sexta-feira, outubro 21, 2005
Farinha mágica
Eu só negocio com cara que for bundão. Porque aí fica mais fácil né, com um bundão na maioria das vezes você não precisa cumprir ameaça. Tenho meu 38 com cano longo, eu estou sempre protegido, por mim e pelo meu 38. Não vou dizer que gosto de matar, mas também não vou dizer que não gosto. Sabe, na hora, às vezes nem é pra fazer cumprir minha palavra, mas é porque é massa ver o sangue derramar do filho da puta que não me pagou. Rola até um certa culpa depois, não tô dizendo que viro viadinho chorando pelos cantos, mas sei lá, me dá mais ódio da vida, de tudo, e me dá também uma puta vontade de cheirar. Sinto prazer quando falo” e aí companheiro, passa aí o seu equipamento de som, tu tá me devendo né, safado?” Ver a cara triste do imbecil, “quem é perdedor, quem é perdedor?”.
O dia em que eu me senti mais foda foi quando eu fui parar na delegacia e cheirei coca lá mesmo, no banheiro. Olhava pra cara do delegado e me acabava de rir por dentro, “eu to chapado, seu porra”. É pra tirar onda mesmo, se fosse por mim eu cheirava na frente do delegado, e ainda oferecia, “é farinha, poh, farinha mágica”.
Cadê minha filha? Minha ex-mulher é uma vagabunda, tem mais é que apanhar mesmo do pai, bate nela, bate nessa vaca sem vergonha, eu gritei no meio da surra que ela tava tomando. Tenho umas três negas e trato todas como vagabundas, e elas merecem, humilho, dou tapa na cara, digo que não quero mais pra ver ela se ajoelhar aos meus pés, e pedir depois pra chupar meu pau. Eu sou o Super homem, quem é Deus, quem é Deus?
Às vezes eu passo o dia inteiro trancado num quarto viajando. Aí eu gasto toda a grana que ganhei dos caras que gastaram toda a sua grana com a coca que eu vendi. A vida é assim, cheia de emoções, mas no fim das contas só a coca me satisfaz. Vida merda, que graça tem? E agora eu tô sem minha filha, cadê minha filha, meu Deus, cadê? Que criança linda, ein? Acho que ela é a única coisa que resta em mim de humano. Ou será que isso é ser humano?
Minha filha... foi por ela que eu parei de cheirar, foi por ela que eu senti febre, tive delírios, e já faz nove meses que não uso coca. De vez em quando bate aquela viagem de madrugada, quem não faz coisa boa de manhã fica sofrendo de noite, né? O sono bom é pra quem tá em paz, e pra mim é só angústia, essa noite que não tem fim, esse dia que não tem começo. São sonhos estranhos, são imagens inconscientes da minha perversão, tenho medo de encontrar comigo mesmo de noite. Eu não quero dormir, é uma entrega, sabe?É como quem não deve nada e vai morrer tranqüilo, o sono é uma morte, e cada dia é uma nova vida. E eu não estou preparado pra morte, nem pra vida. Só me resta cheirar.
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