Estou desorganizada porque perdi o que não precisava? Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu, é a minha maior aventura, essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la -, na minha nova covardia, que é como acordar de manhã na casa de um estrangeiro, não sei se terei coragem de simplesmente ir. É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo. Até agora achar-me era já ter uma idéia de pessoa e nela me engastar: nessa pessoa organizada eu me encarnava, e nem mesmo sentia o grande esforço de construção que era viver. A idéia que eu fazia de pessoa vinha de minha terceira perna, daquela que me plantava no chão. Mas e agora? estarei mais livre?
Trecho de A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector.
7 comentários:
Amo esse livro! Essas confusões esclarecedoras de Clarice...
bjs
eu não sei se assim eu estou livre, sabe? mas ao menos estou em paz comigo mesma.
e eu acho que mais vale um herói morto que um covarde vivo.
:*
eu acho que mais vale um herói morto que um covarde vivo.
e não, não tenho a síndrome de clark kent, mas prefiro morrer tentando salvar o que me resta de digno, sabe?
espero que clarice fique bem. e eu tb.. haha
:*
É um trecho do começo do livro, né? Tamanho é o nó que essa mulher me deu na cabeça que até agora eu não pude esquecer essa história de "teceira perna" e de "covardia". Que até agora eu não saí do começo do livro - mas também não saí de muitos outros.
É tão esquisita essa vontade de viver na angústia - ou talvez necessidade. Como se o caos fosse a porta para o transcendental, fosse a quebra da ilusão cotidiana.
De certa forma eu me identifico. Talvez porque eu não compreenda. É um tipo de angústia voluntária, renegação gratuita do que tipifica e dá sentido - gratuita porque realmente não tem finalidade; busca-se com isso não se sabe o quê, ou mesmo não se sabe se aquilo que é buscado tem existência.
Eu a compreendo mais ou menos assim. Daria pra escrever umas dezenas de páginas inúteis.
Você está começando a surtar, Dunya? =P
eu entendo essa terceira perna como uma forma em que ela se encaixou para se sentir mais segura.
vivemos muita confusão na nossa vida. às vezes podemos recorrer a valores, convicções, verdades sobre momentos e pessoas, que nos fazem se sentir mais seguros.
só que a forma em que nos encaixamos, a terceira perna, pode ser, na verdade, uma covardia.
não queremos enfrentar a perdição. precisamos saber pra onde vamos andar, oras! precisamos seguir em frente, só que às vezes recorremos a uma terceira perna para construir uma pessoa organizada. e essa perna, ao invés de nos fazer caminhar, nos prende ao chão.
ela nos livra da nossa perdição, mas nos prende a um modo de ser com o qual não estamos em conformidade, no qual não nos encaixamos.
sei lá. eu vejo por aí. =P
Eu concordo com vc. Exceto com relação à "covardia". Da maneira como ela coloca, parece que há covardia em largar essa "terceira perna", em encarar sua nova condição. No início do fragmento, G.H. afirma que perdeu o que não precisava, logo ela não tem mais a perna estabilizadora, e no parágrafo seguinte ela começa: "Nesta minha nova covardia - a covardia é o que de mais novo já me aconteceu (...)". Em seguida ela diz, reafirmando que está perdida, sem a perna: "é tão difícil [perder-se] que provavelmente arrumarei depressa um novo modo de me achar (...)". Isso significa que ela não se vê covarde por voltar a ter uma terceira perna, mas justamente como consequência de não a ter mais.
Perceba o nó: "essa minha covardia é um campo tão amplo que só a grande coragem me leva a aceitá-la." É preciso coragem ou covardia para se sustentar com uma terceira perna? ou para reaprender a caminhar? aiaiaiai!
A primeira impressão que tive foi exatamente igual à sua. Talvez eu tenha (re)lido o que ela não teve intensão de escrever. Mas eu sei que nunca dá pra ser simplista quando o assunto é Clarice.
(Na verdade, é mais fácil falar de sua vida do que de sua obra - e, por isso, eu normalmente não comento nada de nada sobre ela...)
Enfim... vc já terminou esse livro? Compreendeu o que é a "paixão" de G.H.?
=)
tati, é como vc disse.. a gente tá precisando é de dinheiro. se tivéssemos dinheiro, estaríamos triste nas lojas de roupas, sapatos, livros e nas baladas, agarrando os negos e as negas
terceira perna pra mim é outra coisa #D
hahahahhahahaha
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