Certa vez, numa aula nos primeiros períodos da universidade, as pessoas discutiam sobre crítica de cinema. A maioria absoluta defendia que a crítica é uma prática completamente inútil. O crítico, como manda o senso comum, não passa de um criador frustrado. O próprio Truffaut chegou a afirmar isso em 1955, na revista Arts. Só que não demorou muito para o crítico Truffaut realizar filmes memoráveis, como Fahrenheit 459, Quem atirou no pianista?, Jules e Jim, Os incompreendidos, entre outros.
Além de criador frustrado, o crítico pode ser acusado de cabeçudo demais, teórico que vive no mundo das nuvens refletindo sobre coisas que não levam a lugar algum. Daí que a gente tem aqueles bons e velhos exemplos de críticos como André Bazin, fundador da revista Cahiers du Cinéma, a maior revista de crítica de cinema do mundo, e aqui no Brasil temos o Paulo Emílio Salles Gomes, que contribui e muito para a formação de uma cultura cinematográfica brasileira. Eles não realizaram filmes, entretanto, não foram poucos os cineastas que se inspiraram neles - dá-lhe Nouvelle Vague na França e Cinema Novo no Brasil.
Mas por que o crítico tem uma imagem tão negativa? Arrisco uma resposta: há pouquíssimos críticos que valham a nomenclatura que lhes é auferida. A maioria dos "críticos" é formada por pseudo-críticos. Vamos a alguns dos procedimentos desse tipo de crítica.
Antes de tudo, a fama que o crítico tem de ser uma pessoa ranzinza advém dos pseudo-críticos. Eles acham O MÁXIMO sair desferindo os mais duros impropérios contra os filmes alheios. Por isso que certa vez o crítico Jairo Ferreira fez questão de esclarecer em um texto seu - "não estou sendo irônico nem maldoso, estou sendo crítico". Para Jairo, sarcasmo barato é uma coisa e a crítica é outra, o que não funciona tendo em vista a maioria dos críticos. O sarcasmo é uma forma de argumentação bastante atraente às vezes, entretanto, os idiotas se utilizam dele a esmo. Não gostou do filme? Então lá vem uma enxurrada de piadinhas que não se baseiam em nada além do pretenso humor "inteligente" do pseudo-crítico, e que têm como critério apenas o "gosto" ou "não gosto".
Na hora de elogiar, os pseudo-críticos são mais imbecis ainda. Eles não se sentem seguros o suficiente para exaltar um filme - afinal, pega mal pra caramba dizer que tal obra é um dos melhores filmes do ano, e depois conferir a opinião da galera da crítica e ver que está todo mundo metendo o sarrafo - então o pseudo-crítico dá um saque nos textos do pessoal primeiro, e seguindo a levada dos críticos renomados reproduz a opinião deles, ou até mesmo algumas palavras. Como se não bastasse, na hora de elogiar o filme não faltam análises vagas, repletas de adjetivos - já disse que adjetivo é a principal arma dos estúpidos? Então o cara não sabe porríssima nenhuma do que está falando e entope o texto de observações brilhantes como "a fotografia é belíssima", "a atuação é bastante convincente" ou "a trilha sonora é tocante". Tais opiniões só evidenciam uma coisa: o quanto o pseudo-crítico não sabe sobre estética do cinema e fica rodopiando em adjetivos que não falam coisa com coisa.
Agora, se "os críticos" têm essa má fama, a gente sabe muito bem de onde ela vem. Então muita gente fala que a crítica é inútil e que prefere ver o filme sem influência de ninguém. Só acho que a função da crítica não é dizer a verdade, mas tão somente prolongar o debate, e assim o filme dura mais do que aquele tempo que passamos na sala de projeção. Acredito que a crítica não serve para "ensinar" a interpretação mais aprofundada do filme, todavia nos chama atenção para certos aspectos, e nós até podemos ir além das palavras do crítico a partir do incentivo da discussão e, destarte, indentificarmos outros tantos aspectos numa obra cheia de possibilidades.
6 comentários:
Acho que você tem razão, Dunya. Em boa parte. A crítica é importante (claro) e tão complicada quanto a criação. É, como a crônica, o ensaio etc, etc, uma categoria literária: difícil e de raros, raríssimos talentos. O risco, talvez, seja achar que o crítico está acima de qualquer gosto e que pode ter uma perceptiva aérea, de cima a respeito daquilo que crítica - até acho que não foi bem isso que você quis dizer. No mais, o crítico é – acho eu, acho eu – alguém que conhece determinado assunto do qual pode fazer ligações inteligentes, correlações com obras anteriores de um modo atraentes e inesperado. Não vive apenas de estar certo ou errado (Aliás, discordo de vários críticos, entre os quais, ainda assim, vá lá, admiro). Exemplo: James Wood: odeia o Pynchon e ainda ontem li umas bajulações à Saramago – comigo, Saramago é complicado – nem sempre gosto (longa história). A respeito desse gosto do Wood, eu acho o inverso, mas nada me impede de dizer que o Wood é um crítico cá de casa. No fundo é aquilo que o Wilde dizia: uma crítica não está certa ou errada; está é bem ou mal escrita. Bom. Já chateie um bocado, mas é só. Forte abraço.
Ah, sim, dizer que um cineasta (ou escritor, ou músico, etc, etc) é frustado não é o mesmo que dizer que é um mal cineasta (ou escritos..). Há diferenças. Vai ver foi isso que o Truffault quis dizer.
com certeza eu não acho que a crítica é a voz da sabedoria, até porque discordo muuuitas vezes de muitos críticos. há filmes no top de listinhas dos 10, 20, 100 mais que eu simplesmente não suporto.
é como disse, acho a crítica importante para provocar debate.
quanto ao Truffaut, olha, ele realmente detona os tais críticos, como se fossem pessoas incapazes de fazer filmes e que, por não saberem filmar, exercem a crítica. esse texto dele tem o título "os sete pecados capitais da crítica" , imagina a pancada que não é...
mas é como disse, o Truffaut pagou a língua, pois depois se tornou um excelente cineasta, além de crítico.
Oi. Então... vou te dizer alguma coisa já que estudo filosofia. Existe, no romantismo alemão, um pensamento importante acerca da função da crítica de arte. Em autores como Novalis e Schlegel, a crítica não apenas complementa ou aperfeiçoa a obra de arte, como também a própria crítica é considerada obra de arte. A Arte pensa a si mesma, ela é um centro de reflexão infinita. Para essa corrente filosófica, a crítica apresenta algumas características, como infinitude, imperfeição, imanência, reflexividade, etc... A identificação de uma obra de arte se dá justamente pela possibilidade da crítica, do contrário, não estaremos diante de uma obra de arte. Essa crítica não é exterior, mas é um desdobramento da obra, nesse sentido dizemos que a crítica é imanente. Toda obra de arte para ser considerada como tal, deve possibilitar o desdobramento da crítica a partir de seu interior, de si mesma. A crítica é a própria Arte pensando a si mesma, refletindo a si mesma.
Segundo os românticos, a crítica suporta uma carga de ironia. Porém, há dois tipos de ironia: uma ironia formal e outra material. A ironia material se faz presente na crítica meramente subjetiva, atendo-se nas contingências da obra (sua materialidade, sua forma-de-exposição), pretende-se elevar esta última, mas na verdade a despreza ao negligenciar a inserção na forma absoluta de arte. Uma tentativa vã. Podemos dizer que se trata apenas de uma questão de gosto. Já não acontece o mesmo com a ironia formal. A ironia formal se apresenta da seguinte maneira: ao desprezar a forma-de-exposição da obra de arte, ao mesmo tempo, eleva-a à forma absoluta da Arte. Destruindo a obra (sua forma-de-exposição), tornámo-la indestrutível (lançamo-la no Absoluto da Arte). Nesse caso falamos de uma crítica objetiva.
Claro que a noção de crítica, tal como aparece nos primeiros românticos, necessita do esclarecimento de uma outra noção: a de reflexão. Porém, paro por aqui. Sugestão de leitura: "O conceito de crítica de arte no Romantismo alemão" - Walter Benjamim.
Nós fazemos criticas todos os dias. A diferença é que alguém quis escrever e publicá-las.
E na verdade a crítica em si não importa. Quem escreveu a crítica precisa ter mais ou menos os mesmos gostos que o meu para que eu aprove. Estou sendo apenas realista. Uma crítica construtiva alheia é válida apenas para quem segue ou consegue entender uma linha de pensamento baseando-se nas suas próprias idéias.
Quem é aficcionado por filmes de ação não gosta de filmes de drama por exemplo.
Portanto essa pessoa irá procurar por críticos que também gostam desse gênero. É só observar a quantidade de aficcionados por ficção científica que organizam-se em uma sociedade quase exclusiva e que escrevem críticas para outros aficcionados.
Postar um comentário