incomum: eles contavam tudo um para o outro. Bonita, ícone do feminismo, Beauvoir era igualmente uma sedutora e teve muitos amantes homens, mas também se envolveu com mulheres, fato que ela sempre negou e que só se tornou público após a sua morte, com a divulgação de suas cartas.

Hazel Rowley lecionou na Universidade de Iowa, Estados Unidos, e na Deakin University, Austrália, e é autora dos livros Richard Wright: The Life and Times e Christina Stead: A Biography. Para escrever o duplo retrato de Sartre e Beauvoir, ela realizou entrevistas originais e pesquisou centenas de cartas inéditas. “Nunca gostei tanto de ter escrito um livro“, disse nesta entrevista concedida por e-mail de Nova York, onde mora.


Por que a senhora decidiu contar a história de Sartre e Beauvoir e focá-la no relacionamento do casal?

Estudei francês no Sul da Austrália no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Era o momento em que o movimento feminista estava no auge. Eu havia lido as memórias de Simone de Beauvoir e algumas de suas entrevistas, e fiquei muito inspirada. Ela parecia uma mulher realmente independente, e eu também queria viver daquela maneira. Eu gostava da idéia da relação livre, intelectualmente estimulante e mutuamente encorajadora que ela mantinha com Jean-Paul Sartre. Admirava o interesse deles pelas pessoas e pelo mundo, sua capacidade para trabalhar bastante, seu papel como intelectuais públicos e seu engajamento político. Tempos depois, já na meia idade, quis de repente examinar de novo aquela relação, e com mais objetividade. Era uma relação realmente admirável ou não? Beauvoir havia idealizado e representado em suas memórias? Eu queria conversar com os amantes e amigos do casal, para ver o que eles teriam a dizer.


Eles foram o casal mais famoso do Século 20?

Acho que sim. Eles ficaram famosos depois da Segunda Guerra Mundial, em outubro de 1945. Todos, no mundo inteiro, falavam dessa nova loucura, o “ existencialismo ” (mesmo que raramente entendessem o que isso significava). Sartre ficou famoso, e por algum tempo Beauvoir tornou-se famosa por causa dele. Mas depois ela adquiriu fama por seus próprios méritos, com a publicação do seu livro O Segundo Sexo, em 1949. Eles eram figuras muito controvertidas, de esquerda, e com sua literatura desafiaram as convenções sociais. Por isso muitos os odiavam. O Segundo Sexo foi considerado por muitos um livro chocante, o que levou Beauvoir a receber muitas cartas de ódio. Ela e Sartre se manifestaram contra a Guerra da Argélia (e contra o colonialismo em geral). Na França, durante os anos 1950 e início dos anos 1960, eles foram amplamente desprezados por essa posição.


Como ocorreu o seu encontro com Simone de Beauvoir? Como se sentiu ao estar diante da mulher que a inspirou?

Muito intimidada! Ela falava com muita rapidez – todos dizem isso a seu respeito –, e estávamos conversando em francês. Mas para mim foi também um momento muito importante. Naquela época, ela estava com 68 anos, e eu a achei ainda muito bonita. Naquele dia, ela não estava usando um turbante. Os cabelos estavam presos, o que dava a ela um visual melhor. E ela estava usando calça, enquanto que toda a vida havia usado vestidos, até aquele momento. Minhas perguntas foram respondidas automaticamente, e percebi que havia certas coisas sobre as quais ela não queria falar. Por exemplo, quando perguntei se ela e Sartre tinham alguma vez sentido ciúmes um do outro, ela respondeu: “ Não, nunca!” Não acreditei totalmente nela, nem naquela ocasião (quando escrevi meu livro, anos depois, aquilo pareceu uma bobagem. Beauvoir algumas vezes sentia muito ciúme das outras namoradas de Sartre).

Não parece contraditório que Beauvoir, que lutou por sua independência e tentou construir uma relação de igualdade com Sartre, fosse tão dependente dele? Não estou bem certa se ela era tão dependente dele. Sob alguns aspectos, acredito que ele precisou mais dela do que ela dele. Ele precisava dela como uma âncora, para lhe dar estabilidade. Algumas vezes Sartre esteve à beira da loucura. Nos anos 1950, ele estava muito deprimido, principalmente por causa da política. Ele bebia muito e tomava fartas doses de anfetaminas. Acabou se tornando completamente dependente de drogas. Acho que ele precisava de Beauvoir, que era uma espécie de figura materna, uma mulher que o conhecia muito bem e podia perdoá-lo infinitamente. Em termos de sua literatura, era maravilhoso que pudessem discutir suas idéias entre si. E que editassem o trabalho um do outro.

Relações abertas não eram incomuns. O que fez com que a de Sartre e Beauvoir fosse tão diferente e famosa? É verdade, relações abertas não eram particularmente incomuns naquele tempo. Muitos amigos do casal levavam o mesmo tipo de vida. Hoje é algo incomum. O mundo se tornou mais conservador, em parte por causa da Aids. Porém, a maioria das pessoas que vivem relacionamentos abertos não conta tudo um para o outro, e com detalhes em technicolor! Mas Sartre e Beauvoir contavam tudo um para o outro. Isso lhes dava um sentimento de cumplicidade. Para escritores, isso era maravilhoso. Era quase como se cada um deles vivesse duas vidas. O que os tornou também famosos foram as memórias de Beauvoir. Ela despertou ainda mais o interesse sobre a vida dos dois escrevendo memórias sem fim sobre a vida do casal.

Qual é o principal legado de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir para os casais atuais?

Acho que eles eram um modelo de generosidade. Um nunca impedia o outro. Eles se encorajavam no verdadeiro sentido da palavra : dando coragem e liberdade um ao outro. E, como sabemos, não é fácil amar uma outra pessoa com a liberdade deles. Simone de Beauvoir trabalhou com afinco para controlar seu ciúme. Isso era algo admirável. Eles acreditavam que o ciúme é uma emoção natural, mas isso não quer dizer que o ciúme seja bom para uma relação. Como existencialistas, eles acreditavam que temos força de vontade para lutar contra certas emoções ou tendências negativas. As pessoas dizem: “Sou preguiçoso por natureza ”. Como existencialistas, Sartre e Beauvoir diriam: “ Ser preguiçoso é uma escolha sua!”.

Certa vez Beauvoir comentou que Sartre adorava as mulheres complicadas, e acabava levando-as à loucura. Beauvoir tinha razão? Beauvoir e Sylvie Le Bon [filha adotiva de Simone] estavam brincando com Sartre quando disseram isso. É verdade que Sartre gostava de mulheres jovens, vulneráveis e neuróticas. Acredito que ele sofria do complexo de salvador. Ele se imaginava no comando de um grande cavalo branco, um cavaleiro numa armadura brilhante salvando pequenas mulheres indefesas. Esta fantasia o fazia se sentir poderoso, necessário. Mas no fundo disso tudo havia a insegurança de Sartre. Ele se sentia tão feio que sequer gostava de abordar as pessoas na rua para lhes pedir informações. Ele não queria impor seu corpo às pessoas. Suas namoradas eram com freqüência bem loucas. Elas já seriam loucas de início ou ele as tornava assim? Eis uma boa pergunta. Acho que ele gostava de fazer com que mulheres jovens ficassem dependentes dele, e a dependência não é boa para ninguém. Ele também gostava de provocar ciúmes em suas amantes.

Acho que é neste ponto que Simone de Beauvoir é tão admirável. Em suas memórias ela escreveu que, por algum tempo, ela também se tornou dependente. Ela escreve com grande inteligência sobre a “mulher apaixonada” cuja vida gira em torno do seu homem. Mas, depois de alguns anos nessa condição, Beauvoir tomou as rédeas da situação. A longo prazo, ela não permitiu que Sartre a enfraquecesse. Ela preparou as coisas de modo que Sartre a tornasse forte. Muito habilidoso da parte dela, acho.


Agora sabemos que Beauvoir mantinha relações com mulheres, as quais ela sempre negou. Não é uma postura surpreendente, dadas suas idéias filosóficas?

É verdade, e eu não sei porque ela negou seus relacionamentos com mulheres. Isso é um pouco decepcionante. Acho que, em parte, porque ela via a si mesma fundamentalmente como heterossexual, e era assim que também se viam as mulheres com quem ela teve relações. Próximo do fim de sua vida, Beauvoir disse que gostaria de ter sido mais honesta sobre sua sexualidade, mas não poderia porque outras pessoas estavam envolvidas, e ela não se sentia livre para contar tudo. Tinha que ser discreta.

A senhora teve acesso a cartas inéditas que lhe forneceram muito material para o seu livro. Muitas, porém, ainda não estão disponíveis. A senhora já imaginou que tipo de Sartre poderia estar oculto nessas cartas? É possível mudar o ponto de vista sobre ele com a leitura desse material inacessível? Examinei cartas de Sartre para quase todas as suas namoradas, e tenho certeza de que não restou nenhum Sartre oculto para ser descoberto. Vi centenas e centenas de cartas não publicadas, e acredito que agora conheço bastante bem o íntimo de Sartre.
Imagine que Beauvoir e Sartre ainda estivessem vivos. Como eles enfrentariam alguns desafios atuais como o terrorismo, a Aids ou mesmo a revolução da vida virtual? Boa pergunta. Também me pergunto sobre essas coisas. Eles nunca usaram nem máquinas de escrever, imagine computadores! Sempre escreveram tudo à mão, e a vantagem é que podiam escrever em qualquer lugar : sob uma árvore, num café barulhento, qualquer lugar. Eles escreveram muitas cartas.


Será que teriam freqüentado cibercafés em suas férias?

Imagino que sim. Mas eles também apreciavam a sensualidade das canetas, da tinta, do papel. Cibercafés não são lugares sensuais. Isso teria sido uma perda para eles. Sobre a Aids : eles usariam preservativos. Uma amiga minha negra sul africana, de 30 anos de idade, leu meu livro e ficou enormemente chocada com a vida sexual deles. Ela me disse: “Fico me perguntando se eles usavam preservativos!” A resposta é não, não usavam. Sobre o terrorismo : havia bastante terrorismo durante a Guerra da Argélia. Sartre não gostava do terrorismo, mas afirmava que entendia porque pessoas que têm uma causa justa, e não têm grandes exércitos ou equipamento militar, têm que recorrer a esta estratégia contra pessoas que têm essas coisas e que estão colonizando-as ou atacando-as injustamente.


Não parece incrível que eles fossem tão vulneráveis em suas relações, apesar da força de suas idéias filosóficas?

Sim. Tanto Beauvoir quanto Sartre eram estranhamente inseguros à maneira deles. Beauvoir muitas vezes afirmou que achava difícil combinar amor com independência. Estar apaixonada a tornava vulnerável, dependente do outro, atemorizada pela perda do amor daquela pessoa. Tanto ela quanto Sartre se sentiam agradecidos às pessoas que os amavam.


A senhora estudou o existencialismo durante muito tempo. Como o livro a ajudou a compreendê-lo mais?

Qual foi a importância de tê-lo escrito? Escrevi minha tese de doutorado sobre o existencialismo e Simone de Beauvoir nos anos 1970. De fato, sou interessada por esse assunto há muito tempo. É muito bom ter retornado a um tema que foi uma paixão anos atrás. Senti-me como se estivesse voltando para casa. Nunca gostei tanto de ter escrito um livro. Mesmo estando perfeitamente consciente de suas falhas, eu ainda admiro Sartre e Beauvoir. Ainda consigo aprender com eles. Simone de Beauvoir, em particular, me faz querer viver com mais coragem, engajamento e paixão. Ela me faz querer ler mais livros, viajar pelo mundo, me apaixonar de novo, assumir posições políticas mais firmes, escrever mais, trabalhar mais, atuar com mais intensidade e olhar com mais carinho para a beleza do mundo natural. Ela amava a natureza, era uma mulher muito sensível.


A senhora esteve recentemente no Brasil para pesquisar sobre Cristina Tavares, a amante brasileira de Sartre. O que descobriu sobre ela?

Eles não foram amantes. Cristina nunca dormiu com Sartre. Ele a cortejou vigorosamente. Tenho certeza que ele teria gostado de dormir com ela. Mas ela tinha 25 anos, era uma boa moça católica. Ele tinha 55 anos, e estava longe de ser bonito. Ela admirava Sartre e Beauvoir, não há dúvidas quanto a isso. Logo depois que deixou o Brasil, Sartre escreveu uma carta de onze páginas para ela, com uma longa lista de livros para ser lidos, a maioria sobre política. Cristina os encontrou de novo, diversas vezes, em Portugal e na França, permanecendo em contato com eles. Acho que Sartre podia perceber que ela era uma jovem especial, mesmo com apenas 25 anos. E ela provou ser muito especial, tornou-se uma importante congressista, uma pioneira da questão feminina no Brasil. Ela nunca se casou, era muito independente, atlética, tinha muitos amigos, e era fortemente engajada na política progressista brasileira. Tragicamente, morreu de câncer com apenas 50 anos.

Sartre costumava terminar um relacionamento quando deixava de amar suas namoradas, embora continuasse ajudando-as financeiramente durante muito tempo. Esse comportamento não era uma espécie de machismo?

Sim, acho que Sartre estava cheio de machismo. Mas, por mais estranho que pareça, não com Simone de Beauvoir! Eis mais uma razão porque sua relação é única e tão interessante.


Se a senhora tivesse que escolher um livro de Simone de Beauvoir, qual seria? Por quê?

Prefiro as memórias, mas, como são quatro volumes, não posso escolhê-las, mesmo achando o segundo volume especialmente interessante. Imagino que escolheria seu livro mais curto, Uma morte muito suave, no qual ela fala da morte da sua mãe. O livro mostra a suavidade e sensibilidade de Beauvoir, algo que ela geralmente escondia.

A dualidade “amores contingentes” e “amores necessários”, idealizada por Sartre, explica a relação dele com Beauvoir e deles com os outros? Não, não explica. Às vezes fico pensando que essa foi a forma que ele “vendeu” seu estilo de vida a Beauvoir, para torná-lo mais saboroso. Outras mulheres eram necessárias para Sartre, mas, conforme se revelou com o tempo, ninguém durou tanto ou foi tão íntimo quanto a relação de cinqüenta anos de Sartre com Beauvoir. E ninguém mais foi um par intelectual para eles, da forma que um foi para o outro.
Sartre trouxe glamour para a filosofia, conduzindo-a a um nível importante no século 20. A filosofia ainda é necessária nos dias de hoje? Muito menos. Naquele tempo, os melhores e mais inteligentes alunos da França estudavam filosofia. Nos dias atuais a filosofia não tem o mesmo status. Naquela época, os filósofos acreditavam sinceramente que podiam mudar o mundo. Não acredito que os intelectuais tenham mais essa ilusão. Sartre tornou a filosofia “sexy” porque o existencialismo não era uma filosofia de torre de marfim. Era uma filosofia para ser aplicada à vida diária, uma filosofia que falava de liberdade, escolhas e auto-ilusão. Na época, era uma filosofia muito estimulante para as pessoas. São coisas ainda muito interessantes para nos fazer pensar.

Sartre viveu muitas vidas, e se tornou mais engajado nos problemas do seu tempo à medida que envelhecia. Ele apoiou o movimento da independência da Argélia, e rompeu com o Partido Comunista Francês depois de 1956, quando a União Soviética invadiu a Hungria. Ele e Beauvoir se sentiram muito isolados naquela época, mas permaneceram lutando.


Intelectuais como Sartre não são mais possíveis hoje?

O mundo hoje está numa desordem desastrosa, e mais do que nunca precisamos de intelectuais públicos corajosos.


Sartre viveu seus últimos dias dependendo das pessoas, aparentemente dominado pelas idéias do então jovem intelectual Benny Lévy. E de acordo com Beauvoir, em suas memórias, ela se sentiu enganada por Sartre. Eles fracassaram?

Sartre estava dependente no final de sua vida porque estava cego. De 1973 até sua morte, em 1980, ele não podia ver. Isso significava que não podia ler, nem escrever. Ele precisava de pessoas que lessem para ele, e esse foi amplamente o trabalho de Benny Lévy. Eles tiveram longas conversas, que foram gravadas e publicadas por Lévy. Beauvoir sentiu que Lévy se aproveitou de um homem frágil e cego, e publicou idéias que não eram as de Sartre. Não sei se ela se sentiu enganada por Sartre, porém muito magoada com a hostilidade de Benny Lévy com ela. E com a hostilidade da jovem Arlette Elkaïm, que Sartre tinha adotado legalmente. Receio que o final do livro seja um pouco triste. Muitas pessoas me dizem que choraram quando leram sobre o funeral de Sartre. Beauvoir estava tão devastada, tão perdida, tão frágil. Eu mesma chorei, admito.
Entrevista publicada na revista Caros Amigos

terça-feira, junho 05, 2007

FINALMENTE!!!!!

NÃO AGUENTAVA MAIS VIVER SEM COMPUTADOR!!!!