sexta-feira, abril 27, 2007

Na saúde e na doença

Ontem minha mãe me falava de um conhecido seu casado com uma mulher acometida pelo Alzheimer. Mamãe disse que o homem ainda amava a esposa, e cuidava dela com todo esmero. Mas ele sentia necessidade de sair, ir ao cinema, a um barzinho, e para isso tinha uma espécie de amante, com quem fazia sexo e outras coisas agradáveis.

A amante sabe que ele ainda ama a esposa. Entretanto, ela não a odeia por isso. Muito pelo contrário, na verdade, a amante até ajuda nos cuidados com a esposa adoentada. Cuida dos dois, marido e esposa, dedicando ao primeiro seu corpo, seu carinho e seus risos, e à segunda, o seu zelo.

Minha mãe achava estranha aquela situação. Contou que o homem às vezes se sentia culpado por achar que estava traindo sua amada esposa, mas precisava se dar o direito de viver a vida. Toda a sua vontade de viver deveria ser castigada? Deveria ele se retirar na dor e se empenhar apenas em cuidar de sua mulher, até que a morte os separe?

Mamãe, apesar de compreender as vontades do homem, de certa forma o repreendia. Já minha avó achava o segundo relacionamento que ele tinha totalmente ofensivo. Até questionava se acaso a enferma não poderia saber, de alguma forma, tudo o que se passava, e não tinha como reagir, o que seria deveras angustiante.

Vovó e mamãe se escandalizaram quando eu disse que aquele era um dos relacionamentos mais harmônicos de que eu já tinha ouvido falar. O marido não tinha nada que se castigar com tanta culpa. Ora, ele não havia abandonado sua esposa, ele cuidava dela com todo carinho e, portanto, era fiel sim a ela.

Por que haveria ele de ser infeliz? Ele deveria se vestir de preto, chorar ao lado de sua esposa enquanto recebe visitas? Por que, se há tanta vida por aí? A sua amante, certamente, não era apenas um corpo para ele. Claro que tinha por ela afeto, amor quem sabe. É provável que ele ame as duas. E a amante me parece muito feliz por cuidar dos dois.

Acho que essa história daria um belo filme de Almodóvar. Ele sabe como ninguém tratar de temas polêmicos no que refere ao amor. Lembro que em Fale com ela Benigno dedica a sua vida para cuidar de uma mulher em coma, até o dia em que, apaixonado por ela, faz amor com a mulher e a engravida. Muitos disseram que ele era um psicopata, e que havia estuprado a moça. Não obstante, a mulher sai do coma e volta a dançar balé. É, mas nesse outro filme, nosso Benigno, ao invés de viver em função de uma mulher adoentada, amaria outra, amaria as duas. E num Almodóvar, a esposa sairia de seu estado debilitado e de repente teria ataques histéricos ao ver seu marido com outra. Quem sabe até mataria os dois. Ou faria um menage.

7 comentários:

Anônimo disse...

acredito ainda naquele amor romântico, que nem o de benigno de fale com ela. ele ia ao cinema, ia aos bares, lia livros e depois contava para a mulher em coma. se sentia feliz em fazer as coisas, mas sempre tendo a amada nos pensamentos, sempre cuidando dela.. dedicando o seu AMOR somente a ela. se deixar eu filosofo em cima daquele filme.. ¬¬
chorei litros assistindo, cheguei a soluçar por quase uma hora depois que o filme acabou ¬¬

sobre o carinha aí.. pode ser idiota da minha parte, mas sinceramente, pra mim essa (pseudo) dedicação pode ser fruto de alguma coisa parecida com sentimento de culpa caso ele a deixe, já que, pelo que eu entendi, ng mais cuidaria dela, com alzheimer, ou sei lá, um amor fraternal, mas amor amor nesse sentido, não.

queria que almodovar fizesse mesmo um filme com uma historia dessas. e que ela (azlheimer) matasse eles dois no final. e eu aplaudiria de pé.

assinado: a pessoa do amor egoisticamente egoistico-individualista puro pra uma pessoa só.

haha

tatiana hora disse...

eu tô ligada que se seu marido tivesse Alzheimer você não ia arrabjar outro.

você ia trepar com ele assim!

haha.

Anônimo disse...

ia sim!
e BEM LIN-DA!

Fabi Lima disse...

Eu, no lugar do cara, já tinha ficado louca ou me matado.

Sei lá... ô vida!

um tal de... disse...

Respondendo à primeira pergunta que vi quando entrei no teu blog: Não, eu não estudei filosofia, eu ainda estudo. =]

Agora quanto à história deste post, para ser bastante franco, a situação é muito complicada. Há quem diga que consegue viver sem sexo. Sei lá, é difícil, mas não chego a duvidar. Por outro lado esse amor romântico e egoista de para uma só e única pessoa me parece impraticável, mas alguma parte lá fundo insiste em me fazer querer acreditar nele. Não consigo dizer o que faria se estivesse na situação do homem descrito, não faço a menor idéia do que faria. Por isso não me atrevo a tomar partido, nem para criticar nem para elogiar. Apenas concordo em uma coisa: isso daria um belo filme sim.

um tal de... disse...

Pequeno deslize: não era uma pergunta e sim um pedido!


¬¬

Anônimo disse...

O problema central, acho, é a definição de amor. O amor é fenômeno da existência ou da cultura? O amor se contrapõe à paixão ou é condição ou consequência dela? Ou não têm nada a ver?

Uma possível resposta: quem quizer que se entenda nos tribunais; ou se entretenha com um filme parodista. Ou vá chorar a existência.