sábado, junho 19, 2010

A função do poeta é dar a ver


Atualmente tenho me debruçado sobre a obra de um grande escritor pernambucano: João Cabral de Melo Neto. E também sobre artigos, teses e dissertações a respeito dele, afinal, meu objetivo é levar adiante esses estudos sobre Cabral. E, apesar de alguns estudos sobre Cabral me ajudarem a compreendê-lo, é interessantes ver alguns equívocos a respeito de sua obra. Como um artigo que afirmava que Cabral via Sevilha como a cidade ideal e o Recife a partir da crítica social (que eu cheguei a citar), quando mais tarde encontrei indícios de problematização da sociedade sevilhana em Andando Sevilha.

Hoje eu estava pensando sobre o que me chamava tanta atenção neste poeta. Obviamente que, como muitos sabem, gosto muito do Recife, e já que é uma cidade constantemente representada na poesia de Cabral, isso me despertaria interesse. Mas não é só isso.

Apesar de no início Cabral ter se inspirado bastante no surrealismo na escritura de poemas como Pedra do sono, depois ele enveredou pelo racionalismo e pelo materialismo. Não que poetas irracionais e/ou transcedentais sejam inferiores a Cabral, mas é na sua poesia que eu acredito. Tenho ressalvas quanto à sua concepção da escrita do verso a partir do trabalho, entendimento esse que vai de encontro à ideia de que a poesia é produzida a partir da inspiração. Mas não deixo de concordar com sua crítica ao "mito da criação", da genialidade do artista, etc.

Mas o que eu mais admiro nele é o seu materialismo. Como ele mesmo disse, ele escreve sobre coisas como um copo d'água, e não sobre emoção ou saudade. Só que ele coloca a emoção justamente no bendito copo d'água. Ele CONCRETIZA. Certa vez ele afirmou que gostaria de ter sido cineasta. Pois ele tinha plena consciência de que um poeta, assim como um cineasta, trabalha com imagens.

Afirmou Cabral a respeito do poeta Murilo Mendes:
Sua poesia me ensinou que a palavra concreta, porque sensorial, é sempre mais poética do que a palavra abstrata, e que assim, a função do poeta é dar a ver (a cheirar, a tocar, a provar, de certa forma a ouvir: enfim, a sentir), o que ele quer dizer, isto é, a dar a pensar

Aos poucos vou descobrindo essa relação de Cabral com o cinema e a paisagem... Vamos ver no que dá esta pesquisa!

Imagem: documentário Recife/Sevilha: João Cabral de Melo Neto, de Bebeto Abrantes.

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