Imagino
que realizar um filme da importância de Operação cajueiro não seja nada fácil:
os documentaristas são confrontados com a grandeza do tema e a “responsabilidade”,
por assim dizer, de ser uma voz solitária em meio ao silêncio da mídia local (no
passado e no presente) sobre o episódio de repressão violenta da ditadura
militar em Sergipe. As cobranças são muitas e elas vêm de todos os lados: o
filme precisava abordar esse e aquele fato, como se fosse um “dever de casa” do
documentário dar conta de uma totalização histórica. Por outro lado, existem
também as exigências estéticas, que caracterizam o filme como “quadrado”, como
se todo documentário tivesse que experimentar em termos de linguagem
cinematográfica (o que considero questionável, mas isso não quer dizer eximir o
documentarista de estabelecer um compromisso com a relação entre forma e
conteúdo, entre estética e política).
Primeiramente,
não considero um problema um documentário como Operação Cajueiro ser um “talking
heads” – aquele formato centrado nas entrevistas, mais preocupado com o que os
personagens têm a dizer do que com o virtuosismo da imagem. Na verdade, se
pensarmos que se trata de um documentário que aborda o terrorismo de Estado na
sua face mais sombria, a tortura, os depoimentos dos personagens são realmente
a matéria prima do documentário. Se a tortura é o meio que tem como fim último
não fazer falar, mas sim calar, o documentário realiza um gesto político ao ir
de encontro ao silêncio da repressão. Mas o problema é que neste filme a
História se sobrepõe ao testemunho. Ou seja, a tentativa de abordar uma série
de informações sobre o ocorrido prevaleceu sobre o que os personagens teriam
para narrar. A tortura deixa marcas profundas na mente de quem a viveu, e o
trauma exige o profundo respeito de uma escuta atenta, que abriga relutância,
pausas, silêncios, reflexão. É extremamente necessária uma mise-en-scène
documentária que acolha o testemunho dos personagens, que dê tempo para suas
memórias emergirem.
A montagem de Operação Cajueiro não concede aos personagens
duração: suas falas se encontram fragmentárias, rasgadas por jump cuts (cortes
no continuum espaço-temporal da tomada), embaralhadas com diversos outros depoimentos. Os
personagens relatam acontecimentos dolorosos, chegam a chorar, e mesmo assim o
corte os interrompe porque é necessário passar a outra coisa. Ressalto um
problema: ouvi os diretores falarem em limitações temporais impostas ao filme
(a obra deveria ter no máximo 30 minutos). O que me faz questionar sobre os
danos que as imposições de editais podem infringir às obras audiovisuais. Mas
outro problema, a meu ver, é o excesso de diretores: imagino a dificuldade de
três diretores dialogarem para decidir o que entra e o que fica fora do filme,
além da questão estilística, claro, considerando as diferentes concepções
estéticas dos realizadores.
No
que concerne à utilização das imagens de arquivo, este é o ponto forte do
filme. O documentário se inicia com uma imagem de Geisel sendo ovacionado por
uma matéria jornalística chapa branca da época, e ao seu lado o atual prefeito
de Aracaju, João Alves (que foi prefeito biônico durante a ditadura militar),
como também o ex-ministro do STF, Carlos Ayres Britto, e o senador Valadares. O
filme utiliza a imagem de arquivo não como um documento histórico, uma
comprovação de fatos do passado, mas usa a imagem de arquivo a contrapelo, pois
subverte os significados da imagem produzida naquele contexto através da ironia
e a atualiza colocando-a em choque com o presente. Vemos pessoas que apoiaram a
ditadura militar e que, ainda hoje, têm um enorme poder político. As imagens de
arquivo também são desviadas de seus sentidos propostos pela mídia da época no
momento em que a montagem insere ao final do filme as imagens do carnaval que
aconteceu paralelamente à Operação Cajueiro. Nesse sentido, o documentário é
uma dura crítica ao apoio irrestrito da mídia à ditadura militar – não por acaso,
o documentário Operação Cajueiro foi ignorado pela TV Sergipe na data de seu
lançamento. No entanto, mais uma vez a montagem termina picotando as imagens do
carnaval, fazendo-as perderem sua força desmanchando-se entre os créditos
finais.
Entre
problemas e virtudes, Operação Cajueiro – um carnaval de torturas é um filme
necessário, como muitos disseram, e foi o que suscitou mais polêmica, e isso,
por si só, já é um mérito.