segunda-feira, novembro 01, 2010

Tropa de elite 2 (2010), José Padilha


Após O nascimento de uma nação (1915), o diretor americano D.W.Griffith foi muito criticado pelo teor racista de seu filme, que curiosamente é considerado por alguns como o filme que "criou" a linguagem cinematográfica - ou mais especificamente a linguagem clássica. Para se redimir do filme reacionário em termos ideológicos e revolucionário em questão de linguagem, Griffith realizou Intolerância, que trazia uma crítica às mais diversas formas de intolerância na humanidade. Assim como Griffith, o diretor José Padilha parece também buscar se desculpar em relação ao seu outro filme.

Alguns me avisaram que Tropa de elite 2 era um filme mais maduro. Concordo. Porém considero o primeiro se não melhor, todavia mais instigante. O primeiro Tropa de elite era mais problemático: no bom e no mal sentido. Ele contribuía para fomentar ideologias fascistas entre os brasileiros por apostar numa identificação perigosa com um personagem envolvido até o pescoço com a violência urbana: o Capitão Nascimento. E por vezes ironizava os intelectuais da universidade que apontam conclusões fáceis diante de problemas extremamente complexos (vide a simplificação da obra de Michel Foucault por um professor numa aula de Direito). Por fim, o primeiro Tropa de elite causava polêmica, dividia opiniões, atraía ódio e admiração pela escolha de um narrador de ética bastante duvidosa. Mas ele não passava de uma mímesis levada ao extremo dos sentimentos dos habitantes das metrópoles envolvidos pelo medo e pela revolta.

Dessa vez não é assim que a banda toca. Por mais que o Capitão Nascimento continue a ser o narrador e herói, o Padilha não deixa a ambiguidade fazer com que o filme fuja ao seu controle. Aliás, até mesmo em termos de distribuição esse filme é mais controlador. O diretor procurou combater a pirataria, e foi criado todo um arsenal para evitar que o filme invadisse as barraquinhas de camelô pelo país. Afinal, sabemos que não era só a redenção o que o Padilha buscava com uma continuação, mas também e principalmemte notoriedade e muito dinheiro.

Nesta edição, Tropa de elite busca se auto-afirmar como um filme de esquerda. Traz inclusive o personagem do deputado Fraga baseado no deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), do Rio de Janeiro, que realizou uma CPI contra as milícias e hoje em dia é ameaçado de morte, mas também foi reeleito e teve como cabo eleitoral Wagner Moura nesta eleição. O nome que Marcelo Freixo recebeu na ficção é baseado no deputado do DEM, Alberto Fraga, que se empenhou contra o desarmamento. Trata-se daquele velho trocadilho que o Padilha gosta de fazer, como colocar o sobrenome de Sandro do Nascimento no capitão do BOPE.

Mas se no primeiro filme os inimigos de Nascimento são os traficantes, agora ele se dá conta de que existe uma rede muito maior de relações de poder envolvidas, abordando essencialmente o Estado. Dessa vez, no enterro do seu amigo policial não é a bandeira do BOPE que é colocada sobre a bandeira do Brasil, como se o BOPE fosse uma espécie de organização paralela, mas sim a bandeira do Brasil, simbolizando o Estado brasileiro, que é posta por cima da bandeira do BOPE.

A construção do espaço fílmico, que elabora o relato de espaço da cidade, também se dá de outro modo: quando a partir do ponto de vista do Capitão Nascimento ainda pertencente ao batalhão do BOPE, esse espaço era produzido no corpo-a-corpo da câmera com o morro; já a partir do olhar de Nascimento enquanto subsecretário de Segurança Pública, temos o ponto de vista a partir de imagens aéreas de um helicóptero e o olhar tecnicista de uma guerra produzida pela indiferença diante de traficantes que morrem como pontinhos na favela, trazendo assim um enquadramento que muda completamente a forma de olhar.

E o filme desenvolve a sua tese dialogando com o cinema americano de gângsters, inclusive com cenas de carros sendo estraçalhados por tiros orquestradas pela leveza do movimento da câmera ou pelo impacto da montagem ágil, e ainda Capitão Nascimento tem muito do mafioso Michael Corleone de O poderoso chefão, como o conflito estabelecido entre seu mundo de poder e violência entrando em choque com o âmbito familiar. Também persiste na escolha da filmagem em câmera na mão, numa aproximação com o cinema novo e buscando também algo de Terra em transe (1967), de Glauber Rocha, no conflito ético e político de Nascimento, agora subsecretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, bem como conta com a mesma ousadia de Glauber em apresentar personagens que representam personalidades da esquerda e da direita do seu tempo; e há ainda algo dos travellings percorrendo a aparente perfeição de Brasília como assim fez Joaquim Pedro de Andrade em Brasília, contradições de uma cidade nova (1967).

Assim Padilha apresenta sacadas geniais quando, por exemplo, representa a morte de André Matias. É neste momento em que Padilha vai de encontro à prática da tortura, que muitos afirmaram ter sido defendida por ele no primeiro filme. De fato, ao adotar a tortura os seus personagens do filme anterior arrancavam verdades dos torturados colocando-os no saco, e em seguida conseguiam prender os traficantes. Na segunda parte, ora ora, André Matias tortura um homem com o objetivo de chegar aos ladrões das armas de uma delegacia. Só que são justamente os policiais das milícias os ladrões das armas. Ao que o assassinato de Matias é representado com ele caindo de costas, após receber o tiro de um colega policial, de forma banal, sem glamour. Sequer vemos o rosto do cadáver do personagem que antes, no último plano do primeiro Tropa de elite, finalizava o filme dando um tiro na cara do espectador.

E se no primeiro Tropa de elite esse tiro na cara de nós espectadores aponta para um niilismo, um clima de descrença quanto a qualquer solução para as dispersas guerras civis travadas nos morros cotidianamente, Tropa de elite 2 mostra a ação política de Nascimento e deputado Fraga na CPI das milícias, demonstrando que acredita na ação do sujeito em prol da transformação social (aquela velha utopia do cinema moderno brasileiro), justo nos tempos em que se fala tanto em "fim da história".

4 comentários:

Pseudokane3 disse...

Vou escrever bem devagar para não parecer um mero espanto superficial:

E-U nun-ca con-cor-dei tant-to con-ti-go quan-to nes-ta pos-ta-gem!

Puxa, cada linha, cada frase... cada opinião!

E o pior é que somente eu e tu parecemos gostar mais do primeiro filme, que era mais "cinema" (gasp!) em sua ousadia subjetivista de um perosnagem que tinha tudo para ser vilanesco mas é tratado como heróico.

Puxa, Tatiana, estou gozando litros agora!
Litros...
gala e mais gala pulula de meu cérebro neste instante!

Depois dê uma passadinha lá no CRÍTICAS DE UM CINEMA NU e veja o quanto temos em comum - até a piadinha com os filmes de gângster!

Ei, tu deixas eu casar contigo?
Ou ser um amante lambedor de pés, sei lá....

WPC>

Pseudokane3 disse...

E, caramba, enquanto blogueiros profissionais, eu e tu, como uma simples foto selecionada diz tanto e tanto e tanto sobre o que escreveremos... perfeito!

AMO-TE, agora mais do que nunca ou sempre!

WPC>

tatiana hora disse...

casamos os três: eu, você e Wagner Moura hahahahaha :D

Fábio Rogério disse...

A minha impressão é que o Tropa de Elite 2 aborda a questão da violência/corrupção/tráfico de uma forma um pouco mais complexa que o primeiro filme. Enquanto o primeiro responsabiliza os usuários de drogas pela violência do tráfico, nesse segundo reconhece que o problema é muito maior, é um problema de estado.