sexta-feira, março 17, 2006

Poetar com Leminski


Estava um dia desses precisando do aconchego de um poeminha. Grande poeta pra me emocionar e ser um pouco mais, Paulo Leminski.


Objeto
Do meu mais desesperado desejo
Não seja aquilo
Por quem ardo e não vejo

Seja a estrela que me beija
Oriente que me reja
Azul amor beleza

Faça qualquer coisa
Mas pelo amor de deus
Ou de nós dois
Seja.
*

Minha amiga
Indecisa
Lida com coisas
Semifusas

Quando confusas
Mesmo as exatas
Medusas
Se transmudam
Em musas
*

Entre a dívida externa
E a dúvida interna
Meu coração
Comercial
Alterna
*

Não possa tanta distância
Deixar entre nós
Este sol
Que se põe
Entre uma onda
E outra onda
No oceano dos lençóis
*

O novo
Não me choca mais
Nada de novo
Sob o sol
*


Minhas sete quedas

Minha primeira queda
Não abriu o pára-quedas

Daí passei feito uma pedra
Pra minha segunda queda

Da segunda à terceira queda
Foi um pulo que é um seda

Nisso uma quinta queda
Pega a quarta e arremeda

Na sexta continuei caindo
Agora com licença
Mais um abismo vem vindo
*

Aqui

Nesta pedra

Alguém sentou
Olhando o mar

O mar não parou
Pra ser olhado

Foi mar
Pra tudo quanto é lado
*

Dois loucos no bairro

Um passa os dias
Chutando postes para ver se acendem

O outro as noites
Apagando palavras
Contra um papel em branco
Todo bairro tem um louco
Que o bairro trata bem
Só falta mais um pouco
Pra eu ser tratado também
*

Dia
Dai-me
A sabedoria de Caetano
Nunca ler jornais
A loucura de Glauber
Tem sempre uma cabeça cortada a mais
A fúria de décio
Nunca fazer versinhos normais
*

Apagar-me
Diluir-me
Desmanchar-me
Até que depois
De mim
De nós
De tudo
Não reste mais
Que o charme
*

Coração
PRA CIMA
Escrito embaixo
FRÁGIL
*

A noite
Me pinga uma estrela no olho
E passa
*

Em la lucha de classes
Todas las armas son buenas
Piedras
Noches
Poemas
*

Não discuto
com o destino

o que pintar
eu assino
*

acordei bemol
tudo estava sustenido

sol fazia
só não fazia sentido
*

você me amava
disse a margarida

a margarida
é doce
amarga a vida
*

pra quê cara feia?
Na vida
Ninguém paga meia
*

O amor, esse sufoco
Agora a pouco era muito,
Agora, apenas um sopro

Ah, troço de louco
Corações trocando rosas,
E socos
*

Podem ficar com a realidade
Esse baixo astral
Em que tudo entra pelo cano

Eu quero viver de verdade
Eu fico com o cinema americano
*

Eu ontem tive a impressão
Que deus queria falar comigo
Não lhe dei ouvidos

Quem sou eu para falar com deuses?
Ele que cuide dos seus assuntos
Eu cuido dos meus
*

Incenso fosse música

Isso de querer
Ser exatamente aquilo
Que a gente é
Ainda vai
Nos levar além
*

Enfim,
Nu,
Como vim
*

Viu-me
E passou
Como um filme
*

Temporal

Fazia tempo
Que eu não me sentia
Tão sentimental
*

Você está tão longe
Que às vezes penso
Que nem existo

Nem fale de amor
Que amor é isto
*

Saber é pouco
Como é que a água do mar
Entra dentro do coco?
*

Vazio agudo

Ando meio

Cheio de tudo
*

Amor é um elo
Entre o azul
E o amarelo
*

Esta vida é uma viagem
Pena eu estar
Só de passagem
*


A noite- enorme
Tudo dorme
Menos teu nome
*

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