quinta-feira, setembro 27, 2007

Pelos monges de Mianmar


Hoje fiquei triste lendo o jornal. A imagem era de monges que protegiam uma corrente humana na luta contra ditadura imposta ao povo de Mianmar, numa manifestação que despertou a ira dos poderoso do país, e em que foram lançadas bombas de gás lacrimogênio nos protestantes, e com luta física resultante em alguns feridos. São diversos protestos acontecendo nos quatro cantos do país e agora o mundo teme que o massacre que ocorreu em 1988, que resultou na morte de três mil pessoas, se repita.

Ao mesmo tempo em que fiquei triste com a miséria humana, contentou-me o fato de ver mais de 100 mil pessoas envolvidas na luta contra um governo autoritário. Admirava-me ver gentes correndo sérios riscos de morrer numa manifestação de um povo que está cansado de ser explorado, silenciado, de ter seu grito contido. Depois de tantos protestos, o governo daquele país determinou que fica proibido haver grupos de mais de cinco pessoas nas ruas, mas a população continua protestando.

A tristeza que me causou a notícia, não era pra ser tristeza. Recolho-me, como muitos, diante da desgraça, e passo para a próxima folha do jornal. Não era pra me conter na apatia, o sentimento correto seria a indignação. Eu deveria fazer alguma coisa. Mas a grande pergunta é o quê.

Sei que muitos se sentem impotentes, como eu me sinto agora. E aí nós ocidentais ficamos recolhidos diante das desgraças humanas mostradas na televisão, como se elas fossem apenas o capítulo trágico de uma novela ruim. Ficamos do lado de cá nos sentindo integrantes de uma democracia, falamos mal das barbaridades dos orientais, e deixamos pra lá. Parece que somos livres. Agradecemos por sermos um país pacífico. Esquecemos que há não muito tempo vivemos numa ditadura militar que prendeu, torturou e matou centenas de pessoas.

Outra coisa que me chamou a atenção foi a relação entre religião e política. Vemos monges utilizando a sua áurea de homens sagrados para proteger a população. Sabemos que se algo fosse feito contra eles, o governo daquele país teria sérios problemas. E isso me fez lembrar dos padres da Teologia da Libertação, que lutaram por justiça social nos tempos de ferro. Pergunto-me sobre esses homens, que tanto me lembram Cristo, que lutam contra o mal na encarnação de todos aqueles exploradores.

Sem cair naquela velha conversa de falar do imperialismo americano, eu prefiro questionar agora onde é que está a força das nossas manifestações ou da nossa religião (e digo isso enquanto pessoa que não tem religião). Do lado de lá, tudo parece mais intenso, as cores são mais fortes, os valores mais rígidos, os sujeitos mais centrados nas suas convicções. Do lado de cá, uma certa apatia política, um catolicismo não-praticante, uma falta de consistência em tudo. No meio disso tudo, eu não acredito em Deus, nem num mundo justo, meu candidato favorito agora me parece um idiota, e alguns movimentos não me servem mais de referência. Fico triste lendo o jornal, sem acreditar em nada, e acabou-se. A notícia ruim continua sendo uma notícia ruim, como se tudo não passasse de um espetáculo trágico.

4 comentários:

Anônimo disse...

Penso que essa coisa de salvar o mundo realmente nunca existiu. Se existisse, os EUA já tinham metido bala nesses ditadores. Como no Iraque, não é mesmo...

Mexer com a elite não é brincadeira. Ela domina a economia e a política - e isso influencia bastante, e diretamente, a vida das pessoas. Pode parecer um termo muito vago, um inimigo invisível (como o sistema, não é mesmo..) mas em cada região determinados grupos constituídos historiacamente detém o poder político, e o aparelho oficial de proteção (ou repressão) costuma funcionar para eles.

Como intervir diretamente nesses países sem provocar uma guerra de larga escala? Fechar as fronteiras comerciais e deixar os pobres morrerem de fome? A situação é mais complicada do que parece.

E o que resta pra gente? Pra gente que pertence a um grupo que ainda consegue viver confortavelmente, ilhado num mar de miséria? Sentar e assistir TV, fazer compras nos shoppings, ou arriscar o nosso conforto e lutar por um povo que vive mal, mas, em nosso lugar faria o mesmo - considerando que somos quase todos influenciados por uma ideologia consumista? O que fazer? O que fazer?

Anônimo disse...

Acho que misturei tudo...

Enfim, eu queria dizer que não sou pessimista, nem conformista... nem comunista. Se vivemos em democracia e pessoas passam por necessidade básicas, urge socorrê-las. E lhes dar condições mínimas para que possam viver plenamente.

Também por viver em sociedade democrática repudio de forma geral toda ditadura política.

Meu problema é que não acredito em bondade. Talvez em solidariedade..

tatiana hora disse...

pô, eu tenho uma forma de pensar parecida com a sua, Diogo.

também não defendo qualquer tipo de ditadura. e ainda não acredito em bondade. talvez se a gente falasse em bondade soasse até bastante ingênuo, não é?

sei lá...
eu só fico besta quando vejo aquelas pessoas tão centradas em seus valores... talvez porque lá a cultura esteja muito mais determinada do que em países como o Brasil, que são uma vasta mescla de identidades, culturas, etnias, etc...
sei lá. o.O
agora po, ao mesmo tempo em que concordo com algumas coisas, vejo que são concordâncias que, na essência, acabam se discordando. enfim...
isso daria muitas horas de conversa!

Anônimo disse...

Acho que eu entendo o que vc quer dizer. É como se em nós faltasse a vontade e a convicção dos monges e cidadãos de Mianmar. E isso vc percebe sob uma ótica cultural.

Por outro lado, a gente não conhece bem (ou quase nada) a história ou a cultura daquele povo e nem as diversas condicionantes da dimensão desse conflito. Nos noticiários a imagem é de policiais e militares que não dão vez a qualquer tipo de manifestação nas ruas (mesmo a uma caminhada pacífica de monges budistas). É estabelecido, de cara, quem são os mocinhos e os vilões. Isso me faz lembrar a atual jihad contra os americanos - e a consequente definição midiática de papéis para cada um dos lados do conflito.

Para mim, a formação de opinião massificada, como a das grandes empresas midiáticas, é muitas vezes construída com base em argumentos muito sintéticos e geralmente unilaterais. Desse modo, considerando que eu não sou jornalista, político ou diplomata, nem especialista em questões políticas, prefiro ficar em cima do muro acerca dessas questões e me fazer surdo às críticas sobre quem adota esse posicionamento (por que para mim, essas críticas são simplesmente ingênuas).

No caso do Brasil, vale lembrar que a nossa ditadura foi uma das mais amenas da América - nada que que se compare às dezenas de milhares de mortos e desaparecidos chilenos. Não quero, apesar disso, diminuir a importância de nossos movimentos anti-ditadura. Para nós, brasileiros, eles até hoje influenciam bastante a maneira como é construída a nossa democracia.

O que eu percebo hoje em dia aqui no Brasil é uma forte tentativa de desmotivação dos movimentos sociais. Basta lembrar a maneira como foi noticiada a tentativa de invasão da prefeitura de São Paulo(?, não me lembro bem...) pelos Sem-Terra, ou mesmo as falas de nosso digníssimo presidente sobre a comportamento desidioso de nossos aposentados. E isso é feito com tal sutileza democrática que a culpa, no fim, sobra pra nós mesmos, que somos indolentes e brasileiros....

(Enfim, eu adoro extender e extender os raciocínios... e mesmo assim daria pra falar por mais algumas horas a fio. kkkkkkkkk!)