quinta-feira, dezembro 14, 2006

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


(...)E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)(...)



Trecho do poema Tabacaria, de Álvaro de Campos

4 comentários:

Anônimo disse...

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


(...)E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu par

Anônimo disse...

Tenho a maior vontade de conhecer A. de Campos. Claro que eu conheço Tabacaria, famosíssimo, embora eu só tenha os livros de Reis e Caeiro (eram as obras completas mais baratas =P), e o livro do desassossego...

O fato é que não gosto de falar com ninguém sobre Pessoa. As pessoas ficam viajando, sitando frases soltas e desconexas - "como isso é lindo e transcendental!", ou dizem que ele é um psicótico de múltiplas personalidades, falam da vida dele como num programa de fofocas.

Enfim, se por um lado é bom que vc não tenha divagado além da compreenssão e da imaginação sobre como é inesquecível a leitura do grande poeta, por outro, a falta de comentários seus me deixa em dúvida sobre a própria função de existência do post. (Às vezes eu me pergunto a razão de estar comentando coisas tão desnecessárias. Dizem que isso é mal do signo de Capricórnio.)

tatiana hora disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkk

bem, esse post se deve unicamente ao fato de que Tabacaria é um poema que tem tudo a ver comigo. Trato esse blog como se ele fosse uma espécie de agenda de guria, ou seja, qualquer trivialidade pode virar post.

Você disse estranhar o fato de eu não ter dito nada a respeito do poema. Não comento porque não sou crítica literária. Minha paixão pelo que leio é ingênua. Se eu um dia comentar, provavelmente será algo sem nenhum método.

Bem, o que quero dizer é que não posto poemas, trechos de livros, etc, pra bancar a intelectual. Talvez você, capricorniano, esteja levando meu blog a sério, querendo que eu escreva coisas fodas.

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkk!!
Ih, eu tenho mania de levar as coisas a sério mesmo! =P

Pois, todas as minhas tentativas de crítico literário foram muito xoxas.. mas eu acho que a gente precisa tentar e tentar, e se informar sobre o que se está dizendo. Eu nunca gostei muito de poesia em geral. Gosto daqueles poetas com os quais me identifico. Pessoa é um deles. Acho que porque ele é um grande frustrado - mas tb escreve bem pra p****!!!

Quanto a esse negócio de Pimba: existe uma verdadeira inquisição por aí, disposta a maldizer qualquer um que se atreva a comentar sobre autores com nomes de difícil pronúncia. Uma corrente cética, que prega o desapego coletivo à arte e à literatura (a tudo o que seria "intelectual"), e exalta o valor de coisas mais "terrenas e palpáveis". Mas pode tb ser uma crítica ao pedantismo... (kkkkkkkKK! Que tom sério ficou isso aqui!). Eu acho dá pra reconhecer um exibicionista de cara. Não tem nada de mais falar pq seria interessante ler Wittgenstein - mas é completamente tosco 'citar' o cara numa roda de pessoas leigas. Eu mesmo tenho as caras de perguntar do que se trata. Às vezes você até percebe que nem a própria pessoa sabe do que está falando..

Ps. Po, Tatiana, da próxima vez que eu te encontrar, eu falo com vc... eu sou meio envergonhado. =)