quinta-feira, setembro 16, 2010

Cinema, paisagem e poesia


Amor é cor! Vida é cor!

O tio de Gabbeh, nome de tapete persa que denomina também a personagem principal deste filme iraniano homônimo de 1996, do diretor Mohsen Makhmalbaf, é uma espécie de mágico que surge na obra para nos dizer algo sobre cinema discretamente. Afinal, para Walter Benjamin o dispositivo tem poderes mágicos, ele traz uma nova visão da realidade, e para o filósofo alemão a diferença entre técnica e magia é uma variável histórica, no entanto elas estão intrinsecamente relacionadas. Em suas aulas, o tio de Gabbeh, num gesto mágico, aponta para a paisagem com flores vermelhas, e flores vermelhas caem nas suas mãos. Depois indica a paisagem de flores amarelas, e flores amarelas também aparecem por entre seus dedos. Ele aponta para o céu, e sua mão se mancha de tinta azul. Em certo momento do filme, seus personagens proclamam: Amor é cor! Vida é cor!

Assim, Gabbeh é um filme que traz um diálogo com a pintura e a poesia. E até mesmo com os tais tapetes persas, trazendo suas cores impregnadas na diegese. Com o surgimento da fotografia e depois do cinema se criou uma discussão sobre a perda da capacidade de a literatura e a pintura representarem a paisagem. Mas que sentido buscar nessas imagens tão efêmeras ou instantâneas da fotografia e do cinema? A resposta do cineasta Makhmalbaf é pincelar a paisagem de afetos através da poesia e da pintura.

Logo na primeira cena, a câmera fixa e o plano geral, bem como a grandeza da paisagem em relação aos personagens, sugerem um diálogo com a pintura de paisagem. Nesse cinema, assim como no de Abbas Kiarostami em O gosto da cereja e O vento nos levará, a paisagem tem alma.

E o cineasta Makhmalbaf, assim como o tio de Gabbeh, está em numa busca apaixonada pela poesia. O tio de Gabbeh afirma que só irá se casar com uma mulher que cante como um canário. E termina se enamorando por uma mulher após vê-la recitar um poema.

Do mesmo modo como o som é essencial na poesia, que apresenta uma musicalidade própria em seu ritmo verso após verso, Makhmalbaf também faz do som uma dimensão apaixonante do seu filme. Seus personagens estão a procura de amores registrados em sons. A mulher que canta como um canário dos sonhos do tio de Gabbeh, e também o uivo do amado aguardado por Gabbeh que ressoa nas montanhas, amado que só conhecemos através desse som.

E é por isso que acredito que o filme Gabbeh seja uma declaração de amor ao cinema.

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