segunda-feira, abril 04, 2011

Notícias de casa (1977), Chantal Akerman


A cidade se transfigura a partir das elaborações de espaços produzidas pelos seus passantes. A cidade é concebida como "um lugar de passagem", redesenhada pelas práticas de espaço de seus habitantes e mesmo pelos translados realizados através dos transportes coletivos, como já disseram certa vez Michel de Certeau, Walter Benjamin e Canclini.


É esse olhar de passagem que a cineasta belga Chantal Akerman apresenta em seu filme, que percorre as ruas de Nova Iorque em grande parte a partir de delicados travellings, com a câmera situada em automóveis, metrôs... E os passantes atravessando sinais, esperando o transporte coletivo, ou mesmo dentro do próprio metrô envolvidos no tédio, na espera pela chegada a algum lugar. Em outros momentos essa câmera, em plano geral, permanece estática, situada ao centro da rua, com o enquadramento a enfatizar um horizonte que se configura como uma estrada em direção a uma espécie de infinito.


Um filme, uma carta. Ouvimos uma voz over ler uma correspondência destinada a uma personagem com o mesmo nome da cineasta, Chantal. É sua mãe quem lhe envia cartas, sempre se queixando de uma imensa saudade que ela sente desde que sua filha foi embora para Nova Iorque. Sua mãe pergunta sempre como, afinal, é a cidade de Nova Iorque. Pede por imagens, fotografias da cidade. Conta que ouviu dizer que essa metrópole é muito perigosa.


Mas o que vemos no filme de Chantal nada tem a ver com os filmes mais violentos ou mesmo românticos filmados em Nova Iorque, nem com as mais comuns imagens midiáticas que expõem aqueles lugares típicos da propaganda elaborada pelo turismo. Antes uma rua suja, uma porta de metrô pichada, arranha-céus atrás de passantes indiferentes. É antes um capitalismo decadente, contradições sociais, tédio daqueles que não contemplam a cidade. Uma incomunicabilidade entre a cidade e os homens, e os homens entre si.


E a cidade só se torna uma paisagem urbana quando a câmera se situa a partir do ponto de vista do rio. Um leve travelling, para depois pausar diante dos altos edifícios que convivem lado a lado com os pássaros, com o rio... e também um céu acizentado, poluído. Um olhar melancólico, eu poderia dizer. Mas também um olhar contemplativo que, talvez, só tenha encontrado a possibilidade de contemplação nesse lugar entre a natureza e o urbano.