segunda-feira, janeiro 29, 2007

Criança, camelo, leão

Desde pequenos, nós somos filósofos. É como a criança em Asas do Desejo que pergunta: "onde eu termino e você começa? por quê eu estou aqui e não ali?". Veja como esse tipo de questionamento, muito frequente entre crianças, foi feito também por aqueles que deram os primeiros passos na história da filosofia, afinal, a investigação central dos metafísicos era acerca do Ser, da existência, dos limites entre o sujeito e o mundo.

Depois de aprender alguns signos, como quando dizem "mamãe", as crianças começam a perguntar o porquê, mas ninguém tem paciência para lhes dar respostas, pois as perguntas se sucedem. Porque sim não é resposta. Mas a mãe, impaciente, diz logo que é porque sim e está acabada a discussão.

Depois, na escola, elas pouco falam em sala de aula. Ficam diante de alguém que está ali para lhe ensinar como se a criança estivesse vazia, e os adultos esquecem de que, assim como os primeiros metafísicos, elas também se questionam sobre o mundo, as palavras, as coisas.

Então no Ensino Médio, só ouvem falar em vestibular e escrevem V ou F. Duas letras apenas para dar a decisão final acerca da verdade, que se mostra tão exata e inquestionável. Não obstante, se fossem essas verdades tão certas, como teria a filosofia, assim como a ciência, mudado tanto? Não, quase nada é dito, e só se opta pela veracidade ou falsidade do que um outro diz.

Na universidade, lidamos com gigantes com uma linguagem que parece querer ser uma linguagem acima da linguagem, e um humano acima do homem comum. Mas esses intelectuais um dia teceram explicações que provocaram risos dos seus pais. Agora suas teses parecem tão distantes do pensamento de uma criança.

Nietzsche, em Assim Falou Zaratustra, disse que era primeiro criança, depois camelo, então leão, para, finalmente, voltar a ser uma criança que ainda se arrasta pelo chão. Tudo porque ele afirmava que a convicção é maior inimiga da verdade do que a mentira. A criança seria a ignorância, o camelo aquele que carrega o conhecimento, o leão aquele que chegou à verdade, para depois ser criança, e voltar ao ponto inicial, ou seja a novos questionamentos.

Ah, mas tudo é verdadeiro ou falso, V ou F, e nós não voltamos ao ponto inicial porque temos de progredir, e assim segue a civilização. Mas eu ainda acho que desde pequenos somos filósofos.

4 comentários:

Danilo disse...

acho mesmo é que só a criança - tanto a criança ideal de Nietzsche,
quanto a criança de fato - é que podem filosofar com alguma
honestidade. O resto chama pedância.

Interaubis disse...

só deixa de ser filósofo aquele que cansa de procurar, e prefere (ou PRECISA) encontrar logo a Verdade
e esses são os seres mais chatos do universo!
:)

Anônimo disse...

Que conclusão desesperançada! Quer dizer que vc está se tornando adulta, Dunya? Eu diria que "achar que 'somos' filósofos desde pequenos" é um pensamento muito hesitante; melhor afirmar que "fomos" filósofos quando pequenos.

A leitura do post me fez lembrar o "Mundo de Sofia". Uma historinha pra adolescentes. Eu até gostei, não nego, mas pensando bem, J. Gaarder infantiliza um pouco a filosofia, né?... Se bem que num mundo tão racional, tão "adulto", como o de hoje, filosofia parece coisa de criança - e não me espanta o ceticismo com que ela é tratada por leigos. E também não me espanta que eles sejam estúpidos o bastante para criticar o que desconhecem. Eu, pelo menos, sou um estúpido que busca conhecer. (parece afirmação de Sócrates, né? kkkkkkkk. Mas meu caso, pelo contrário, é verídico!)

tatiana hora disse...

hum, não li O mundo de Sofia, Diogo, mas me dizem isso, que ele infantiliza a Filosofia.
eu gosto de Filosofia, do pouco que conheço gosto muito, o que não me impede de criticá-la. principalmente quando alguns filósofos acham que elaboraram uma metateoria para explicar a realidade quando, na verdade, só fizeram confusões linguísticas. Ou quando não reconhecem que a Filosofia não está tãaaaao distante assim do senso comum, pois é a partir dele que se estrutura o conhecimento, que depois pode levar a outros caminhos.
lembro que você disse sei lá quantas vezes nesse blog que as pessoas pensam de um jeito parecido. pois então.