quarta-feira, fevereiro 23, 2011

Lost book found (1996), Jem Cohen



Se, de acordo com Nelson Brissac Peixoto, as cidades são as paisagens contemporâneas, as paisagens urbanas se revelam de forma afetiva através da arte. Mais especificamente, o lugar dos documentários poéticos, desde as vanguardas das primeiras décadas do século passado, é o espaço urbano. Poderíamos citar vários exemplos, como Berlim, sinfonia de uma metrópole (1926), de Walter Ruttman, Apenas as horas (1926), de Alberto Cavalcanti, ou Chuva (1929) e A ponte (1928), ambos de Joris Ivens. Assim, os documentários poéticos desvendam as imagens esquecidas pelo nosso olhar cansado, preso a uma rotina atribulada, ou mesmo propõe imagens que divergem daquelas do sensacionalismo midiático e da efemeridade dos ícones publicitários.

Sempre vinculado a certa marginalidade do capitalismo em seus filmes, Jem Cohen lança um olhar de flâneur sobre a cidade através da perspectiva de um trabalhador, um vendedor ambulante que descobre na invisibilidade de sua condição social (ele se torna invisível para os passantes situado detrás de seu carrinho), o mistério das coisas, das pessoas, dos lugares da cidade. Tudo isso após ler um livro de bolso que obtém junto a outro vendedor ambulante, que sequer fala a mesma língua.Um homem, um livro perdido, a poesia das paisagens urbanas reencontrada nas imagens do documentário poético.

Todo o documentário é conduzido pela voz over que, muito longe de produzir um relato sociológico, oferece uma perspectiva íntima e confessional da relação desse homem com a cidade. Lugar de arranha-céus, de vitrines, da sujeira das sacolas de plástico pelas ruas, dos mendigos dormindo nas calçadas, de pessoas que dormem no trem. Uma câmera que, se olha para cima, para o topo dos altos edifícios, também tenta penetrar vitrines e mesmo investigar esgotos. Câmera que percorre o céu e o chão da cidade. Câmera que às vezes se assemelha às câmeras de vigilância, ou às vezes parece o olhar de um observador qualquer.

E se Michel de Certeau acredita que os habitantes da metrópole produzem práticas de espaço em suas caminhadas, transformando lugares homogêneos em espaços incertos e construídos na indeterminação, é possível olhar para essa geografia cinematográfica produzida por Jem Cohen como um relato de espaço, desse de que Certeau fala como sendo uma produção e eterna reinvenção da cidade de um pólo a outro de suas extensões. Metaphorai são como os gregos chamam seu transporte coletivo – e Certeau nos revela que nossas metáforas sobre o espaço urbano são também construtoras de cidade. Destarte, Jem Cohen finaliza o seu média-metragem com planos de pessoas comuns olhando para a câmera, estes que em seus caminhos incertos desenham múltiplas cidades.

Um comentário:

Pseudokane3 disse...

Repito o que já disse antes: a vontade de ver (ou ouvir) algo do Jem Cohen é algo que queima como fogo ardente dentro de mim!

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