Estou me afastando, estou indo embora e preciso que me entendas antes que eu vá, crucificado na parte externa do vagão de um trem em alta velocidade. Tento devagar, mais claro: ele não se afasta. Dia após dia, eu noto, torna-se mais simpático, mais eficiente, mais solícito - para utilizar palavras que não sei bem o que significam, mas imagino sempre alguém sorrindo muito, fazendo reverências, curvando constantemente a cabeça, como uma gueixa. Gueixa, ele, a grande puta, com seu silêncio de passinhos miúdos e pés amarrados. Preciso tentar certa ordem no que digo, e dizer de novo, vê se me entendes: ele não se afasta, mas é dentro dele que eu me afasto. Dentro dele, eu espio o de fora de nós. E não me atrevo.
Do conto Eu, tu, ele, do livro Morangos mofados, de Caio Fernando Abreu.
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