domingo, abril 09, 2006

Kika

Sempre tive medo de bichos. Quando era criança, sonhei inúmeras vezes com leões, cães me devorando. Ficava assombrada quando via algum cachorro na rua e me recusava a entrar em casas que tinham cachorros. Engraçado porque era um misto de admiração e medo. Ainda lembro da vez em que fiquei encantada pela pantera negra com suas formas se confundindo com as trevas e seus olhos chispando luz.

Tive uma gata, Pandora, mas morria de medo dela e minha mãe achou melhor levá-la embora. A pobre gata era ignorada por todos daqui de casa, e eu me afastava assim que ela se aproximava de mim. Mas vi na Discovery que gatos têm medo de pessoas que os adoram. Eles gostam daqueles que os temem, pois algo no olhar dos que lhe fazem carinhos é semelhante aos sinais de ataque entre os gatos. Descobri porque Pandora estava sempre me rondando.

Então, minha mãe resolveu um dia desses trazer uma cachorrinha. Ela me perguntou primeiro, com medo de que a cachorra também fosse deixada de lado. Kika veio pra nossa casa, e minha mãe a chamou assim após ter visto e adorado um filme homônimo de Almodóvar. Eu chamava-a Mademoiselle Kika, Lady Kika, e fazia mimo naquela bolinha de pêlo. Às vezes saía de casa e sentia saudades dela.

Pouco tempo depois os dentes de Kika começaram a crescer. Ela ficava o tempo todo me mordendo, e eu achava estranho, ah meu Deus, ela vai ficar grande e continuar me mordendo, poxa, cachorros não mordem os donos, mas é porque é filhote, tomara né. Eu me irritava com Kika, e passei um tempo sem lhe fazer carinhos.

Ela pula, rosna, e isso me dava medo antes. Aí percebi o quanto ela é bobona, então fazia cafuné, e fazia carícias na sua barriga, coisa que ela adora demais. E eu tinha tanta raiva quando ela me acordava de manhãzinha cedo com suas lambidas no meu rosto. Depois passei a gostar, porque ela era meu despertador.

Kika morre de medo da rua, e se agarra ao chão com os olhinhos angustiados quando a levo pra passear. Ela é azoada, faz tudo errado, caga no meio do corredor, destrói coisas, tão carente, e dá mordidinhas e arranha quem chega aqui em casa. Eu brinco “cuidado, ela morde... e dói!”. Sempre detestei aqueles benditos que dizem “ah, tenha medo não, ele não morde”, e o bicho pulando em cima de mim. Divirto-me um pouco com a cara de medo das pessoas, é fato.

Fui me acostumando com ela, e até comecei a gostar de suas mordidinhas. Era uma chateação ela me seguindo pra lá e pra cá. Hoje em dia se ela passa muito tempo sem andar logo atrás de mim, eu sinto falta, e grito, Kiiikaaaa, cadê Kika?

3 comentários:

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