segunda-feira, dezembro 19, 2005

Verde, amarelo, vermelho


Minha casa é a rua, rua dos carros que correm com gente suada gritando e buzinando nos sinais. Dos vidros sujos do carro dá pra ver o cansaço, e quando estendo a mão são algumas míseras moedas dadas com displicência e um olhar sutilmente hostil. Verde, amarelo, vermelho, aprendi a contar o tempo no ritmo das cores.

Na padaria, peço dez pães a uma moça gorda com vestido vermelho e óculos na ponta do nariz, escondida atrás do vidro em que está fixado o aviso “fiado só em 3005”. Ela me olha de soslaio deixando os óculos escorregar e quase cair no chão, até levantá-lo com ar de soberba desenhado por uma de suas sobrancelhas erguida.

Vou comer meu almoço na parte onde fica repleta de água suja quando a maré está cheia, mas agora está seca, lá na 13 de julho. Prefiro rasgar a sacola de pães a desfazer os nós porque a fome tem pressa, e como o primeiro pão com medo de que ele fuja. Reconheço os pés sujos em sandálias havaianas pretas gastas, as pernas cheias de hematomas, o short azul, o umbigo grande, os braços fortes, João!

- Me dê esse rango aí vá!

- É o meu almoço.- disse num misto de indignação e medo.

- Tu é ousado mermu né, Zé?

Lutei com todas as forças pra João não tomar o meu almoço. Mordi os dentes, vi minhas veias saltarem no braço. Mas João não estava só, e ele mais seu bando me roubaram aqueles pães bem branquinhos e cheios de miolos, do jeito que eu gosto. Os pães caíram na areia, e eles se lambuzaram de pão e mar. Eu caído no chão chorava de ódio os padecimentos.

Eles eram cinco, e vieram um por um, começando por João, que rasgou o meu short. Eu ali não era homem, com a faca querendo rasgar meu pescoço, eu ali era qualquer coisa sem Deus. Depois eles foram correndo pela areia, rindo e me chamando de viado. Por que João fez isso comigo, se ele sabe da dor, se um dia um corsa fez isso com ele também?

Olha a maré, baixa como o quê, o céu azulado bonito que só onde dizem que está Deus. E ele não tá vendo de lá, não? Ele me largou tão só nesse mundo, qualquer um me pega, me bate, me leva não sei pra onde.

- Que é que você tá fazendo aí, trombadinha? Eu mandei você limpar o vidro do meu carro?


Crônica criada a partir de um relato real contado por minha mãe que viu da sacada do prédio onde trabalha um menino de rua ser estuprado por outros mais velhos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Nesse pequeno texto, vc conseguiu relatar, em poucas e pequenas palvras a nossa triste realidade, onde vivemos algo parecido com a teoria darwinista: A teoria da Seleção Social. Mas o q fazemos para mudar tal quadro?? Eis a questão...

mauro disse...

porra de Darwin.. humpf.
rs.

tatiana hora disse...

kkk
concordo, mauro!