segunda-feira, outubro 23, 2006

Cotidiano: parte III

Seu canalha! Uma mulher chorando e gritando em plena avenida cheia de carros de gentes que pagam impostos. Foi assim, de supetão, como foi pra você o início do meu texto, caro leitor. Eu estava distraída, há pouco um homem tivera de buzinar para que meu corpo não rolasse sobre o carro. Bem me lembro que é assim nos filmes. Mas isso não interessa. O que interessa é que uma moça gritava e chorava no meio da rua, e uma mulher com sandálias havaianas passou e seguiu, um homem de bicileta passou e seguiu. Até que uma mulher puxou seu filho e sua sacola de pão, e foi em direção à moça que chorava e gritava no meio da avenida. Tomei coragem para me aproximar dela também. Entretanto, eu era apenas alguém perdida numa daquelas cenas que nos arrancam para o que há de sórdido no mundo.

- Seu canalha, você é um monstro!

- O que foi, minha filha? Quem é aquele rapaz?- disse a senhora dos pães, e eu tentava achar o canalha, mas pra todos os lados só havia homens com passos tranquilos, então o canalha devia também ser um cínico - Quem é, quem é?

- É meu marido - era a resposta que eu e a senhora com sacola de pães esperávamos.

- Mas o que foi que você fez pra ele fazer isso? - Não pude deixar de me indignar com a pergunta da senhora. Então devia haver alguma justificativa para o injustificável? Eu, covarde, não consegui pronunciar palavra.

Enquanto a senhora lhe fazia perguntas, a moça fitava atentamente e marcada de dor amarga algum daqueles homens tranquilos, e eu tentava, mas não descobria qual deles era seu marido frio como pedra do sertão à noite. Deveria ter seus 18 anos, era gordinha, usava uma blusa vermelha e uma calça jeans. Segurava o rosto quase como se estivesse dando tapas na própria cara, e se infringia alguma espécie de castigo privado. A senhora enchia o peito com ar de mulher batalhadora do pão das crianças.

- Vá na Delegacia da Mulher. Você tem que denunciar. Não deixe assim não. Ele tem que aprender.

E a garota correu andando, e adentrou exasperada de fragilidade, em seus passos bambos de lágrima, amor, ódio e surra, desviando do guarda, pela porta do Posto Sinhazinha.

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