segunda-feira, agosto 30, 2010

Para os que se acham espertos

For well you know that it's a fool,
who plays it cool,
by making his world a little colder.

De Hey Jude, dos Bealtes.

Somente só

Enjoei, cansei, estou sem vontade, quero estar sozinha.

sábado, agosto 28, 2010

John, Johnny


Eu não sabia que Inimigos públicos (2009), do Michael Mann, filme que vi nesta madrugada de sábado para domingo, era baseado na história de um bandido de verdade, o John Dillinger, neste filme interpretado por Johnny Depp. Enquanto assistia ao filme, por diversas vezes pensava "nossa, como essa história é falsa, nunca que isso ia acontecer", e aí, como eu adoro mentiras e filme de gângsters, logo me senti atraída pela obra.

Mas então lendo críticas da Contracampo e da Cinética, eu descubro que o tal de John Dillinger existiu e assaltava bancos no período pós-Grande Depressão, não importa quantas mentiras o diretor tenha contado mesmo assim. E achei genial uma das últimas cenas, em que John Dillinger está no cinema assistindo a um filme chamado Vencido pela lei, e ele se identifica com a história e o perfil do personagem interpretado por Clark Gable. Aliás, o Michael Mann constrói o John Dillinger como um homem que gosta da fama, dos holofotes, do espetáculo (do qual o cinema também faz parte): vide a cena em que ele dá entrevista após ser preso e se mostra todo cheio de si diante da imprensa.

Enquanto ainda teimava que o filme era muito mentiroso, eu me fascinei pelo personagem do Johnny Depp. Primeiro que ele se apaixona por uma mulher chamada Billie, e diversas vezes a trilha toca músicas da Billie Holiday (aí eu já vou ficando facinho). Segundo que, quando ela diz que é descendente de índios e trabalha pendurando casacos de ricos, afirmando em seguida que os homens não gostam disso, John Dellinger, se fosse um homem comum, desconversaria. Mas ele reconhece nela o que o encanta: a marginalidade, que ele viveu desde quando ficou preso durante 10 anos por roubar 50 dólares.

Vale ressaltar: a cena em que ele está na sala de investigação do "caso Dellinger", e pergunta "quanto está o jogo?" aos investigadores que assistiam à televisão, ao que eles dizem o placar e voltam a ver o jogo, incapazes de reconhecê-lo debaixo do nariz, e Dellinger solta um riso cínico e sai de fininho, é simplesmente impagável.

Duas ou três coisas que eu sei dela (1967), Jean-Luc Godard


Em A invenção do cotidiano, Michel de Certeau compara a cidade à poesia. Sim, pois as figuras de linguagem, que tramam um rumo incerto na produção de significados, são comparáveis às figuras ambulatórias, ou aos habitantes da cidade que, ao percorrerem os lugares, promovem práticas de espaço que dão um sentido metafórico à urbe pensada a partir do sentido literal desenvolvido pelo planejamento urbano. Michel de Certeau pensa a cidade a partir da linguagem. E é este o processo desenvolvido por Godard em Duas ou três coisas que eu sei dela.

"Ela", que está no título do filme, como muitos sabem, não é Juliette Jeanson, a mulher que se divide entre os papéis de prostituta e dona-de-casa. "Ela" é Paris, bem como a cidade de pedra que se ergue, e seus habitantes que passam pelas ruas, e as problemáticas sociais no contexto do capitalismo, e até mesmo os sinais que nos remetem a Paris inserida no mundo, com claras referências à Guerra do Vietnã. Mas Juliette está lá para revelar algumas elocubrações de Godard, como quando está deitada na cama e fita a câmera dizendo sensivelmente que "a linguagem é o lugar que nós habitamos".

Em dado momento, a voz do narrador afirma entre sussurros que estuda a cidade como se fosse um biólogo diante da natureza, e a cidade é o seu objeto. Sabemos que se trata de uma ironia do Godard, que no seu fino trato com a ficção que dialoga com o documentário na construção de um argumentação a respeito do mundo histórico, de modo algum apresentaria um olhar reificante perante o mundo. Godard, um admirador do existencialismo, nega a dimensão do olhar cartesiano que coisifica o mundo a partir de uma relação intrínsica entre conhecimento e poder.

Godard nega não só Descartes, como também um crítico de Descartes, Wittgenstein. Na cena em que um primeiro plano submerge numa xícara de café, Godard cita a famosa frase do Tractactus Logico-Philosophicus, de Wittgenstein: "Os limites do meu mundo são os limites da minha linguagem". Ao que em seguida vemos Juliette andando por Paris e dizendo: "mas o mundo sou eu".

Uma das cenas finais do filme apresenta Juliette no centro de uma paisagem de altos edifícios. Ela diz: "uma paisagem é um rosto". Ou seja: uma paisagem urbana está circunscrita pelos afetos de seus habitantes. E a câmera realiza uma panorâmica de 360° perscrutando os edifícios da cidade enquanto Juliette afirma: "logo percebi que eu sou o mundo, e que o mundo sou eu".

Assim, o lugar de Godard é junto à fenomenologia de Merleau-Ponty expressa em O olho e o espírito: a sutil revelação de que "penso, logo, existo" é um inferência que coloca o mundo como objeto e aquele que o concluiu como sujeito, até nos darmos conta de que nosso corpo está no mundo e que não somos apenas aqueles que vêem, mas também a materialidade dos que são vistos.

Ansiosa


Estou sentindo gostinho de terra nova...

sexta-feira, agosto 27, 2010

Cartilha da cura


Quando finalmente decido ler um livro da poetisa marginal Ana Cristina César, eis os primeiros versos que me surgem, como uma espécie de revelação, na sua obra A teus pés:

Cartilha da cura

As mulheres e as crianças são as primeiras que

desistem de afundar navios.

quinta-feira, agosto 26, 2010

Lembrar que esqueci

Não adianta
Há coisas que
mesmo que a gente tente
infinitamente vezes matá-las
elas só morrem sozinhas.

quarta-feira, agosto 25, 2010

A noite estrelada


Eu nunca fui muito fã de artes plásticas. Continuo sendo bastante leiga no assunto, mas tenho me apaixonado pelos quadros de Vincent Van Gogh. Um quadro em especial ocupa a minha memória: A noite estrelada, que ele pintou quando estava internado no hospício numa pequena cidade francesa. O céu curvilíneo, a lua tão dourada quanto um sol e refletindo sobre a superfície de um mar no universo, a cidade cedendo à noite que tem uma atmosfera de poesia em lugar de afazeres, o silêncio dos homens que deixam as casas tão sozinhas nas ruas, mesmo que habitadas por eles... Há mais céu do que casas, do que ruas... Há o sonho pintanto a noite acordado...

Berlim, sinfonia de uma metrópole (1927), Walter Ruttmann


Walter Benjamin definia a experiência da modernidade através do conceito de choque. Em Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo, Benjamin descreve o choque como a sobrecarga sensorial dos habitantes das metrópoles em face da atmosfera de excessos de estímulos. E é o cinema a arte que imita esse modo de percepção efêmero e fragmentário característico da modernidade.

O palco da modernidade é a cidade, e é por isso que o documentário poético Berlim: sinfonia de uma metrópole termina sendo também um filme sobre a modernidade, e que ainda traz para a sua estética essa experiência de bombardeio de sensações. As ruas desertas do final da madrugada em Berlim logo são invadidas pela multidão que se atropela entretida numa intensa vida ocupacional. Concomitantemente, a montagem adquire um outro ritmo, mais rápido, a música assume tons estridentes, e o espaço se fragmenta por meio da montagem picotada.

E Berlim: sinfonia de uma metrópole é um filme sobre a modernidade especialmente por destacar determinados signos referentes a elementos-chave desse momento histórico: a explosão demográfica (aglomeração humana nas ruas de Berlim), os meios de comunicação (telefone), os meios de comunicação de massa (imprensa), os meios de transporte (carros, trens, bonde), o industrialismo (as fábricas) e a cultura do consumo (as vitrines das lojas).

Mas se o filme parece em certos momentos apresentar uma visão apaixonada das paisagens das cidades e mesmo das máquinas, em certo momento o documentário cede à encenação para mostrar um suicídio. Uma mulher sobe numa ponte, vemos o seu rosto desesperado em primeiro plano, temos uma subjetiva do rio e uma elipse conduz a uma subjetiva a partir de um carro descendo a montanha russa, e com essas imagens justapostas a montagem produz uma metáfora sobre o estado de espírito daquela mulher, para vermos em seguida as águas plácidas do rio e as pessoas que se aglomeram na ponte, testemunhas do suicídio. Ao que eu me pergunto: tal mulher seria a expressão do estado de espírito daqueles que vivem nas metrópoles?

segunda-feira, agosto 23, 2010

Mulheres e dores

Aprendi, desde pequenina,
que a mulher foi criada para sentir dor
e que a vida é feita de dor, e a dor é vida

A dor do bebê que sai gritando por entre as pernas da mãe ofegante
A dor do hímen sendo rompido pelo amante
A dor da velha com filhos criados
que não serve mais como antes

Quando dei por mim
havia sangue na minha roupa íntima
e eu me orgulhava de ter deixado de ser menina
Agora era uma mulher feita

de hemorragias.

Que seja doce

Então, que seja doce. Repito todas as manhãs, ao abrir as janelas para deixar entrar o sol ou o cinza dos dias, bem assim: que seja doce. Quando há sol, e esse sol bate na minha cara amassada do sono ou da insônia, contemplando as partículas de poeira soltas no ar, feito um pequeno universo, repito sete vezes para dar sorte: que seja doce que seja doce que seja doce e assim por diante. Mas, se alguém me perguntasse o que deverá ser doce, talvez não saiba responder. Tudo é tão vago como se fosse nada.

Do conto Os dragões não conhecem o paraíso, de livro homônimo do Caio Fernando Abreu.

Humildade intelectual

Não tem coisa mais engraçada do que uma pessoa arrogante dando lição de humildade.

É pra rir é?

Que sejam humildes ao menos para assumir que são arrogantes! Mas nem isso, nem isso!!!

São tão perfeitos, tão maravilhosos, tão INcriticáveis, que se revestem da mais pura hipocrisia para ensinar aos outros o verdadeiro valor das coisas simples.

Ora, me poupem vocês aí sentados nos seus tronos!!!

Vão com sua hipocrisia para o quinto dos infernos!!!!

Só o heterônimo Álvaro de Campos, de Fernando Pessoa, pra me entender numa hora dessa...

domingo, agosto 22, 2010

Domingo com comédia romântica


Estava almoçando assistindo a The Big Bang Theory, um dos meus seriados favoritos, quando vi que ia passar uma comédia romântica na Warner Channel. Pensei: é de um filme besta assim que preciso nesta tarde de domingo!

Apesar de bobinho na maioria dos aspectos, Uma coisa nova (2006), de Sanaa Hamri, traz algumas coisas surpreendentes para um filme de comédia romântica. Está certo que apresenta uma estética bem quadrada, e aquele velho final de roteiro com dead-line, e diversos atores que deixam muito a desejar, além de personagens previsíveis, poréeem, trata-se de um filme que debate os problemas de um relacionamento inter-racial sem cair no lugar comum que seria típico de um filme como esse.

Afinal, Kenya é uma mulher negra e rica bastante dedicada ao trabalho, com ares de sou-independente-e-tenho-dinheiro, enquanto Brian é galego, cuida de jardins, adora seu cachorro e é muito simples. Quando eles marcam um encontro às cegas, ela o abandona em cinco minutos pelo simples fato de ele ser branco. Até que eles se encontram por acaso numa festa e ela, após elogiar o jardim que ele tinha feito para um ricaça, o contrata para reformar o jardim da sua casa.

Enfim, eles demoram a finalmente irem para cama, e uma coisa que eu achei muito inusitada foi ele pedir a ela para ver o seu cabelo como ele realmente era. Kenya, apesar de aparentemente se orgulhar de ser negra, escondia seus cabelos embaixo de apliques de cabelos lisos. Ela se enfurece com o comentário e pede para ele ir embora, só que depois muda de ideia e deixa os seus cabelos naturais à mostra.

No geral, eu gostei do filme. E devo confessar que gosto de várias comédias românticas, a exemplo de O casamento do meu melhor amigo (que não acho um filme mediano, mas bom de verdade), Amor por acidente, Excesso de bagagem, O diário de Bridget Jones... Tenho a impressão de que, apesar de as comédias românticas caírem muito no lugar comum, geralmente são um pouquinho mais inteligentes do que os filmes românticos.

Sinta o pulso de todos os tempos...

Mas desculpe, mas eu vou me fechar
Não sou perfeito, nem mesmo você é

Me abrace
Diga o meu nome
Diga que você me quer

Sinto o pulso de todos os tempos
Comigo
Até quando eu não sei

Sinta o barato de ser ser humano
Comigo...

Até quando deus quiser...

Esse trecho da música do Arnaldo não me sai da cabeça neste domingo...

sexta-feira, agosto 20, 2010

Quando ela me deixou

Sempre me falaram em "dor na alma"
ao lamentar uma separação

Mas, quando Jéssica me deixou,
sofria-me o corpo,
doíam-me os ossos
como se acaso eles se contraíssem

Os ossos do corpo inteiro!
E uma agonia no estômago,
não no coração.

Descoberta

Quando eu me descobri apaixonada por Eduardo, o sol se pôs como em qualquer outro dia. Acordei cedo, fui ao trabalho, almocei no restaurante da tia próximo ao Ministério da Fazenda, cochilei em cima da mesa, tomei três xícaras de café para despertar, fui a uma coletiva de imprensa com o governador, comi 8 biscoitos cream crackers, fumei três cigarros às três da tarde, entrevistei quatro pessoas, sendo duas por telefone, bati o ponto e voltei para terminar de escrever porque não me pagam hora extra, me acordei no sinal com as buzinas do carro, fui chamada de filha da puta, joguei as chaves na mesa após abrir a porta de casa, caí na cama, enfiei o rosto no travesseiro, e com a cabeça no travesseiro pensei: sim, eu amo Eduardo!

quinta-feira, agosto 19, 2010

Meu amor!


Eu com cara de "como amo meu irmão lindinho!", e ele com pose de "eu não sou fofo, não".

xD

Sobre arte, amor e preguiça

Geralmente nós falamos a respeito dos sentimentos mais fortes que a arte ou amor nos despertam. Ah, eu adorei esse filme, marcou a minha vida, não sei o que mais... Ou... Eu amei tanto fulano... Ou... Estou completamente apaixonada por cicrano! Mas, e o tédio?

Quantas e quantas vezes eu não estou a fim de ver filme nenhum. Corro o risco de dormir caso tente. E se eu forçar a barra mesmo, posso acabar não prestando atenção no que estou vendo, não entendendo o filme direito, e parar tudo antes da hora.

Enquanto em outros momentos, estou totalmente propícia a me emocionar com determinado filme, então ele fica eternizado na minha memória, e vez ou outra posso sentir saudade e me lembrar dele com carinho, ou até mesmo revê-lo.

Posso fazer com uma pessoa o que faço com um filme quando estou entendiada? Não prestar atenção a uma pessoa e não compreendê-la, não percebê-la, não senti-la? E, assim, não ir até o final?

É o amor também assim? Ele depende da minha disposição ou preguiça?

terça-feira, agosto 17, 2010

Mao, Mao!


O Vietnã queima e eu grito
Mao, Mao!

Johnson ri e eu vôo

Mao, Mao!

Napalm cai e eu fujo

Mao, Mao!

Cidades gritam e eu grito

Mao, Mao!

Putas choram e eu suspiro

Mao, Mao!

O arroz está louco e eu jogo

Mao, Mao!


É o pequeno livro vermelho...

que faz tudo se mover...


O imperialismo dita a lei em todas as partes

A revolução não é um banquete

A bomba atômica é um tigre de papel

As massas são os verdadeiros heróis


Os ianques matam e eu leio

Mao, Mao!

Os loucos são reais e eu vejo

Mao, Mao!

As bombas caem e eu canto

Mao, Mao!

Garotas correm e eu canto

Mao, Mao!

Os russos comem e eu danço

Mao, Mao!

Eu denuncio e renuncio

Mao, Mao!


É o livrinho vermelho...

que faz tudo mover...


Música inesquecível que toca em La Chinoise (1967), de Jean-Luc Godard

segunda-feira, agosto 16, 2010

While my guitar gently weeps


*Este post é a expressão de uma revolta*

Eu ia pra Salvador no último fim de semana. Pegaria uma carona na topic em que meu irmão e seus amigos crentes viajariam para apresentar uma peça numa igreja Batista soteropolitana. Por que não fui? Simples: ele estabeleceu a condição de eu permanecer com eles durante toda a viagem. E é óbvio que minha intenção não era fazer uma viagem evangélica NOT AT ALL. Daí resolvi ficar por aqui mesmo.

Só que o que me REVOLTA, me CONSOME PROFUNDAMENTE é saber que meu irmão foi a um shopping (lugar para o qual eu jamás iria numa viagem) e lá encontrou, por acaso ou pelo destino gozador, uma exposição dos BEATLES. Música dos besouros rolando e a guitarra lá do George Harrison... E meu irmão disse que nem prestou atenção direito, afinal, nem gosta dos Beatles, só uma musiquinha ou outra...

É MOLE???????

Mundo ingrato do caralho...

Agora a música do George Harrison, While my guitar gently weeps, que integra um dos maiores albuns de todos os tempos, o White Album, lançado em 1968 (tiete), fica tocando insistentemente na minha cabeça, pois meu cérebro gosta de caçoar de mim... Sim, sou tiete mesmo, e?? Será que Deus tá me castigando porque eu não quis ir pra igreja?

I look at you all see the love there that's sleeping
While my guitar gently weeps
...

Mas que é uma covarde!


Hoje, não sei porque demônios, me veio repetidamente a lembrança de uma cena de Acossado (1959), do Godard, em que Michel e Patricia estão no carro percorrendo uma estrada. Ele diz as seguintes palavras pra ela:

Amo uma garota com o pescoço lindo, com seios lindos, com uma voz linda, com pulsos lindos, com uma testa linda, e joelhos lindos... mas que é uma covarde!

Já arrumei várias explicações para a evocação insistente dessa cena... De qualquer modo, vale a pena ver de novo Acossado, pois faz muito tempo que assisti e não lembro de muita coisa...

Wittgenstein's Tractactus (1992), Péter Forgács


Um belo dia, de repente, eu encontro entre meus arquivos de filmes no computador duas obras de Péter Forgács. E simplesmente não lembrava quem diabos era o homem! Aí pensei que teria baixado dois filmes dele por causa de um em particular, que estava entre os arquivos: Wittgenstein's Tractactus (1992).

Na verdade até o momento não sei porque baixei esses filmes e como eu cheguei até o nome desse cineasta húngaro. Suponho que tenha visto em algum livro sobre documentário, porque o outro filme dele que tenho aqui, Private Hungary, é um documentário, mas enfim... Nesta madrugada resolvi assistir ao bendito Wittgenstein's Tractactus.

O filme apresenta diversas imagens de arquivos pessoais e se encontra dividido em sete partes, como são sete as proposições do Tractactus de Ludwig Wittgenstein. A obra apresenta diversas citações do Tractactus Logico-Philosophicus citadas por uma voz over e também escritas sobre algumas imagens.

Wittgenstein's Tractactus me parece uma espécie de pretensioso filme-teoria. Peguemos a citação daquela parte em que Wittgenstein fala que "o que a pintura representa não é o cachimbo, e sim o sentido", numa clara referência à pintura do surrealista Magritte que apresenta um cachimbo com o dizer "isto não é um cachimbo". Trazemos à tona aí um dilema a respeito da representação. A imagem não é a realidade.

Ora, levando isso para o âmbito da discussão sobre o documentário, sabemos que a narração em voz over levantou diversas discussões na teoria do cinema acerca do poder que ela exerce sobre as imagens, apresentando afirmações que almejam uma compreensão da verdade sobre o mundo. Tal voz foi caracterizada por Mary Ann Doane como "voz de Deus" - ela é todo poderosa, onisciente sobre a realidade, e as imagens são a sua prova.

A voz over, a voz de Deus do filme experimental de Forgács estaria utilizando Wittegsntein para contestar o próprio estatuto da voz over no cinema documentário? Ela revela uma impotência diante das imagens dos arquivos daquelas pessoas comuns que aparecem na tela?

Por exemplo. No início do filme, vemos a voz over citar os seguintes dizeres de Wittgenstein: Nenhum choro de tormento pode ser mais forte do que o choro de um único homem. No entanto, o que a imagem nos mostra é um porco sendo chutado por pés que não identificamos de quem seja. E, mesmo não sendo o porco, até mesmo ele não sendo humano, podemos identificar nele o sofrimento. A imagem nega a voz over. E é por isso mesmo que o próprio Wittegsntein em Investigações Filosóficas nega diversos aspectos do Tractactus, e na sua formulação sobre os jogos de linguagem inclusive conclui que a dor não tem dono, e que podemos perceber os sinais da dor também porque sentimos dor, sendo assim o significado algo compartilhado.

Para mim, um momento feliz do filme foi quando cita as partes em que Wittgenstein diz que "morrer é não é um evento da vida, a morte é não viver" e também "que o sol nascerá amanhã não é uma certeza, o mundo independe de minha vontade". Nesse instante, aparecem imagens de um quarto de um casal de velhos que estão indo dormir. Segundo Wittgenstein, o nascer amanhã é uma necessidade lógica, mas não natural. Para o filósofo de Viena, os ditames da natureza pertencem ao âmbito do Místico, ou seja, do inefável, daquilo que não podemos falar. Achei interessante o filme apresentar as imagens de um casal de velhos indo dormir entre as tais frases de Wittgenstein sobre a morte e a incerteza de um outro nascer do sol.

O final do filme, com a última proposição do Tractactus, o silêncio, é também bastante misterioso. O último plano apresenta um homem sentado a uma mesa sozinho, fumando e olhando para a câmera enquanto a voz over recita o Tractactus: "sobre o que não se pode falar, deve-se calar". No Tractactus de Wittgenstein, esse é o momento em que ele destrona os grandes problemas da filosofia, pois, segundo ele, a história da filosofia é repleta de falsos problemas muitas vezes formulados pela falta de clareza conceitual, problemas esses que deveriam ser silenciados.

E, para ele, não é função da filosofia elaborar proposições, dizer algo sobre a realidade, mas tão somente buscar uma disciplina intelectual, analisando o modo como utilizamos a linguagem. No entanto, considerando que o Tractactus é um conjunto de proposições, ele afirma ainda que "tudo que eu disse não faz sentido". Não faz sentido, mas mostra. Assim como a poesia não faz sentido, a dialética também, todavia mostram.

O filme de Forgács é também uma atividade de mostrar. Até mesmo de negar a si mesmo. Assim como o Tractactus. E, será que assim como Wittgenstein no Tractactus Logico-Philosophicus acredita que a atividade da filosofia é analisar a linguagem, Peter Forgács quer nos dizer que o documentário deveria refletir sobre a linguagem, as estratégias de representação, como faz o documentário reflexivo?

domingo, agosto 15, 2010

Mundo incerto

Eu tinha um plano muito bem traçado para a minha vida. Em linhas tortas, eu sei, como deus mesmo faz, mas tinha. Eu sabia exatamente onde não queria estar. Continuo sabendo. Só que agora não faço a mínima ideia a respeito de onde porra estarei amanhã. É que apareceram "oportunidades" em outros lugares, e eu não sei se estarei lá, onde imaginei, ou lá ou aculá ou aqui mesmo! E isso me angustia, me consome de uma maneira... Eu sei que tenho um monte de coisas para viver nestes últimos meses, que minha vida vai a mil no fim do ano, e isso também me deixa confusa, ansiosa... Junto a isso imagino a saudade que sentirei de tanta coisa...

Meu deus, onde estarei amanhã?

Ei, você...

Você me vê? Algum dia você me viu?

Unhas vermelhas

Eu não posso acreditar quando te vejo assim, Carlos. Você não tinha esses olhos saltando das órbitas magras, esses ossos de pele seca, essa boca caverna de moscas, essas mãos que não tocam, apenas se estendem doentes. E é por isso que eu choro toda vez que vou retirar os lençóis cheios de merda e urina enquanto você mal se mexe. É o ritual de todos os dias. Mover o seu corpo lentamente, puxar os lençóis, enrolá-los com a merda dentro, jogá-los no lixo no quintal. Não sei se você preferia estar morto a viver assim os seus penosos últimos dias.

Você não era assim. Onde está aquele homem que virava copos de cachaça igual fossem água, que ia a festas no interior se esfregar em mulheres tão fáceis quanto você, que falava mais alto que todos nas discussões sobre política, religião e futebol? E que por mais que dissessem que política e religião a gente não discute, sempre teimava a colocar tais assuntos em pauta... Onde está aquele homem robusto e bastante bonito, que chamava a atenção das empregadas domésticas, das advogadas, das amigas da esposa, da cunhada?

Agora você, meu irmão, se contorce com vergonha de estar nu para eu lhe dar banho. Menos pelo seu corpo nu, menos por eu ter de tocar no seu pênis, mais por não poder sequer lavar o próprio corpo, mais por cada gota d'água doer como a vida que chora a morte aos poucos pelo ralo. A prova de vida, sentir tanta dor. A prova de morte, sentir tanta dor...

E aqueles seus amigos que dividiram com você tantos engradados de cerveja, agora se recusavam a entrar no quarto quando viam como você estava. Que raiva que eu sinto, irmão! Quanto ódio! Poderia comprar uma arma para, a cada vez que alguém fizesse isso, atirar após fechar o portão da casa, e ver o infeliz ou a infeliz cair no chão de costas, afogando em sangue no meio da rua. Meu ódio me consome!

Quantas e quantas noites de vigília... E meu pequeno filho às vezes me acorda no meio da tarde, eu dormindo após uma noite em claro, ele puxa o meu braço com sua pequenina mão e aponta para o soro que eu devo trocar. Meu filho te ama tanto, irmão. Mais que todos os seus filhos! Esses passam tão pouco tempo ao seu lado quando vêm aqui... Não sei como ele irá reagir quando já não houver essas gotas de soro contando o tempo...

Já minha filha, ela não compreende. Não sei o que se passa na cabeça dela. Você morrendo aos poucos, e ela desrespeita meu luto de todos os dias ouvindo música, dançando no quintal, já disse que nessa casa ninguém pode ouvir música ou contar piadas, ou dar risadas... Ás vezes eu me sinto culpada por não sentir com você toda e cada dor que você sente! Por ter saúde, meu irmão, eu sinto culpa por ter saúde! Até que certo dia eu não aguentava mais as malditas músicas e danças da minha filha, e lhe gritei a verdade escondida: Tenha mais respeito! O seu tio está com câncer! CÂNCER, entendeu?

Ela, que sempre me perguntou o que você tinha, que insistia em dizer que você tinha câncer, e eu continuava dizendo que não... Quando eu gritei que você tinha câncer sim, ela derrubou o prato que lavava na pia e desembestou-se a chorar passando as mãos sujas de detergente na cara e com a torneira aberta escorrendo a água sobre o monte de pratos empilhados...

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Eu não acredito que tenho de aguentar este velório! Você não foi feito para que chorassem a sua morte. Queria que você virasse cinzas para jogar no mar... Não queria ver o seu corpo que eu tantas vezes dei banho agora assim vestindo um terno, arrumado para que te olhassem morto! Isso é tudo uma grande farsa! E quantos que se recusaram a entrar no seu quarto quando você estava doente agora choram junto ao seu caixão! Tantos me perguntam detalhes sobre sua doença e sua morte... Com que direito? Eu repito, com que direito? Eu só queria uma ilha, as suas cinzas lançadas no mar...

E quando me perguntam sobre o momento de sua morte, eu me lembro com tanta culpa! Meu irmão, no instante em que você deu o seu último suspiro eu estava pintando as unhas dos pés! Lembro de minha filha gritando no exato momento em que eu pintava de vermelho o dedo polegar do pé esquerdo! De vermelho, cor de puta! Cor de rapariga que sai para paquerar de noite... Eu entretida com minhas unhas vermelhas e você... Sabe-se lá o que você viveu na morte...

E agora penso sobre o enterro que eu queria para você, as cinzas lançadas no mar, enquanto fito as cinzas do meu cigarro juntando-se no cinzeiro... O cigarro que você pedia para dar um traguinho, mesmo padecendo na cama de câncer de pulmão...

sexta-feira, agosto 13, 2010

Já dizia Dom Quixote...


Nesta madrugada de insônia (e qual madrugada não é?), assisti a Irmãs Munekata (1950), de Yasujiro Ozu. Não pude deixar de reparar numa personagem em especial, Mariko Munekata. Ao contrário de sua irmã Setsuko Munekata, que segue os bons modos de esposa exemplar e vive em função de agradar o marido alcóolatra desempregado (ela ironicamente sustenta a casa com um bar), Mariko é cheia de trejeitos de moleca, vive dando a língua, gosta de fumar, e em certo momento chega a reverenciar Shakespeare citando Hamlet de modo bastante inusitado: 'Beber ou não beber: eis a questão'. No bar da irmã-Amélia, onde Mariko trabalhava inclusive, havia escrito na parade a seguinte frase, em inglês mesmo: I drink upon occasion, sometimes upon no occasion. Dom Quixote. Eu ri... ri muito...

Daí que eu lembrei da brilhante ideia de Jadson de abrirmos um bar eu, ele e Nina. (Foi Jadson mesmo ou foi Nina quem pensou nisso?). Ao que um dos dois respondeu: Já viu abelha negociar com mel?

PS: Preciso ler Dom Quixote com urgência. Algo me diz que um personagem que tem visões com moinhos de vento e profere algo como a frase citada anteriormente me provocaria muita simpatia.

Ora porra!


Ora porra!
Então a imprensa brasileira é
que é a imprensa brasileira?
Então é esta merda que temos
que beber com os olhos?
Filhos da puta! Não, que nem
há puta que os parisse.


*Pedi licença poética ao heterônimo Álvaro de Campos para colocar "imprensa brasileira" em lugar de "imprensa portguesa".

Bicho-grilagem

Estou enjoada da minha cidade. Não é novidade pra ninguém que me conhece. Mas atualmente tenho sentido uma vontade imensa de ir passar bem umas duas semanas com minha avó que mora no sertão.

Sei lá. A vida toda eu fui essa coisa assim meio bicho-grilo. Até passei uma semana numa aldeia hippie certa vez kkkkkkkk. Aí virei menininha urbana, que adora cidade grande, e a badalação e a vida cultural intensa lá lá lá. Mas sinto falta dessa bicho-grilagem. E quero passar uns dias longe do computador, dos programinhas de vida cultural, etc.

Meu desejo era ler todos os papéis que minha avó guarda com carinho. São os escritos do meu avô, muitos poemas, algumas crônicas. Meu avô frequentou durante muito poucos anos a educação formal, não concluiu nem o ensino fundamental. Era um homem que trabalhava na enxada. Mas adorava escrever poemas...

Queria também ouvir as histórias da minha avó, que vive cheia de saudade de um monte de coisa. E andar pelos matos, tomar coca-cola com pipoca numa praça (não me venham com clichês sobre a globalização), e até mesmo ir a um missa no interior.

Quem sabe eu faça isso. Em breve. E do nada, sem avisar a ninguém.

quinta-feira, agosto 12, 2010

Nelson Freire (2003), João Moreira Salles


No palco, sob a luz
ao redor tudo é escuridão
ele, no meio de tanta gente, vive a solidão
tantos o ouvem
também sozinhos
e dividem a ausência no teatro

O pianista tateia a música
e descobre que a música é feita por mãos
ele toca a sinfonia
música-táctil
imagem-música
imagem-táctil

Todos estão mudos
a música que é tocada também no silêncio
entre uma nota e outra
uma pausa

Ele pouco fala
prefere os gestos
os olhos acolhedores

O homem que descobriu que a vida está escrita nas partituras
e que o tempo é música
e tudo depende do jeito de tocá-la.

Amor alcóolico

Sempre peço mais uma dose de amor pra você
Mas você não me dá
Então digo ao garçom que quero uma cachaça
e ele logo me traz

Nessas horas, me descubro tão apaixonada
É que o amor o álcool dilata
Mas a sua falta de amor me deixa desidratada
E no outro dia o que me resta é só ressaca

Ressaca se cura tomando mais uma - dizem
E é por isso que eu vivo de copo em copo
de amor em amor
e de ressaca em ressaca.

Amor metalinguístico

Você fica aí escrevendo seus poemas metalinguísticos
Por favor, não perca tempo com isso
Meta a língua no devido lugar.

terça-feira, agosto 10, 2010

Amor prozac

Achava que com você eu ia ser feliz
Mas desde então só tenho sentido reações adversas.

Amor placebo

Não importa a sua composição
O que vale é a cura.

Amor doril

Desde que eu tomei você
a minha dor sumiu.

Amor behaviorista

É só você se mover de costas segurando o giz
Para eu ficar de pau duro
No quadro, a professora escreve
Estímulo -> Resposta

Insônia


Mais uma vez não consigo dormir. Após estudar bastante, decidi ler poemas. Resolvi começar pelo meu bom e velho heterônimo Álvaro de Campos para depois partir para João Cabral de Melo Neto. E, novamente, ele me surpreendeu com esta poesia, Insônia. Vale ressaltar uma coisa: eu posso amar vários poetas, mas nenhum outro é tão parecido comigo quanto este heterônimo de Fernando Pessoa. Na verdade, ninguém em toda a literatura que eu tive acesso me provoca tanta identificação. Estava pensando que ele é tão real quanto uma alma assombrada, quando abro o livro com a reunião da obra poética de Álvaro de Campos, e caio justamente nesta poesia.

Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.

Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.

Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!

Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!

Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.

Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.

Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!

Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...

Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!

Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.

Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.

segunda-feira, agosto 09, 2010

A mulher

Se fores homem e procurares em mim a Mãe
Findarás órfão
Se fores homem e procurares em mim a Amélia
Acabarás expulso de casa
Se fores homem e procurares em mim o Ideal
Eu lhe direi:
As amantes românticas morreram de tuberculose!
Mas se acaso fores homem e procurares em mim a Mulher
Eu lhe mostrarei em segredo.

Amor online

João acaba de se conectar
Maria diz: oi!
João (disponível): oi...
Maria diz: tudo bom?
João (ocupado): td
Maria diz: comigo tb, tudo ótimo. vai fazer oq esse fds?
João (ausente)


*A pedido de Eder kkkk

Amor offline

João diz: olha só, que milagre você "disponível"!
Maria parece estar offline. As mensagens serão entregues quando este contato entrar.

Amor ciumento

Se a propriedade é um roubo
eu sou ladrão.

Amor racional

Eu cheguei à conclusão de que te amo.

Amor platônico

Você no mundo das ideias
e eu no mundo sensível.

domingo, agosto 08, 2010

Naquela mesa

Um colega passou essa música hoje pelo twitter.. Lembrei do meu vô, que foi também um pai. Vale ressaltar que estou com cólica e minha sensibilidade está à flor da pele... Sabe, "ando tão a flor da pele, que qualquer beijo de novela me faz chorar"? Portanto, emocionou-me muito!

Naquela mesa ele sentava sempre
E me dizia sempre o que é viver melhor
Naquela mesa ele contava histórias
Que hoje na memória eu guardo e sei de cor
Naquela mesa ele juntava gente
E contava contente o que fez de manhã
E nos seus olhos era tanto brilho
Que mais que seu filho
Eu fiquei seu fã
Eu não sabia que doía tanto
Uma mesa num canto, uma casa e um jardim
Se eu soubesse o quanto dói a vida
Essa dor tão doída, não doía assim
Agora resta uma mesa na sala
E hoje ninguém mais fala do seu bandolim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim
Naquela mesa ta faltando ele
E a saudade dele ta doendo em mim

Eu sei que vou te amar

A estrada fazia aquele barulho das pedras sendo machucadas pelos pneus do carro. Fazia tempo que eu não ia ao sertão. Aquele sol tostando a terra, aquelas plantas sofridas. Foi então que eu vi: a avó do meu amado, uma senhora de 70 e poucos anos, sacrificando um carneiro para nos oferecer. Ele dava os seus últimos gritos. Ela corria em nossa direção com a roupa e as mãos cheias de sangue, feliz com a nossa chegada e sem se importar com o sangue que manchava a sua roupa, pois era da sua oferenda.

Tomai todos e comei. Este é o meu corpo, que será entregue por vós - disse o padre na missa na igreja do interior, repleta de pessoas tão arrumadas para a grande ocasião da cidade.

O carneiro pendurado no teto da cozinha de cabeça para baixo e eu me sentia mal sempre que ia beber água. Eu, menina da capital, não estava afeita a esses costumes. Não comi carne naqueles dias.

No entanto, não deixei de me embrenhar por aqueles matos para trepar em cima de grandes pedras e por entre os galhos das folhas secas. Montava a cavalo em direção ao Velho Chico, subindo por estranhas elevações, aguentando tropeços do bicho, com a pele arranhada pelos espinhos da vegetação. Nas águas do Rio São Francisco, eu conheci a liberdade. A cada vez que jogava a água pra cima, a cada vez que mergulhava profundamente, a cada beijo que dava no meu amor, ao confundir seus cabelos com os cabelos do rio.

Eu o abraçava com medo de cair do cavalo. Não poderia montar, passava logo meu medo para o bicho. Meu amado não: estava sempre seguro sobre a cela, certo dos caminhos a percorrer. Talvez por isso o bicho podia até escorregar, mas nunca caía.

Com o meu amado, eu pude ver as estrelas do sertão. E o sertão é lugar onde se descobre o tamanho do universo, assim infinito de estrelas. Uma mão boba aqui, outra ali, disfarçadamente na rede da varanda da casa. "Vocês dois, venham jantar. Tem carneiro e cuscuz!".

O galo cantou e eu fui conversar com as galinhas que bebiam a água de barro como se mordessem milho. Ele me deu umas flores modestas de laranjeiras. No bilhete, um escrito: Não sou bom com palavras. Eu te amo.

Ele sempre teve vergonha de sua pouca intimidade com os vocábulos, com a prosa e a poesia.As vezes eu desejava secretamente que ele escrevesse mais, para poder ler seus versos para mim escritos. Mas em todo o seu cuidado ao massagear o meu ventre doído de cólica havia a mais bela poesia. E as nossas viagens eram prosas escritas nas páginas dos albuns de fotografias. As caixas em que ele guardava todos os meus bilhetes afetuosos eram como baús de livros. E descobri que poesia podia ser escrita com gestos.

Eu te amo: era tudo o que ele sabia me falar. E era tanto, mas tanto! Ele não sabe, mas foi o único verdadeiro amor da minha vida. Cantava e tocava ao violão sempre esta música para mim... Pois ele não sabia escrever poesias, mas entendia o que Tom Jobim e Vinicius de Moraes queriam dizer...

Eu sei que vou te amar
Por toda a minha vida eu vou te amar
Em cada despedida eu vou te amar
Desesperadamente, eu sei que vou te amar
E cada verso meu será
Prá te dizer que eu sei que vou te amar
Por toda minha vida
Eu sei que vou chorar
A cada ausência tua eu vou chorar
Mas cada volta tua há de apagar
O que esta ausência tua me causou
Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver
A espera de viver ao lado teu
Por toda a minha vida

sábado, agosto 07, 2010

Amor na chuva

Nós dois nos beijamos na chuva
E eu nem fiquei molhada.

Amor virtual

Seu pênis na webcam
E eu atualizando meu blog.

Amor divino

"Mais fácil um camelo passar por dentro de uma agulha
do que um rico entrar no reino dos céus"
Mas e o dízimo?

Amor de cem

Você me ama tanto
e vem com esse amor graúdo
Que eu nunca terei o suficiente
para lhe dar o troco
só tenho miúdo.

Amor de posição

Você acha que está sempre por cima
Meu bem, por cima você pode ficar
Do meu corpo, apenas.

Amor impróprio

Eu poderia dizer que por você sinto amor, mas amor não é nome próprio.

Amor de puta

Amando tanta gente assim
Ao mesmo tempo
Uma hora eu vou ter que cobrar.

Amor em condicional

Depois de tanto tempo presa, agora em condicional, quando finalmente você vai me deixar livre?

Amor inventado

Eu queria tanto amar, que até inventei você.

Amor de pica

Eu amo tanto sexo, que até achei que amava você.

Amor suicida

Amando assim, amor que se cria tão rápido quanto se mata
Não foi nem eu que o criei
Nem eu que o matei
Ele se criou como ervas daninhas
E se matou como um covarde
Mas todo suicida é covarde
Assim como todo amor nasce independente da nossa vontade.

Amor de turista

Quando eu for embora
não me peça para te amar à distância
eu só vim aqui passear.

sexta-feira, agosto 06, 2010

A agulha


Quando dá oito da noite eu só penso em dormir. Essa vida de trabalhar o dia inteiro me consome. E sempre que chego da rua é a mesma odisséia: a pilha de pratos enorme na cozinha. É tanta sujeira, e eu só penso em matar a fome e depois dormir. Agora aqui nesse edredom eu me sinto tão bem depois de um dia inteiro de labuta, entrevistando algumas pessoas mal educadas, outras bem simpáticas, empurrando repórteres em coletivas, escrevendo de olho no relógio. Eu preferia escrever poesias e com calma, mas fazer o quê?

- Amor, por favor, costure essa camisa. - ele me pede.

- Já já eu faço isso.

Que dias frios, que vontade de permanecer na cama para todo o sempre, que edredom gostoso, mas acho que vou adoecer. O corpo mole, a garganta dói um tanto, o corpo quente. Espero não ficar doente, o clima no trabalho não está bom, qualquer coisa poderia ser uma desculpa para me botar pra fora. E não quero ter que ir ao médico, eu odeio ir ao médico.

Brigitte me arranha o braço com os olhos pidões, e eu sei que ela quer carinho. Minha cachorra é assim, ela demonstra afeto ferindo. Há pessoas que agem desse jeito também. Quando eu coço a sua cabeça, uma hora ela dá mordidinhas na minha mão. E pula na cama, e se deita ao meu lado, e até sente quando estou triste e respira de modo ofegante.

Eu olho pra Brigitte e lembro que eu decidi dar o primeiro passo criando um cachorro para depois ter um filho. Na verdade tudo começou com orquídeas. Comprei orquídeas, queria saber se eu ia conseguir cuidar delas direitinho. Mas não demorou muito para elas ficarem murchas. Nesse dia eu chorei bastante. Como poderia educar uma criança se nem ao menos sabia tomar conta de orquídeas?

Foi aí que eu ganhei a Brigitte de uma amiga. No começo acontecia de eu esquecer de lhe dar comida, água. E percebia ao ver Brigitte lamber o chão do banheiro em busca de água. Até que me acostumei. E lembro logo de lhe dar alimento. Mas ainda acho que não dou atenção suficiente à Brigitte. Então também seria assim com meu filho?

Às vezes eu me perco fitando as janelas do prédio que fica em frente ao meu. Engraçado que sempre há alguém em alguma janela. Há uma garota muito exibida no terceiro andar. Ela sempre troca de roupa com o vidro fechado, mas com as cortinas abertas. Dá pra ver tudo. E ela se veste bem devagar, peça por peça. Demora mais colocando o sutiã, sempre de costas para a janela. Meu marido costuma vê-la.

Vou dormir. Amanhã costuro a camisa de Bernardo.

Sabe quando você sonha e tem consciência de que está sonhando? É isso o que está acontecendo comigo. Eu estou nua de bruços sobre uma mesa e um velho homem chinês coloca agulhas no meu corpo. Há agulhas nos meus braços, nas minhas pernas, muitas agulhas. Nunca fiz acupuntura e sempre considerei uma técnica estranha. Também não ficaria nua assim para um desconhecido, do mesmo modo que prefiro ginecologistas mulheres a homens, pois jamais permitira que um homem que não conheço ficasse no meio das minhas pernas bulindo na minha buceta. É por isso que tudo não passa de um sonho.

Abro os olhos. Vejo Bernardo enfiando no meu braço esquerdo a agulha que seria para eu costurar a sua camisa.

- Isso é pra você aprender a fazer logo o que eu mando você fazer.

Sarcasmo acadêmico


Há um teórico de cinema americano que me faz rir muito enquanto o leio. O nome dele é David Bordwell, e ele escreveu um texto sarcástico ao extremo, Estudos de cinema hoje e as vicissitudes da grande teoria, em que ele detona estruturalistas, culturalistas, pós-modernos, pós-estruturalistas, franceses, americanos, enfim, quase todo mundo. Ao final ele defende uma tal de "pesquisa nível médio" que valoriza o problema de pesquisa em lugar da aplicação de doutrinas, e vai de encontro às chamadas "grandes teorias" que almejam uma concepção totalizante da sociedade, da cultura, etc etc. Esse texto está no livro Teoria Contemporânea de Cinema I, organizado por Fernão Ramos. Confira algumas pérolas...

Será preciso lembrar que a vida intelectual francesa estimula suas celebridades a adotarem posições controversas, por vezes até mesmo caricatas, e sujeitas a imprevisíveis reviravoltas? De modo geral, o pensamento humanístico francês é muito mais dominado pelo modismo e pela celebrização de seus expoentes do que os países de língua inglesa. Sem nenhuma ironia aparente, um semanário parisiense dirigido a um público médio pode muito bem lançar uma edição especial intitulada "O pensamento francês hoje", estampando em sua capa uma foto do pensador de Rodin debruçado sobre a pirâmide do Louvre, e anunciando artigos como "As palavras-chave", "As escolas e os círculos", "Os novos temas", "Quem pensa o quê?" e "Quem é quem nos 45 nomes de ponta". Um sociólogo observou, certa vez, que essa pomposa e narcisística frivolidade é precisamente o resultado das circunstâncias sociais nas quais se realiza o trabalho intelectual na França.

O apelo tão frequente à teoria continental implica ainda o problema da incompetência involuntária. São poucos os acadêmicos da área de cinema a dominar as línguas européias em que esses teóricos escrevem, e por isso os estudos contemporâneos de cinema dependem enormemente de traduções. Mas a sociologia e a psicologia alemãs do cinema, a teoria do cinema do Leste Europeu, e as semiologias italiana e escandinava permanecem sem tradução, e por essa razão os estudos de cinema anglo-americanos contemporâneos pouco se detêm sobre elas. Comparados a outras disciplinas acadêmicas, os estudos de cinema se mostram extremamente provincianos.
(...)
Sejam quais forem as suas fontes, o pensamento atraído por doutrinas é um desestímulo à análise criteriosa de problemas e questões. Ao contrário, ele conduz a uma procura casual por ideias de segunda mão. É comum ouvir esse conselho de professores e seus alunos mais confusos: Por que você não usa 'fulano' nesta altura de sua análise?. Muitos acadêmicos da área de cinema acreditam ser mais conveniente recorrer à última tradução de um mestre francês (ou ao mais novo manual da Editora Rotledge) do que se envolver com pesquisa ou reflexão das questões em si mesmas.
(...)
Guy Rosolato, um teórico da psicanálise, conversa com Raymond Bellour, um teórico do cinema. Rosolato observa que, para falar em detalhe a respeito de um filme, seria preciso analisá-lo congelando a imagem. Bellour responde: "Quer dizer que, se não pudermos re-ver um filme dessa forma, na prática ele não existe?". Em seguida, Bellour comenta que certos processos formais do cinema despertam a emoção , apresentando o retrocesso como exemplo:
Pouco importa o que o retrocesso de fato reconta, é de sua natureza produzir um choque emocional extremamente violento, pelo simples fato de remeter ao passado. Um amigo meu, certa época, tin ha uma relação um pouco perturbada com o seu passado, e os retrocessos tinham sobre ele um efeito quase que automático, pode-se dizer que era a sua forma, em si, que o fazia chorar.
Presume-se que os interlocutores desse diálogo queriam ser levados a sériop. (Afinal de contas, publicaram o diálogo). Mas a discussão é ininteligível, porque as conexões entre as ideias não satisfazem a nenhum padrão de inferência razoável. Rosalato afirma que, para que se possa discutir um filme com precisão, ele deve ser estudado cuidadosamente: que elementos isso fornece para a estupenda conclusão de Bellour de que, portanto, talvez o filme não exista?
(...)
Sandy Flitterman-Lewis, por exemplo, em um relato recente da teoria da posição-subjetiva, afirma ser a metapsicologia de Freud um "modelo conceitual" que "resiste à verificação empírica". No entanto, Freud assim escreveu sobre sua metapsicologia:
Não se deve supor que estas ideias muito gerais sejam pressuposições das quais depende o trabalho da psicanálise. Pelo contrário, são suas conclusões mais recentes e estão abertas à revisão. A psicanálise está firmemente alicerçada na observação dos fatos da vida mental, e por essa mesma razão sua superestrutura teórica está incompleta e sujeita a constante alteração.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Inquietação de faca

Eu não queria ter você perto de mim durante tanto tempo. É simples. Talvez fosse a condição para eu apreciar mais a sua companhia. No entanto, talvez, quem sabe, se você se afastasse mais um pouco eu esqueceria da sua existência. Da sua às vezes interessante, às vezes entediante existência. Você está na justa medida entre eu não lembrar de você e eu enjoar de vez.

Percebo que o meu silêncio te incomoda. E posso ver que, quanto mais eu calo, mais nervosa você fica, buscando algum assunto, qualquer assunto, que possa despertar a minha atenção. Não adianta. E você continua fumando um cigarro após o outro, apertando a bituca acesa no cinzeiro e continua mesmo ela já apagada, pedindo mais doses de rum, bebendo pra me dizer... pra me dizer o quê?

Entre duas frases suas que eu capto, há verdadeiras odisséias, grandes arquitramas, livros de cabeceira e poemas recitados com tanta dedicação a me fazer conhecê-la. Mas eu, tão interessado na mosca que quer pousar no copo de chopp. Tão absorto na luz refletida no vidro que confunde a rua com o bar em imagem fugaz.

Não sei porque, mas em algum momento eu peguei essa mania de te beijar de olhos abertos. E, quando o mundo desaparece para você e vira o meu peito, as minhas costas, o meu pau e o meu lábio, eu posso ver você tão concentrada em mim e observo você para comigo, mas nunca eu para com você.

Talvez porque com o passar do tempo o beijo deixou de ser a véspera do sexo para se tornar um expressão de um gostar. E às vezes eu gosto da sua presença, mas em outras horas você me parece uma intrusa, e eu tenho essa vontade de lhe deixar falando sozinha pra ver se uma hora você vai embora sem se despedir.

Eu não gosto de te abraçar como antes. É que no seu abraço você vira gigante, é que o seu afeto é tão grande que me deixa constrangido e, se você insiste, me dá agonia, me afoga e eu preciso nadar sozinho neste mar.

Eu vejo a sua beleza e a sua tristeza, mas quanto mais você me aponta as suas feridas expostas, sem casca e em carne viva a espera dos abutres de Prometeu, mais eu reparo na sua fraqueza e você vai se tornando tão sem vida.

Sim, a grande contradição é essa, pois se a vida parece ter sido injetada por você mesma nas suas próprias veias, você parece não suportá-la e ceder cada vez mais e eu me preparo para uma hora ou outra te segurar num desmaio.

Eu não suportaria tanto amor. Mas não é amor o que por mim você sente. E eu sei lá que diabos você sente. O tempo inteiro você coloca o que há dentro de você pra fora como se fossem vísceras falsas. E eu nada tenho com isso tudo.

Só que quando você me deita e coça a minha nuca, ou quando me ouve falar das minhas vãs filosofias, eu me perco. Eu deixo de querer que você vá. O seu carinho então me deixa confortável em você. Descubro que você, apesar de tudo isso, carrega com você e também tem um pouco de paz pra me dar. Mas logo quero me livrar da sua presença. Eu não quero dividir o lençol. Está frio...

E ainda prefiro essa vida sem amor. Porque não estou sem amor - o sem pressupõe uma falta. E se um dia eu amar de novo depois de tanto tempo não vai ser alguém como você. Porque isso não é amor. Não é. Nem você mesma sabe o que é isso.

A beira do mar aberto

em tudo que me contas pensando, suponho, que é teu jeito de dar-se a mim, percebo farpado que te escondes ainda mais, como se te contando a mim negasse que deliberado a possibilidade de te descobrir atrás e além de tudo que me dizes, é por isso que me escondo dessas tuas histórias que me enredam cada vez mais no que não és tu, mas o que foste

Trecho de conto de Os dragões não conhecem o paraíso, de Caio Fernando Abreu

terça-feira, agosto 03, 2010

Eu e o meu farol


Talvez eu seja um pouco assim como ele... que vive sozinho numa "ilha", tem sua cabana, seu farol, a maré, a máquina de datilografar, os livros de poesias, as plantas, a solidão das águas que ressoam nas conchas e se esfregam na areia úmida, conversando sozinho, lembrando que já foi guerreiro, mas sabe que, apesar de consagrado certa vez, nunca foi herói de coisa nenhuma... quem sabe eu seja assim como ele, um velho doido falando sozinho, mandando bilhete por pombo correio, ouvindo uma música brega de noite com uma garrafa de cachaça na mão...

Sim, eu adorei o curta-metragem que vi hoje, O velho, o mar e o lago, do pernambucano Camilo Cavalcante.

Masculin, féminin


Ontem assisti a Masculin, féminin (1966), de Jean-Luc Godard, e logo de início o filme me chamou a atenção pela leitura feita por Paul, interpretado pelo (olha o comentário fútil) belíssimo Jean-Pierre Léaud. Ele, entre uma palavra e outra, acende o cigarro, dá baforadas, olha ao redor da cafeteria inquieto, em plano-sequência diante da câmera estática. Gostei do clima juvenil do filme, de Paul envolvido na militância contra a repressão ao comunismo mundo afora (presos políticos no Brasil, Guerra do Vietnã), e também determinado na conquista do corpo e da alma de Madeleine (ela me lembrou Je vous salue Marie (1985), outro filme do Godard). Também achei interessante a crítica a essa geração, que Godard aborda como ainda presa aos referenciais da indústria cultural (vide a cena em que Paul, Madeleine e suas amigas vão ao cinema e se decepcionam com a exibição de um filme diferente do esperado). Não pude deixar de me lembrar também de Les amants réguliers (2005), de Philppe Garrel. Também adorei aquelas boas e velhas "quebradas de eixo" kkk e elipses malucas do Godard - eu me surpreendi quando, após um corte brusco que me fez acreditar que Paul falava sozinho na lavanderia para depois o filme mostrá-lo conversando num sofá com seu amigo Robert, de repente ver a câmera sacaninha mostrar os dois de costas e as máquinas de lavar ao fundo (o velho Godard brincando com o espaço fílmico, o tempo inteiro Paul e Robert estavam no mesmo lugar). E também curti aqueles personagens que aparecem do nada na diegese e saem sem nenhuma explicação narrativa, como os dois momentos em que diferentes mulheres matam um homem na frente de Paul.

Enfim, voltando à cena inicial, eu não conheço a origem deste texto, inclusive gostaria de ter mais informações sobre, me fez lembrar de uma pessoa, mas enfim... segue...

Nunca dois olhares se encontram
Sem deixar nenhum vestígio
De vida, silêncio, vazio, chama
A luz ofusca...
Nenhum lugar tem o ambiente dessa história
Sem limite
Narrar a monotonia
Narrar o trabalho cotidiano...
Um garoto sem nome de Marseilles
Conta 24 horas por dia
Conta com os outros
Compartilhando a vida
Incapaz de estar sozinho
Sem vestígio de nenhum lugar

segunda-feira, agosto 02, 2010

Ascese

Hoje eu senti a sensação de que minha alma estava passando por uma purificação. Não é clarividência, afinal, a lucidez chega a ser uma sensação? Igualmente não é preenchimento, porém um vazio acolhedor. Aquele vazio do copo cheio de ar. Pois nunca estaremos cheios, e se quisermos ficar cheios, conseguiremos apenas a fome mais mendiga. Também não encontrei nada que se possa chamar de divino - somente uma malemolência de rede. De índio que deita na rede e adora a deusa lua. E ainda diria que não é paz, porém um vento macio de coqueiros no fim de tarde no parque. Como se as buzinas não importassem - apenas o colorido do vermelho e do verde no semáforo.

A foto mais sincera


De madrugada, numa loja de conveniência, bebendo "vinho" Quinta do Morgado com um amigo.

domingo, agosto 01, 2010

Esse café...


- Eu nunca tomo o café inteiro. Só gosto de tomar café muito quente, então coloco na xícara e assopro...

- Você reparou que você demora muito a tomar o café?

- Sim, mas é por isso, porque está quente demais. Aí quando vai chegando no final, o café está frio. Então jogo fora o resto do café e tomo outra xícara.

- Já parou pra pensar em tomar um café não tão quente para consumi-lo inteiro?

Um instante qualquer

- Você tem tantos irmãos? Hum... Então nunca está sozinha, sua casa está sempre cheia de gente né?

Disse ele. Com os olhos que não verteriam nenhuma lágrima. Respirando uma dor com gosto de fel subjugada pelo orgulho. Ele sabia o que eu havia compreendido. E se calou diante do meu espanto sem nem ao menos tentar se explicar, pois não havia como.

Naquele instante, eu entendi que toda a sua fortaleza e satisfação em si mesmo não passavam de uma solidão de homem abandonado pela mãe.

"Você é encantada", comentou certa vez. E admirava esse encantamento na mesma medida em que considerava uma fraqueza.

Eu nunca soube quem ele era. Apesar de tê-lo amado um dia.

Um jeito bonito de ser

E ele passa, com seus olhos tímidos escondidos por debaixo das lentes dos óculos e o sorriso ingênuo. Ele parece que ri de tudo - talvez esteja rindo de si mesmo por ser tão tímido, talvez esteja rindo para os outros verem e não o acharem blasé por quase não falar, ou talvez esteja rindo porque é do direito dele rir do que quiser.

Quando perguntei por ele, me disseram: "ele é de boa, na dele, tímido, fala pouco... mas é bem risonho, tá sempre de bom humor".

Não é bonito isso?