quarta-feira, junho 09, 2010

No consultório médico

Eu não gosto de ir ao médico. Detesto ficar numa fila, passar horas esperando, essas coisas. Eu tenho que estar realmente MORRENDO pra ir a um médico. Ou, como foi o caso dessa tarde, tendo a obrigação de fazer exame admissional. E, para minha surpresa, a simpática senhora sentada ao balcão me revelou que a "doutora" só chegaria às 16h. Respondi que a consulta estava marcada para as 15h. A senhora então me contou que a tal médica estava em Carmópolis e só chegaria nesse horário.

Sentei-me. Estava cansada, havia caminhado muito hoje para resolver coisas. E quem não tem carro resolve coisas de um jeito muito devagar. A sala em frente ao consultório estava vazia. A simpática senhora então ergueu o controle e ligou a televisão com ares de tédio.

- Assista aí uma TV pro tempo passar mais rápido.

E ela voltou-se para a tela do computador. Seu rosto tinha sabor de solidão. Aquela tarde tão vazia, nublada, letárgica e solitária. Comentei que não gostava de ver televisão. Eu disse ainda que estava muito cansada, e que em momentos como esse sentia muita falta de um carro. Ela então se mostrou bastante conversadeira e passou a falar sem parar.

Se num primeiro momento eu fiquei impaciente com a sua tagalerice, logo eu já estava bastante interessada nas suas histórias da vida. Eu gosto de ouvir as pessoas. Talvez por isso eu seja jornalista, talvez por isso eu tenha também pensado em cursar Psicologia - mas sou doida o bastante para saber que não cabe a mim essa função.

A simpática senhora começou me contando que morava com os pais e costumava ir à academia. Achei sua vida uma chatice. Ora, o que uma mulher com mais de 50 anos fez até então com um cotidiano como esse? Mas logo depois ela me revelou que morou durante mais de 10 anos nos Estados Unidos. Partiu para lá com o marido, com quem dividiu o teto, os pensamentos e o corpo durante 30 anos.

- Ele sempre dizia: quando você completar 50 anos, eu vou trocar você por duas de 25. Não gosto de mulher velha, eu gosto de meninas novas!

Ela me contou que sempre respondia afirmando que duvidava que alguma menina jovem quisesse um velho de 60 anos. Mas ele cumpriu a promessa: ela descobriu que ele tinha um caso com duas mulheres de 20 e poucos anos. "Uma chinesa e uma brasileira", ressaltou ela. Por fim ele largou a chinesa e se casou com a brasileira, com quem teve um filho.

A simpática senhora comentou que adorava a internet porque podia conversar sempre com seus filhos, seus netos, que estavam nos Estados Unidos. Ela me mostrou as centenas de fotos nos perfis do orkut deles cheia de orgulho. Comentou que sentia saudade, mas que agora sua missão era outra, pois seus filhos já estavam criados, casados, e agora ela tinha que cuidar de seus pais velhinhos.

Foram muitas fotos do seu netinho, que vivia pedindo para que ela não mandasse o presente por avião, mas trouxesse junto com ela, para ele poder vê-la lá nos Estados Unidos.

Das fotos do netinho, ela partiu para as fotos de quando ela morava numa casa de praia em Barra de São Miguel. Uma casa rústica, a foto em preto e brano, ela junto com os filhos e as marcas do passado sobre um negativo fixadas pela luz.

Depois uma foto da filha. "Essa era a minha filha". Perguntei de que ela havia morrido. Ela contou que sua filha morreu de leucemia aos 13 anos.

- Esse pano aqui na cabeça dela é porque ela já tinha perdido os cabelos, comentou com carinho de mãe que cuidou o quanto pôde, mas nada conseguiu fazer diante das fatalidades da vida.

Ao ver a imagem de uma criança tão bonita e com as feições pálidas, delicada, frágil, ao lado de uma mãe tão bela e forte como uma verdadeira fortaleza, eu não pude deixar de me emocionar. Contive as lágrimas nos olhos, não podia chorar por isso, a simpática senhora me acharia uma louca.

Após finalizada a consulta, fiz um gesto tímido de adeus para a simpática senhora assim que saí do consultório da médica. E parti, sem ao menos saber o nome dela.

2 comentários:

Nina Sampaio disse...

Caralho! Por essas e outras é que a temática dos velhos tanto me atrai, me emociona, me impulsiona! Texto franco e belo. Também eu fiquei aqui emocionada...E olha só que me lembrei da letra de Cazuza, o Blues da Piedade:

Agora eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo derrotados
Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com cara de abortadas

Pras pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não têm

Pra quem vê a luz
Mas não ilumina suas minicertezas
Vive contando dinheiro
E não muda quando é lua cheia

Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada

Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem

Quero cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar o blues
Com o pastor e o bumbo na praça

Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade

Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem.

Com certeza essa senhorinha não veio pra cá para perder a viagem, né?
Beijos!

O Paulino disse...

Quem personagem ...!!!

A tarde se transforma quando descobrimos pessoas assim e isso não é por acaso.

Tati.. foi uma boa descrição do cenário que fica ainda mais interesante com tua visão de mundo interferindo. Um boa história sem sombra de dúvida.