sexta-feira, novembro 12, 2010

Mallarmé

Stéphane Mallarmé, chamado por alguns de "inventor da poesia moderna", é um desses autores que acusam de ser demasiado hermético. E dizem da sua leitura difícil um trabalho antes do que prazer. Alguns de seus textos com os quais comecei a entrar em contato me pareceram difíceis de compreender sim - duas lidas para um poema e ainda a sensação de tanta incerteza. Porém, será que não é tão simples entender o que ele tem a dizer com o seguinte poema em prosa?

Pobre menino pálido

Pobre menino pálido, para quê gritar na rua a plena voz tua canção aguda e insolente, que se perde em meio aos gatos, senhores dos telhados? pois ela não há de atravessar os postigos dos primeiros pisos, por detrás dos quais desconheces pesadas cortinas de seda avermelhada.

Entretanto, cantas fatalmente, com a segurança tenaz de um homenzinho que vai só pela vida e, não contando com ninguém, trabalha para si. Tiveste algum dia um pai? Não tens sequer uma velha que te faça, surrando-te, esquecer da fome, quando chegas sem tostão.

Mas trabalhas para ti: em pé nas ruas, coberto com roupas desbotadas de homem, uma magreza prematura e tão alto para a idade, cantas para comer, com obstinação, sem baixar teus olhos maus para os outros meninos que brincam na calçada.

E teu lamento é tão alto, tão alto, que tua cabeça descoberta a erguer-se no ar à medida que sobe tua voz parece querer-se ir dos teus ombros miúdos.

Homenzinho, quem sabe ela não irá embora um dia, quando, depois de muito gritar pelas cidades, terás efetuado um crime? um crime não é muito difícil de efetuar, basta ter coragem depois do desejo, e tais, que... Teu rosto miúdo é enérgico.

Nenhum tostão desce ao cesto de vime que seguras na mão comprida suspensa sem esperança em tuas calças: hão de tornar-te mau e cometerás um crime um dia.

Tua cabeça se ergue sempre e quer deixar-te, como se de antemão soubesse, enquanto vais cantando de um jeito que se torna ameaçador.

2 comentários:

Pseudokane3 disse...

Hermético gostosinho e fonte de inspiração meliesiana. O suficiente para que eu me torne fã também. Obrigado pela recomendação!

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Pseudokane3 disse...

Lindo poema em prosa...
Mais do que entendido, sentido!
Lindo!

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