Passo depois de passo ela desce rente aos meus olhos sem saber da vontade que me guarda. As escadas do meu prédio não têm fim ao meio dia, e ela, com seu corpo frágil deslizando na tarde quente, me parece um objeto inócuo perfeito para ser jogado escada abaixo. O meu pé nas suas costas, as coisas das suas mãos voando pro ar, e a saudade de toda a vida passando pelos olhos dela, que derramados no chão de sangue param de sonhar. Morte. Fim. Olá, boa tarde. De nada, não ia deixá-la com essas sacolas.
Não consigo entender esse meu desejo de matar. Nunca matei, homem covarde, reserva de peladas, menino protegido pela irmã, jamais me meti a espancar ninguém. Olhando para a faca que com o rapaz corta o coco, me dá uma gana de botar a cabeça dele na borda da mesa e corta-la como um coco, e ver sair água de sangue.
Sempre presto atenção quando as pessoas estão vulneráveis. Sabia que confiamos infinitas vezes uns nos outros todos os dias? Quando você entra num táxi, você confia no taxista, porque quem lhe garante que ele não vai estourar seus miolos e te deixar na casa de deus. Penso frequentemente sobre as minhas situações de vulnerabilidade. E imagino mil formas de matar.
O pânico guarda uma arma calibre 38 debaixo do meu travesseiro. Se for hora de acordar, eu me assusto com o despertador. Há tudo para temer. Só abro a porta olhando por entre a corrente. Talvez um dia me matem quando eu estiver desprevenido e aí vai ser a maior sacanagem da história.
A criança pequenininha me pede:
-Tio, dá pra você me ajudar - e me estende as mãozinhas enquanto a porta aberta do ônibus chama a rua para entrar.
Eu não poderia simplesmente empurrá-la escada abaixo?
Um comentário:
estranho isso. certa vez uma colega minha disse que chegava a fantasiar que cortava em pedaços uma menina de quem ela não gostava. eu me assustei, mas minha outra colega disse que era normal.
as pessoas costumam fantasiar que estão matando as outras?
é uma pergunta.
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