segunda-feira, abril 07, 2008
Quando Olívia deixou de ser mulher
Quando me olhei no espelho e me vi sem os seios, senti que não era mais mulher. No ônibus, o homem absorto no decote da moça lembra-me do desejo que por mim ninguém terá. Não que eu não queira ir à praia ouvir o barulho fluente das ondas, caminhar pela areia macia catando conchas até ver o sol se pôr. Não que não deseje mais os homens que se entretem no jogo de futebol. Não que tenha deixado de adorar um bom copo de cerveja gelada em contraste com o calor do sol e sua luz fustigante, nem tenha perdido o gosto por me distrair a descascar os amendoins um por um. Entretanto, agora tenho vergonha deste meu corpo, não ousaria vestir uma roupa de banho, para desfilar como as moças bonitas que se estendem na areia mais para tomar olhares do que para tomar sol. O meu sutiã guarda um seio falso, devo ficar bem na roupa. Mal sabe o homem que me convidou para sair à noite, que não tenho mais o seio que me fazia mulher. Por isso lhe respondo com um não. Antes a dor de negar a vontade de estar com aquele rapaz, do que a humilhação de vê-lo desapontado a vestir o meu seio, e me entregar as minhas roupas, e chamar o taxi, para então se despedir com um beijo na testa como prova de polidez. Passo horas diante do espelho a chorar pela feminilidade perdida. Nos outdoors, as moças, tão formosas em sua quase nudez, invadem meu olhos repletas de feminilidade na passagem da rua enevoada de carros. Mulher no seu corpo, corpo de mulher, o que mais uma mulher deseja em si e observa nas outras é o corpo. Nunca mais um homem vai querer conhecer o sabor deles, nunca mais terei o prazer do toque no meu peito. Não sou mais mulher, nem sou também um homem, apenas alguém de quem arrancaram uma parte. Sou uma sobrevivente, a morte passou por perto. Que interessa ser uma sobrevivente?
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Um comentário:
Hum, eu tinha comentado antes. mas, não postou porque eu estava na conta de Rogério, eu acho. Mas, vamos lá ao que havia escrito;
"hum castração da feminilidade? Castração por cont de um modus vivendi? Bom, forte, no mínimo.
Isso de se ter um seio só me lembra a história, verídicca, de duas mulheres que estiveram perto de mim.
Pra além de julgamentos: é uma mulher que se olha no espelho e não se vê. Ou se vê aos epdaços. Mesmo que ela compactue com a ditadura do corpo perfeito.
E o estilo econõmico que você usa nesse conto solapa a gente de qualquer perspectiva. isso nos msotra o quanto pdoemos ser prisioneiros de nós mesmos.
obrigada por ter mandado o link.
Grata. Mesmo.
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