Os créditos iniciais de Meu tio apresentam os nomes dos integrantes da equipe de filmagem inscritos em placas numa fábrica, enquanto a trilha sonora traz ruídos de máquinas. Deste modo, neste filme em que Jacques Tati desenvolve uma sátira da vida mecanizada da classe média francesa, submetida ao reinado da técnica sobre as construções, objetos e até mesmo corpos, nem mesmo o cinema escapa da crítica do diretor. Jacques Tati nos lembra, logo de início, que o cinema, misto de arte e técnica, é uma arte que é também indústria e que, portanto, as imagens deste filme foram fabricadas no mesmo modo de produção dos produtos da fábrica Plastac, dirigida pelo Sr. Apler, chefe da família apresentada na obra.
A casa da família Apler é um cenário impessoal e frio, onde prevalecem as formas geométricas, as cores metálicas, os vasos com visual "moderno", e no entanto sem flores, além de muitos aparatos tecnológicos. Já a casa do Sr.Hulot, o tio que dá nome ao filme, é uma simples residência localizada num cortiço num bairro pobre, onde vemos feiras, cachorros vira-latas e vendedor de doces. É lá onde o menino Gérard, filho do casal Apler, tem seus momentos de diversão, até voltar para casa todo sujo, tendo que limpar os pés muitas vezes antes de entrar em casa.
A crítica à vida mecanizada empreendida por Jacques Tati é feita especialmente através do trabalho da direção de arte, realizada por Henri Schmitt. Em Meu tio, o que vemos é uma verdadeira casa-máquina: a Sra.Apler aperta um botão parar abrir a porta da frente, e em seguida liga um chafariz, que tem um formato de peixe, para impressionar as visitas (mas, em certo momento, ao ver que quem tocou a campainha foi o feirante, ela automaticamente desliga o chafariz, revelando uma clara distinção social através do cenário); numa cena, a Sra.Apler prepara o jantar de Gérard tendo à sua disposição todo um maquinário na cozinha, apenas para entregar ao seu filho um ovo cozido e um sanduíche, enrolado num plástico, o que ressalta a artificialidade do ambiente e das relações; em outra cena, a Sra.Apler mostra o presente de casamento ao seu marido: uma porta de garagem que se abre através de um censor - no entanto, após o cachorrinho de estimação passar na frente do censor, o casal fica preso na garagem, de modo que Jacques Tati ridiculariza os indivíduos que se tornam reféns da própria técnica.
Ao final, o pai enciumado manda o tio para o interior, longe do sobrinho, após as tentativas desastrosas de tornar Hulot um "homem exemplar", e assim o pai redescobre a espontaneidade infantil fazendo peraltices com o filho na fábrica. Ao recorrer a um humor simples e ingênuo, e, no entanto, muito ácido e sagaz, Meu tio é permeado por uma exaltação de uma espécie de devir-criança, de uma vontade de tornar-se menor, como tática para se contrapor à racionalidade técnica que domina a vida humana.
As pessoas pensam sempre em um futuro majoritário (quando eu for grande, quando tiver poder...). Quando o problema é o de um devir-minoritário: não fingir, não fazer ou imitar a criança, o louco, a mulher, o animal, o gago ou o estrangeiro, mas tornar-se tudo isso, para inventar novas forças ou novas armas.
Diálogos, Gilles Deleuze e Claire Pernet.