segunda-feira, setembro 18, 2006

A vitrola


Tati demorava-se muito tempo no parapeito da janela vendo o mar, vendo a vida. No arranha-céu entravam centenas de embrulhos de encomendas. Que haveria dentro deles? interrogava. Que vontade de abri-los para ver o que têm dentro!

Na calçada, nos ônibus, nos bondes, desfilavam os gigantes, gente que não brincava, ocupada com qualquer coisa que Tati não compreendia e que era um mistério. As mulheres que passavam na praia pareciam-lhe divindades...

Algumas dessas divindades não costumavam pagar as contas. Manuela teve prejuízo. A dona da casa sabia disso. Entretanto, veio declarar à costureira que não podia esperar mais, o atraso já era grande:

- A senhora compreende, não é? Eu não quero desconfiar de ninguém... Longe de mim... Mas os impostos estão cada vez... A senhora sabe... Além disso, estamos no fim do ano, vem aí o reveillon, as minhas filhas precisam se divertir, tudo são despesas... A vida está difícil.

Tati, chegando da praia no momento, interveio na conversa das duas mulheres:

- Fizemos uma montanha de areia, mamãe, que só você vendo...

- Espera, minha filha, deixa tua mãe conversar.

- ... E lá em cima pusemos, sabe quem? Carolina...

- Em todo caso, prosseguiu a proprietária, ainda posso esperar uns três dias.

- Depois, continuava por sua vez Tati, fizemos um buraco que acho que vai sair na Europa...

- Não atrapalha, menina! gritou a costureira, afastando a filha. E virando-se para a proprietária:

- Mas a senhora podia deixar que eu levasse ao menos a máquina para terminar algumas costuras.

- Só se deixar a vitrola, como garantia.

A proprietária ficou satisfeita, as filhas teriam vitrola para dançar. E Manuela deixou correr uma lágrima.

Trecho de Tati, a garota e outras histórias, de Aníbal Machado

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