Durante muito tempo, eu sempre recebia cartas de José. Ele me escrevia umas três vezes por semana, geralmente no domingo, na quarta, e na sexta. José era um homem de poucas palavras. Existem aqueles que pouco falam porque sintetizam muito e com perfeição as idéias verbalizadas, e há aqueles que escondem seus pensamentos em frases curtas. José fazia parte do segundo grupo.
Ele era um ermitão, com seus trinta e poucos anos não vividos, e morava numa casa amarela cheia de janelas com seu enorme cachorro. Raras eram as vezes em que eu ia no interior visitar José, e eu detestava quando ele dizia não tenha medo de Jack, ele não morde, veja como ele é bobão. Lembro-me do dia em que Zé ganhou Jack de uma antiga namorada dele no seu aniversário, e não sei, com o tempo o cão foi ficando parecido com ele. Aquele cachorro que antes estava sempre pulando e correndo, agora vivia deitado no tapete com os olhos derramados no horizonte.
Quando eu dizia que ia voltar para casa, José inventava doença, deitava na cama e segurava minha mão com triste candura. Ele mergulhava a cabeça no travesseiro fingindo esconder o choro, para que eu o puxasse e acariciasse suas lágrimas. Bebia todos os licores e ia correndo vomitar no quarto onde eu dormia, na minha frente, para me ver limpar o seu vômito no chão como alguém que cuida. José nunca se despedia de mim, ficava olhando para a televisão como se fitasse algo além. Tchau, primo, fique bem.
No domingo, eu recebi uma carta: “Jack está comendo pouco; não sei o que fazer”. Na quinta, eu recebi outra: era uma folha de papel branca de silêncio. O que estava acontecendo? Por que José parou de me escrever? Fiquei muito preocupada e acabei adiantando uma folga só pra ir visitar o meu primo em Caxanguinha.
Chegando lá, ninguém veio atender a porta. Gritei não sei quantas vezes, mas só o vão da noite me respondia. Caminhei auscultando em redor da casa, até que encontrei uma janela indo e voltando pelo vento. Todas as luzes estavam acesas, menos a do quarto onde eu costumava dormir. Quando acendi a luz, encontrei José estendido no chão ao lado de garrafas sem licores e várias caixas de remédio vazias. Jack estava deitado na cama, e se ergueu abruptamente com as pernas bem esticadas e os olhos arregalados. Ele nem pulou em cima de mim, só deitou-se de novo na cama com uma indiferença lúgubre.
Apesar de detestar animais, não tive coragem de deixar Jack sozinho. Trouxe-o para casa contra as vontades do meu marido. Era sempre eu quem colocava a comida para Jack, e com o tempo comecei a amá-lo quando me vi tão preocupada porque ele não queria comer. Certo dia, encontrei-o morto quando voltei do trabalho. Chorei convulsivamente, para surpresa do meu marido, pois eu não havia derramado uma lágrima no enterro de José. Chorei agarrando os seus pêlos, José, por que fez isso comigo, José?
Um comentário:
Putz! Muito bom isto! Clap! Clap! Clap!
O autor! O autor!
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