domingo, junho 13, 2010

Um céu de estrelas (1996), Tata Amaral


Se a violência contra a mulher é geralmente abordada em termos de uma dicotomia mulher=vítima versus homem=algoz, o filme Um céu de estrelas (1996), de Tata Amaral, vai de encontro a qualquer elaboração maniqueísta da relação entre Dalva e Vitor.

Este é um filme que apresenta um ritual de violência e desejo, duas faces de uma mesma moeda. A cena de sexo entre Vitor e Dalva não é gratuita: ela evidencia que ambos concordam com o jogo, e que existe um forte prazer sado-masoquista na relação dos dois. Ao ponto de eles fazerem sexo logo após Vitor matar a mãe de Dalva. É por isso que Vitor afirma, quando Dalva grita desesperada que ele matou a mãe dela, que quem a assassinou "fomos nós". A ambiguidade dos papéis dos personagens é uma característica típica do gênero thriller que Tata Amaral soube aproveitar muito bem neste filme.

E é isso que aproxima Um céu de estrelas de uma obra como Veludo azul (1986), de David Lynch, em que também vemos uma vítima conivente com a violência do algoz, e a distancia de um filme como Dormindo com o inimigo (1981), de Joseph Ruben. Por mais que o "inimigo" de Julia Roberts no filme em questão seja extremamente sedutor, ela jamais é cúmplice da violência que sofre.

O filme de Tata Amaral tem algo da atmosfera de filmes sobre amores devastadores, a exemplo de obras de Truffaut, como A mulher do lado (1981) e Jules e Jim (1962), amores esses que levam ao limite a sua capacidade de destruição e findam em morte.

Inclusive o lado destrutivo do amor se faz bastante presente num cineasta como Almodóvar. E existe algo da personagem Kika, de filme homônimo de Almodóvar, em Dalva. As duas são cabeleireiras, as duas são feitas de refém, utilizam figurinos semelhantes, e tanto Um céu de estrelas quanto Kika abordam o espetáculo televisivo em torno do trágico.

E o último plano do filme, elaborado do ponto de vista da câmera da TV que acompanhava do lado de fora da pensão a operação da polícia para tentar prender Vitor, revela a ambiguidade da vítima, pois vemos Dalva segurar a arma ao lado de Vitor morto e ela apresenta um olhar perdido diante da câmera. Mas o plano do ponto de vista da câmera televisiva aponta também um outro pervertido além de Dalva e Vitor: o próprio espectador, o voyeur por trás da subjetiva da TV.

Um comentário:

Alam Arezi disse...

Encontrei bisbilhotanto a net!
Gosto de ler coisas atípicas (outsiders).

A.A>

;)