quinta-feira, fevereiro 03, 2011

O sacrifício


O que me impeliu foi o tema da harmonia que nasce apenas do sacrifício, da dupla dependência do amor. Não se trata de amor mútuo: o que ninguém parece entender é que o amor só pode ser unilateral, que não existe outra espécie de amor, que, sob qualquer outra forma, não é amor. Se não houve entrega total, não é amor. É impotente, e no momento, é nada. Acima de tudo, estou preocupado com o indivíduo capaz de sacrificar a si mesmo e a seu modo de vida — sem se preocupar em saber se sacrifício é feito em nome de valores espirituais, pelo bem do próximo, para sua própria salvação, ou em nome de tudo isso. Tal comportamento exclui, por sua própria natureza, todos aqueles interesses egoístas que constituem uma base lógica "normal" para a ação; recusa as leis de uma visão de mundo materialista. (...) Parece-me que, atualmente, o indivíduo se encontra em uma encruzilhada, confrontado com a opção de uma existência fundamentada em um consumismo cego, sujeito ao avanço inexorável da nova tecnologia e à infinita multiplicação dos bens materiais, ou, então, de buscar um caminho que conduza à responsabilidade espiritual, um caminho que, enfim, pode significar não apenas sua salvação pessoal, mas também a salvação da sociedade como um todo; em outras palavras, voltar-se para Deus. Esse é um problema que ele tem que resolver sozinho, pois só a ele cabe descobrir uma vida espiritual equilibrada para si mesmo. Ao resolvêlo, ele pode se aproximar do estado em que pode ser responsável pela sociedade. Este é o passo que se transforma num sacrifício, no sentido cristão de auto-sacrifício.

Andrei Tarkovsky em Esculpir o tempo.

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

Quase acho que este prefixo antes de SACRIFÍCIO seja inseparável, 'ad aeternum'!

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