quarta-feira, novembro 03, 2010
A poesia em pânico
Indo atrás das influências do poeta João Cabral de Melo Neto, comecei a ler o poeta Murilo Mendes ontem à noite. Cabral se inspirou em Murilo Mendes na busca por uma poesia concreta, visual, que fala através da matéria. Não li nenhuma análise da obra de Mendes, mas a partir da obra pela qual me inicio, A poesia em pânico (1938), percebo que há nele uma espiritualidade muito forte, que no entanto está num processo dialético com o seu materialismo.
Por vezes ele acredita estar tomado pelo demônio, e chega a afirmar no poema O exilado, "Os sentidos em alarme gritam/o demônio tem mais poder que Deus" - reconhece sua humanidade, e por ser tão humano se encontra geralmente mais próximo do diabo. É atormentado pelo amor platônico por Berenice, e ele diz no poema A usurpadora, "o violento amor que eu deveria consagrar à Igreja" - parece que não se conforma em dedicar a Berenice maior adoração do que ao próprio Deus e à religião. Em toda parte Murilo Mendes observa a profanação do sagrado, própria da forma de sua poesia, que se comunica através das coisas, em A condenação ele declara: "Ai de mim! ai de mim! que vi sempre as constelações em maiô/ que nunca vi Maria na sua glória de imaculada/ que vida toda a verdade por imagens".
Mas Murilo Mendes, como bom cristão, carrega também consigo a culpa - por todas as suas fulgurosas emoções, pelo seu desejo de consumação no amor, pelos erros que possa ter cometido.
O resgate
Vós que pensais atacar as igrejas, vinde a mim, incendiai-me.
Eu sou uma igreja em ruínas que vai submergir
- Não há água do batismo e da graça-
Apontai para o meu corpo, altar e sacrifício,
Para minha cabeça que guarda todas as imagens,
Para meu coração ansioso de se consumir em outros.
Ó filhos transviados do meu Pai celeste,
Aqui estou eu... perdôo a todos e não me perdôo.
Queimai-me.
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