segunda-feira, junho 27, 2011

Metade

Hoje uma amiga comentou no meu facebook perguntando se eu tinha abandonado o blog. Daí resolvi escrever este post.

Desde que cheguei aqui em Belo Horizonte, minha vida entrou num ritmo muito intenso. Muita gente nova, muitos lugares novos, algumas belas experiências, outras muito ruins. Em geral, uma dificuldade muito grande de lidar com o novo e o desencanto com alguns moinhos de vento...

Uma coisa engraçada é que eu só me tornei nordestina quando cheguei aqui. Para as outras pessoas, não tenho uma "identidade sergipana", mas sou vista como nordestina. Dizem que meu sotaque é carregado. Gosto disso. Apesar de ter pego algumas manias mineiras, como falar uai e nó, minha fala ainda é muito nordestina.

Sinto falta especialmente da praia. Na minha mente muitas vezes vem a imagem do mar, o barulho das ondas. Acho que quando eu observar o mar em Aracaju finalmente me sentirei em casa.

Gosto de Belo Horizonte, mas não me sinto em casa. Não sei se isso é passageiro, ou se é Belo Horizonte que é passageira na minha vida.

Amo muito o que estudo. Uma coisa interessante é ver como evolui, como minha pesquisa mudou completamente (até mesmo o objeto de pesquisa), e foi se tornando mais complexa, mais bonita. Dá trabalho, passei por muitas críticas e leituras, mas é gostoso ver as coisas mudando pra melhor.

Mas uma coisa da qual sinto falta é o tempo para leituras não-obrigatórias. Como essa aqui:

Metade

Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio…

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste…

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas,
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto,
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim
é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade…
também

Ferreira Gullar


3 comentários:

Pseudokane3 disse...

A mesmíssima coisa que aconteceu comigo: já fui duas vezes a Recife, mas só adquiri o "visse?" quando fui a Minas Gerais: mais do que ser nordestino, aí eu precisei me agarrar a tudo o de mais evidente que eu pudesse para demonstrar isso! (risos)

Visse?

WPC>

Boca da Noite disse...

Li Ferreira Gular e amei a poesia de Álvaro de Campos

Unknown disse...

A propósito, esse poema é de Osvaldo Montenegro, gravado por ele em música. O de Ferreira Gullar é Traduzir-se, que foi gravado por Fagner.