quarta-feira, junho 30, 2010

Mãe


Um dos filmes mais belos que já vi é Vida (1993), de Artavazd Pelechian. O curta dura apenas seis minutos, e foram seis minutos que me fizeram chorar todas as vezes que vi esse curta-metragem. É um belíssimo documentário que representa um parto. Ao vê-lo lembrei da ligação muito forte que tenho com minha mãe, e esse filme me faz atentar para o fato de esse vínculo existir desde a simbiose da gravidez. Fui sua primeira filha e imagino o quão belo deve ter sido para ela a experiência, dolorosa inclusive, de dar à luz. Ela fantasiou sobre como seria sua filha, e agora sou eu quem devaneia sobre como foi para ela ter se tornado mãe. E eu, mesmo não pensando em ser mãe, não deixo de ver tamanha beleza, posto que o seu amor é o lugar mais aconchegante do mundo. São emoções que um diretor como Pelechian proporcionam. É de emocionar mesmo.

terça-feira, junho 29, 2010

E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero


Eu me identifico com diversos lugares por onde passo. Dia desse estava olhando as fotos da praia do Francês e sentindo tanta saudade, tanta vontade de ir lá de novo. É como se eu fosse da mesma essência desses lugares, mesmo que de matéria distinta. Como é bom viajar! E sempre peço para ficar na poltrona de número ímpar, que é do lado da janela.

Lembro-me de que quando eu era pequena sentia enjôos ao observar as paisagens, e isso me chateava muito. É que eu queria tanto ver o mundo por aí... Levava comigo o limão para cheirá-lo, que segundo minha avó faria minha náusea passar. Concentrava-me em não olhar através da janela do carro. Mas ainda bem que esses enjôos passaram e hoje posso contemplar as paisagens à vontade.

Por isso que digo: só preciso de uma casa simples, não importa onde estou, importa sim aonde vou. Pois não sou de lugar algum. E me identifico muito com Passagem das horas, poema do heterônimo Álvaro de Campos... Alguns trechos...

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
(...)
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
(...)
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.

Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.

segunda-feira, junho 28, 2010

Lá em Maceió :)

Viagem à Tóquio (1953), Yasujiro Ozu


Não faz muito tempo desde que eu comecei a achar a velhice uma bela fase da vida. Tempo de contemplar, de rememorar... Mas é claro que é também um período delicado, de lidar com a espera da morte, a solidão, as mudanças muito grandes no mundo à sua volta, além de uma certa condição de "inutilidade" ou até mesmo "fardo" para outras pessoas. E é sobre tudo isso o filme Viagem à Tóquio, do diretor japonês Yasujiro Ozu.

Filmes como Morangos silvestres (1957), de Ingmar Bergman, e Umberto D.(1952), de Luchino Visconti, abordam também o universo da velhice, só que eles se detém sobre a solidão de um personagem, enquanto o filme de Ozu é sobre a solidão de um casal de idosos. No filme de Ozu acompanhamos um casal que parte de uma cidade localizada próxima à Hiroshima e seguem à Tóquio para ver seus filhos.

Lá eles encontram filhos envolvidos em tantos afazeres, e terminam se sentindo como se fossem um incômodo. Eles ficam admirados com a grandiosidade e a vida atribulada em Tóquio. A viagem de um lugar tranquilo até uma capital é também uma viagem que eles fazem ao mundo conturbado que choca com a percepção deles. Só que o diretor está atento à visão de mundo do casal e a ação prossegue a passos lentos, com cenas que privilegiam uma temporalidade letárgica.

Esse universo de progresso que eles encontram na cidade de Tóquio nem por isso conseguiu apagar as marcas da Segunda Guerra Mundial, que findou oito anos antes do período da diegese do filme. Não é à toa que o casal de velhos residia próximo à Hiroshima, uma das cidades destruídas pela bomba atômica. E Noriko, viúva de Seiji, filho do casal de anciãos, é uma mulher que perdeu o amor de sua vida para a guerra.

E a relação do casal é muito mais afetuosa com Noriko do que com os filhos. Não por acaso, afinal, Noriko é uma mulher que, após ter perdido o marido, contempla a vida como se já fosse também uma idosa. Sua vida passou a ser, como a de uma anciã, feita de memórias.

Mas o casal de velhinhos é também separado pela morte. É emocionante a cena em que o velhinho observa o nascer do sol enquanto seus filhos choram a morte da sua esposa - como se ele acreditasse na eternidade da alma da amada. Alguns dias depois, uma mulher na janela pergunta a ele como está, e ele diz que agora que sua mulher havia morrido o tempo passava mais devagar. Assim como o tempo da viúva Noriko, a quem o velhinho havia dado o relógio de sua falecida esposa.

domingo, junho 27, 2010

O amor que fere

Hoje uma pessoa que eu havia acusado de não me amar me surpreendeu. Um certo dia eu estava sem paciência e lhe disparei uma série de mágoas. Disse que durante toda a minha vida tentei agradá-la, mas tudo em vão. O que sempre recebi foram críticas muito negativas, até mesmo nos momentos de vitória. Falta de carinho, rigidez e a reprovação constante do que faço e do que sou.

Eu jurava que essa pessoa nunca mais ia querer ver minha cara. Que ia falecer sem me dizer uma palavra. Mas, para minha surpresa, ela me enviou um presente no meu aniversário e me pediu desculpas ao telefone. Ela susurrou "desculpe" como se fosse um segredo entre nós. E naquele momento eu a perdoei. Eu também havia cometido erros, pasmen.

Hoje ela me recebeu com muito carinho e um sorriso afetuoso. Perguntou se eu precisava de alguma coisa, ofereceu-me comida. Disse que eu devia me sentir à vontade. E, estranhamente, eu percebi que algumas pessoas têm um jeito esquisito de amar a gente. E o que nos resta é o rancor eterno ou quem sabe apenas aceitar esse amor. Seja lá como ele for.

Corpo e imagem

O seu corpo se tornou imagem
“A visão é o mais espiritual dos sentidos”
Os outros sentidos são por demais sensuais
Mas eu, como o poeta, sou incapaz de transcendência
- Vontade de ter o corpo saqueado

sábado, junho 26, 2010

Um sábado


Hoje foi um dos raros sábados em que fiquei em casa. E posso dizer que aproveitei bastante. Assisti a um belíssimo filme do genial Mizoguchi, Contos da lua vaga (1953), li poemas de João Cabral de Melo Neto e de Manoel de Barros, estudei... Um dia pra ficar quietinha! Sinto-me bem por passar um sábado de clima tão frio assim, mas agora depois das dez da noite (não posso deixar de lembrar de um amigo querido que mora no Recife e sempre marca as coisas dizendo 'só se for depois das deix'), e eu queria tanto sair, tomar um bom vinho pra esquentar, bater um papo legal. Mas enfim, já é tarde, e o que me resta é dormir, já que meus patéticos irmãos estão em casa e não me deixam ver mais filmes em paz. Ah, como preciso morar só. Com urgência!

sexta-feira, junho 25, 2010

Dilma: entre os papéis de militante e mãe


Recentemente li uma matéria na Caros Amigos que abordava o protesto de militantes feministas durante a Plenária Nacional das Mulheres do PT, na ocasião em que também foi homologada a candidatura de Dilma Rousseff. "Não basta ser mulher", bradaram as militantes. E elas aproveitaram a oportunidade para criticar o teor da campanha política da candidata petista.

Segundo as feministas do PT, a campanha de Dilma e também suas declarações em público reproduzem os valores mais arcaicos acerca do papel da mulher na sociedade. Frequentemente, Dilma tenta conquistar eleitores representando o papel da mãe, da mulher que cuida e protege, e pior: da mulher à sombra de um homem, Lula. E o papel de mulher dócil irá render muito mais votos a Dilma do que a personagem da mulher truculenta, mandona, que tantas vezes foi construída na mídia.

Não obstante, acho uma grande ilusão esperar de uma campanha política um teor diferente. As campanhas não são feitas de ideologias socialistas, comunistas, neoliberais... São amparadas na emoção, em sentimentos irracionais e não num discurso racional. Sabemos que a paixão na política vale muito mais do que as propostas de campanha. E as campanhas não são feitas de ideologias políticas, mas sim pelo mais puro marketing. São os marketeiros os donos dos gestos, da voz, até do discurso dos políticos.

Marketeiro nenhum aconselharia Dilma Rousseff a defender ideais feministas. Ora, isto é uma construção da própria sociedade brasileira. Sabemos que a condição de homens e mulheres está longe de ser igual. E que a nossa sociedade é extremamente machista. Mas esse machismo não tem origem apenas nos homens. Como diria Foucault, o poder não é feito apenas da negação, da probição, mas o poder é também produção de conhecimento e afirmação. O poder produz visão de mundo. E grande parte das mulheres concordam com a visão de mundo pautada nos valores machistas e são também elas reprodutoras da sua própria opressão.

Por isso que ninguém espere que o discurso de Dilma mude. Ela vai sim continuar batendo nesta mesma tecla de mulher=mãe e vinda da costela de Lula. Inclusive essa fórmula tem dado certo e ela tem crescido bastante nas pesquisas devido à associação da imagem dela à de Lula. Minha aposta é de que se ela viesse com papo de feminismo suas intenções de voto cairiam vertiginosamente.

quinta-feira, junho 24, 2010

Alanis!


Quando eu era adolescente, a minha cantora favorita era Alanis Morissette. Aí eu cresci e virei uma pessoa "cult" e agora não a suporto, certo? Errado! Ainda hoje eu ADORO Alanis. Acho-a uma mulher de atitude, com uma voz encantadora e continuo me identificando com as letras dela. Coisa que também acho de Billie Holiday, Elis Regina, Gal Costa... Inclusive hoje me peguei cantando Hand in my pocket, que por sinal tem tudo a ver com meu atual momento.

I'm broke but I'm happy
I'm poor but I'm kind
I'm short but I'm healthy, yeah

I'm high but I'm grounded
I'm sane but I'm overwhelmed
I'm lost but I'm hopeful baby

An' what it all comes down to
Is that everything's gonna be fine fine fine

'Cause I've got one hand in my pocket
And the other one is giving a high five

I feel drunk but I'm sober
I'm young and I'm underpaid
I'm tired but I'm working, yeah

I care but I'm restless
I'm here but I'm really gone
I'm wrong and I'm sorry baby

An' What it all comes down to
Is that everything's gonna be quite alright

'Cause I've got one hand in my pocket
And the other is flicking a cigarette

And what is all comes down to
Is that I haven't got it all figured out just yet

'Cause I've got one hand in my pocket
And the other one is giving the peace sign

I'm free but I'm focused
I'm green but I'm wise
I'm hard but I'm friendly baby

I'm sad but I'm laughing
I'm brave but I'm chicken shit
I'm sick but I'm pretty baby

And what it all boils down to
Is that no one's really got it figured out just yet

I've got one hand in my pocket
And the other one is playing the piano

What it all comes down to my friends
Is that everything's just fine fine fine

'Cause I've got one hand in my pocket
And the other one is hailing a taxi cab...

Nem diz da morte, que é sua sina


Apesar de considerar a tourada uma prática deplorável, eu gosto dos poemas de João Cabral de Melo Neto que falam de touradas e sou apaixonada por uma cena de Hable con ella (2002), de Almodóvar, em que a toureira Lydia enfrenta um touro logo após a perda de um grande amor. Naquele momento, Lydia era uma mulher magoada, repleta de feridas na alma. Almodóvar então constrói uma mise-en-scène maravilhosa, e representa a dor do touro ferido como consubstancial à dor de Lydia. Os próprios gestos e expressões de Lydia em alguns instantes se assemelham ao de um touro! Há uma simbiose entre o touro e Lydia que emociona, uma metáfora esplendorosa. Lembrei-me dessa cena belíssima enquanto lia este também belíssimo poema de João Cabral de Melo Neto, em sua obra Andando Sevilha:


A praça de touros de Sevilha

É a Praça de Touros barroca,
não do ferro comercial de outras.

Barroco alegre, de cal e ocre,
sem jogos fúnebres de morte.

Plena luz de um sol-de-cima,
nem diz da morte, que é sua sina.

É como um altar ao ar livre
barroco, sem seus jogos tristes.

Ou se o morrer, é o luminoso
de sua areia quente, de ouro,

que para lá fora trazida
de Utrera, de Guadaíra.

Tem tanta luz que até encandeia
o touro que salta na arena,

a prata e o ouro do toureiro
e o espectador que foi vê-los.

Quando o touro salta do corral
entra num sol tão natural

que se duvida se então entrou
sua morte ou a de seu matador.

terça-feira, junho 22, 2010

O show man do cinema


Aproveitei a tarde de hoje para assistir ao mais novo documentário do Michael Moore, Capitalism: a love story (2009). Não faço represálias com relação ao fato de ele fazer de seus filmes um verdadeiro espetáculo, acho até que ele consegue fazer espetáculos interessantes, como quando utiliza a linguagem televisiva de apresentadores de programas de auditório para encher a paciência de banqueiros. Também não vejo problema no modo como ele manipula o mundo histórico ao seu bel prazer em defesa de uma argumentação muito clara. Afinal, ele deixa evidente que se trata de um ponto de vista DELE, pois ELE MESMO surge no seu documentário, contando até histórias referentes ao seu pai e à sua infância, tornando-se também personagem do documentário, ao invés de se esconder por trás de uma voz over que ninguém sabe de onde vem (a voz de deus?), e que é toda poderosa e apresenta a verdade aos espectadores.

Inclusive eu concordo com a argumentação de Capitalism: a love story. Nas minhas discussões com pessoas que defendem o liberalismo, eu sempre apontei que o que eu acho pior no capitalismo é a reificação generalizada, pois tudo se torna mercadoria, até mesmo as pessoas. E é por isso que no filme de Moore nós vemos grandes empresas como Wall-Mart e Citibank lucrarem com a criação de seguros de vida para seus empregados e se tornando beneficiárias desses seguros. Elas contam com a morte de seus trabalhadores para angariarem milhares, milhões de dólares. É uma lógica cruel!

Outra coisa que acho absurda é alguém defender o estado mínimo e o livre mercado. Aí o Michael Moore contra-argumenta essa ideia quando mostra que, em tempos de crise financeira em Wall Street, o Estado se mobiliza para proteger os grandes empresários através da desregulamentação financeira. Pergunto: que estado mínimo é esse que protege os grandes empresários? É estado mínimo só na hora de investir em educação e saúde?

Só que eu ainda não comentei sobre as minhas ressalvas em relação a esse filme. Houve uma cena que eu simplesmente achei REVOLTANTE. Uma viúva chora a morte de seu marido que havia proporcionado lucros absurdos a um empresa através do golpe do seguro de vida. A câmera percorre a sua casa e se detém brevemente sobre uma foto do Bush. De repente uma mulher em um momento melancólico se torna uma alienada eleitora de Bush. Achei uma tremenda falta de respeito!

Outra coisa que não suporto no Michael Moore é a maneira como ele utiliza a música para criar situações melodramáticas que evidentemente querem emocionar o espectador. Não que provocar emoções e identificação no cinema seja uma espécie de pecado estético, mas considero um equívoco utilizar um recurso como esse para convencer de um argumento a respeito do mundo histórico.

Também não gostei da exaltação de Ronald Reagan, seguida por uma interpelação para os trabalhadores se juntarem em nome da social democracia. Michael Moore, que antes havia aclamado a vitória de Barack Obama, estava construindo uma reencarnação do projeto Reagan em Obama? Estava apontando um líder para essas mudanças sociais? Acho complicado esse tipo de defesa de heróis masculinos que trarão a redenção de uma Nação. É uma narrativa muito velha e presente em tantos livros de história antiquados...

Por mais que o modo videoclíptico de filmar e a estética de show de TV de Michael Moore tenham algo de pós-moderno, se há uma coisa que ninguém pode acusá-lo é de ser um pós-moderno. Afinal, em seu filme as lutas entre as classes sociais, bem como a sua concepção de história e de Nação são unívocas.

segunda-feira, junho 21, 2010

Eu

Eu sei que houve gente que já me criticou por botar poesia dos outros no blog e blá blá blá, mas que se lasque, isso aqui é feito pra mim e somente pra mim e eu quero essa poesia pra mim hoje.

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!



Florbela Espanca

A estrada

O mundo às vezes parece tão distante de mim
que de repente paro e me dou conta de que não é o mundo que segue para longe
mas sou eu quem tomou rumo numa estrada infinita
que leva para não sei onde

Um dia acordarás

Um dia acordarás num quarto novo
Sem saber como foste para lá
E as vestes que acharás ao pé do leito
De tão estranhas te farão pasmar,
A janela abrirás, devagarinho:
Fará nevoeiro e tu nada verás...
Hás de tocar, a medo, a campainha
E, silenciosa, a porta se abrirá.

E um ser, que nunca viste, em um sorriso
Triste, te abraçará com seu maior carinho
E há de dizer-te para o teu assombro:

- Não te assustes de mim, que sofro há tanto!
Quero chorar - apenas - no teu ombro
E devorar teus olhos, meu amor...


Mario Quintana em Apontamentos de história sobrenatural

sábado, junho 19, 2010

A função do poeta é dar a ver


Atualmente tenho me debruçado sobre a obra de um grande escritor pernambucano: João Cabral de Melo Neto. E também sobre artigos, teses e dissertações a respeito dele, afinal, meu objetivo é levar adiante esses estudos sobre Cabral. E, apesar de alguns estudos sobre Cabral me ajudarem a compreendê-lo, é interessantes ver alguns equívocos a respeito de sua obra. Como um artigo que afirmava que Cabral via Sevilha como a cidade ideal e o Recife a partir da crítica social (que eu cheguei a citar), quando mais tarde encontrei indícios de problematização da sociedade sevilhana em Andando Sevilha.

Hoje eu estava pensando sobre o que me chamava tanta atenção neste poeta. Obviamente que, como muitos sabem, gosto muito do Recife, e já que é uma cidade constantemente representada na poesia de Cabral, isso me despertaria interesse. Mas não é só isso.

Apesar de no início Cabral ter se inspirado bastante no surrealismo na escritura de poemas como Pedra do sono, depois ele enveredou pelo racionalismo e pelo materialismo. Não que poetas irracionais e/ou transcedentais sejam inferiores a Cabral, mas é na sua poesia que eu acredito. Tenho ressalvas quanto à sua concepção da escrita do verso a partir do trabalho, entendimento esse que vai de encontro à ideia de que a poesia é produzida a partir da inspiração. Mas não deixo de concordar com sua crítica ao "mito da criação", da genialidade do artista, etc.

Mas o que eu mais admiro nele é o seu materialismo. Como ele mesmo disse, ele escreve sobre coisas como um copo d'água, e não sobre emoção ou saudade. Só que ele coloca a emoção justamente no bendito copo d'água. Ele CONCRETIZA. Certa vez ele afirmou que gostaria de ter sido cineasta. Pois ele tinha plena consciência de que um poeta, assim como um cineasta, trabalha com imagens.

Afirmou Cabral a respeito do poeta Murilo Mendes:
Sua poesia me ensinou que a palavra concreta, porque sensorial, é sempre mais poética do que a palavra abstrata, e que assim, a função do poeta é dar a ver (a cheirar, a tocar, a provar, de certa forma a ouvir: enfim, a sentir), o que ele quer dizer, isto é, a dar a pensar

Aos poucos vou descobrindo essa relação de Cabral com o cinema e a paisagem... Vamos ver no que dá esta pesquisa!

Imagem: documentário Recife/Sevilha: João Cabral de Melo Neto, de Bebeto Abrantes.

A aventura de um roteiro

Hoje me dei conta de que existem várias coisas que eu queria aprimorar na minha vida, mas deixo encostadas de lado. Entre elas violão, artes marciais (que eu sequer tentei aprender) e ginástica olímpica (impossível a essa altura do campeonato e não sou magricela). Mas agora decidi tentar uma que eu não citei ainda: o roteiro cinematográfico. Percebi que vivi uma situação que dá um roteiro para um curtinha. E sei que meu professor de Roteiro afirmou que não devemos escrever sobre coisas que aconteceram com a gente, mas tão somente nos inspirar nelas. No entanto, não ligo patavinas para isso. E neste blog relatarei a minha aventura em construir um roteiro de cinema. Será inclusive uma forma de me cobrar a colocar esta ideia em prática.

Aí vem a pergunta: você quer filmar? Sim, sim! Como eu ainda não sei, mas tenho certeza de que quero dirigir também. Mas isso é problema pra depois de o roteiro estar finalizado.

O primeiro passo é pensar nas referências. E posso dizer que minha protagonista é a la Fassbinder (especialmente o filme Fear eats the soul, que não sei como é o título nem em alemão nem em português), e o curtinha merece uma atmosfera de Fellini e Almodóvar. Por isso vale rever Fassbinder, Fellini e Almodóvar e também assistir a filmes deles que ainda não vi.Mãos à obra!

sexta-feira, junho 18, 2010

Este quarto...

Hoje resolvi abrir aleatoriamente o livro Apontamentos de história sobrenatural, de Mário Quintana, para catar uma poesia buscando alguma mensagem dos deuses. Foi essa aqui que eu encontrei:

Este Quarto...

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa esse quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...

Paul


Hoje é aniversário do Paul McCartney e eu não poderia deixar de fazer minha pequena homenagem a ele! Porque ele fez a melhor parceria de todos os tempos: Lennon e McCartney! Porque eu amo muito, muito, MUITO os Beatles, e me sinto eternamente feliz ouvindo obras-primas como I'm only sleeping, Because, You've got to hide your love away, I'm so tired... Porque TODOS os albuns dos Beatles são LINDOS, inclusive eu gosto também dos discos da fase iê iê iê e ninguém tem nada com isso kkk, e não tem coisa melhor do que ouvir Beatles de manhã, e os álbuns mais fodas são White Album, Rubber Soul, Abbey Road, ou será que são todos? Salve, salve!
Um dia difícil.. tentando me concentrar pra focar nos meus objetivos, pra colocá-los em prática. Sensação de "é o começo"... Tentando ser o mais forte possível também.

Tentanto reconstruir

É difícil imaginar um mundo longe do lugar onde você sempre morou, da sua família, daquela sensação de estar protegida. Mas, ao mesmo tempo, sinto que é cada vez mais necessário "me reconstruir". Sinto que tudo o que está aqui já não pode me render mais frutos, não haverá grandes novidades. Eu preciso de outro lugar, outra atmosfera, conhecer outras pessoas. E sempre me imagino interpretando uma personagem diferente neste outro mundo. Como se eu mesma quisesse ser outra pessoa. Assim como uma fugitiva mesmo.

quinta-feira, junho 17, 2010

Cadê minha banda de rock?

Eu vivo dizendo que meu sonho mesmo é ter minha banda de rock. Tá, eu não toco tão bem assim pra ser guitarrista de porra nenhuma. Mas enfim... Imagina só viver viajando, tocando... Claro que eu queria que minha banda fosse mais ou menos famosa. Como assim? Mais ou menos famosa po! O suficiente pra eu e minha galera descolar uma graninha, mas não tão conhecida que a gente tivesse que aturar pessoas enchendo o saco. E outra que acho style tocar em palquinho, em lugar pequeno cheio de fumaça e com alguns bêbados ao redor. É.. mas não daria pra sobreviver assim ne? Sobreviver... Esse sempre foi o problema em VIVER!

domingo, junho 13, 2010

Um céu de estrelas (1996), Tata Amaral


Se a violência contra a mulher é geralmente abordada em termos de uma dicotomia mulher=vítima versus homem=algoz, o filme Um céu de estrelas (1996), de Tata Amaral, vai de encontro a qualquer elaboração maniqueísta da relação entre Dalva e Vitor.

Este é um filme que apresenta um ritual de violência e desejo, duas faces de uma mesma moeda. A cena de sexo entre Vitor e Dalva não é gratuita: ela evidencia que ambos concordam com o jogo, e que existe um forte prazer sado-masoquista na relação dos dois. Ao ponto de eles fazerem sexo logo após Vitor matar a mãe de Dalva. É por isso que Vitor afirma, quando Dalva grita desesperada que ele matou a mãe dela, que quem a assassinou "fomos nós". A ambiguidade dos papéis dos personagens é uma característica típica do gênero thriller que Tata Amaral soube aproveitar muito bem neste filme.

E é isso que aproxima Um céu de estrelas de uma obra como Veludo azul (1986), de David Lynch, em que também vemos uma vítima conivente com a violência do algoz, e a distancia de um filme como Dormindo com o inimigo (1981), de Joseph Ruben. Por mais que o "inimigo" de Julia Roberts no filme em questão seja extremamente sedutor, ela jamais é cúmplice da violência que sofre.

O filme de Tata Amaral tem algo da atmosfera de filmes sobre amores devastadores, a exemplo de obras de Truffaut, como A mulher do lado (1981) e Jules e Jim (1962), amores esses que levam ao limite a sua capacidade de destruição e findam em morte.

Inclusive o lado destrutivo do amor se faz bastante presente num cineasta como Almodóvar. E existe algo da personagem Kika, de filme homônimo de Almodóvar, em Dalva. As duas são cabeleireiras, as duas são feitas de refém, utilizam figurinos semelhantes, e tanto Um céu de estrelas quanto Kika abordam o espetáculo televisivo em torno do trágico.

E o último plano do filme, elaborado do ponto de vista da câmera da TV que acompanhava do lado de fora da pensão a operação da polícia para tentar prender Vitor, revela a ambiguidade da vítima, pois vemos Dalva segurar a arma ao lado de Vitor morto e ela apresenta um olhar perdido diante da câmera. Mas o plano do ponto de vista da câmera televisiva aponta também um outro pervertido além de Dalva e Vitor: o próprio espectador, o voyeur por trás da subjetiva da TV.

sábado, junho 12, 2010

Titicut Follies (1967), Frederick Wiseman


Um documentário que apresenta o cotidiano de um Instituto para Criminalmente Insanos de Bridgewaters, Massachussets, revela-se problemático partindo-se do princípio da ética da representação. Vemos os maus tratos concedidos por guardas e a intolerância de médicos diante de pessoas consideradas esquizofrênicas, e também observamos essas pessoas viverem momentos em que sua dignidade é totalmente desrespeitada. Se falarmos em não expor os personagens do documentário em situações vergonhosas, esse filme não seria possível - ou talvez corresse o risco de esconder a crueldade de uma instituição como a de Massachussets.

O questionamento da ética deste documentário se dá também em virtude da escolha do método. Wiseman adota o modo observacional, aquele em que a câmera está ali escondida assistindo a tudo, concedendo um prazer vouyerístico de contato com o real.

De modo que o diretor adota o que eu vou chamar de uma estética do enfrentamento, na qual personagens estão envolvidos numa relação de poder entre si e com a câmera. A produção dessa estética de enfrentamento ocorre, por exemplo, na cena em que Vladimir, um homem aparentemente consciente da sua fala, afirma para um psiquiatra que não é louco e que estar naquele lugar só trouxe malefícios a ele. O psiquiatra a todo momento nega a sanidade de Vladimir, e a câmera acompanha a relação conflituosa entre os dois através de zooms rápidos e mudanças bruscas de foco, e também com uma câmera na mão com muito movimento.

O enfrentamento também se dá quando um homem que havia sido humilhado pelos guardas por ter sujado o próprio quarto marcha nu com passos fortes até se encostar num canto da parede e encarar a câmera. Não seria a câmera também opressora com aquele personagem? O olhar dele parece cristalizar uma revolta e enfrentar aquele que o observa.

Mas se vemos diversas cenas de maus tratos, também presenciamos momentos como aquele em que um velhinho canta sorridente perto de uma televisão "Chinatown, Chinatown". Não obstante, nada que nos faça esquecer por um instante sequer da brutalidade daquele lugar.

Apesar de o instituto parecer algo separado da sociedade, a instituição mental traz as marcas da sociedade onde ela existe. E é por isso que assistimos a um homem negro bradando dizeres nazi-fascistas contra os próprios negros. O clima político dos anos 60, aliás, está presente no filme através da fala de um interno que afirma: chamam a nós comunistas de criminosos, quando na verdade queremos fazer do mundo uma grande comunidade. Outro interno o contesta e brada que os comunistas são tão autoritários quanto qualquer outro governo.

E o autoritarismo do que Foucault chamou de sociedades disciplinares, aquelas que encontram no corpo um foco do exercício do poder, se faz evidente na cena em que Vladimir enfrenta uma banca de psiquiatras que avaliam o seu estado psíquico. Diante da afirmação de Vladimir, que contesta sua insanidade e afirma que o excesso de medicamentos está lhe fazendo mal, os médicos respondem concluindo que ele apresenta um quadro de esquizofrenia paranóica crônica, pois fantasia com a perseguição dos médicos, e receitam uma maior quantidade de tranquilizantes.

Os internos, no entanto, não são somente vítimas. Numa cena do documentário, observamos um interno relatar a um psiquiatra que abusou sexualmente de uma criança de 11 anos e também da própria filha. É como se o exercício de poder sobre o corpo estivesse em toda parte.

O corpo submetido ao poder pela disciplina é exposto nu no filme. É um documentário que coloca o corpo em evidência. Inclusive a cena em que um padre faz a extrema unção de um interno aponta isso. O padre lança água benta sobre a boca do paciente e diz: que Deus perdoe os pecados que você cometeu pela boca... e segue pelo resto do corpo. Este corpo que é o antro da impureza e do pecado, finalmente se separa do espírito na morte. Esse espírito é símbolo da pureza e é preparado para encontrar o mundo etéreo de Deus. Mas Wiseman mostra o caixão que contém o corpo sendo colocado numa gaveta para ser incinerado. Como diz o padre que realiza a extrema unção: "aquele que veio do pó, ao pó retornará".

A Folha é uma graça

Neste sábado acessei a página da Folha Online e encontrei uma manchete que não poderia deixar de me provocar risos. O título: PT fez dossiê com dados sigilosos de vice-presidente do PSDB. A matéria é apresentada na íntegra somente na versão impressa. O fato é que a reportagem afirma que a equipe de inteligência da candidatura de Dilma Roussef elaborou um relatório que aponta que o vice-presidente do PSDB, Eduardo Pereira, recebeu três depósitos no valor de 3,9 milhões de reais, além de outras informações sobre o seu Imposto de Renda.

A questão é: a Folha de São Paulo ressalta na matéria a ousadia da equipe de inteligência em obter dados SIGILOSOS, algo que é reforçado no título. Fora isso, consta um depoimento do próprio Eduardo Pereira declarando que trata-se de uma repetição do método do PT nas eleições.

Minha pergunta é: e se fosse o contrário? A manchete seria outra: VICE-PRESIDENTE DO PT RECEBEU TRÊS DEPÓSITOS DE QUASE 4 MILHÕES. No texto, um depoimento de algum tucano afirmando: "São esses ladrões que governam o nosso país".

Ainda falam em objetividade, neutralidade e imparcialidade no jornalismo. VOCÊ ACREDITA NISSO?

Leia aqui a matéria da Folha Online.

sexta-feira, junho 11, 2010

Certa manhã acordei com saudade

Hoje de manhã vi um documentário gravado no sertão, chamado Aboio, de Marília Rocha. O documentário acabou despertando em mim uma saudade imensa do sertão. Faz tempo que não vejo minha avó, faz tempo que não presencio aquele céu tão estrelado, nem sinto aquela noite que toca a pele de um jeito macio, aquele frio gostoso que faz a gente vestir um casaco e abraçar o próprio corpo. Saudade de tomar banho de rio, de deixar todos os males serem levados pelas águas do rio, de ser batizada pelo esquecimento do rio. Saudade de me perder nas estrelas enchendo o céu, que evidenciam a inifinitude do universo, como uma prova de que não conheço o sentido do mundo, somente os meus sentidos. Quanta saudade! Saudade sempre foi meu sentimento favorito...

quarta-feira, junho 09, 2010

No consultório médico

Eu não gosto de ir ao médico. Detesto ficar numa fila, passar horas esperando, essas coisas. Eu tenho que estar realmente MORRENDO pra ir a um médico. Ou, como foi o caso dessa tarde, tendo a obrigação de fazer exame admissional. E, para minha surpresa, a simpática senhora sentada ao balcão me revelou que a "doutora" só chegaria às 16h. Respondi que a consulta estava marcada para as 15h. A senhora então me contou que a tal médica estava em Carmópolis e só chegaria nesse horário.

Sentei-me. Estava cansada, havia caminhado muito hoje para resolver coisas. E quem não tem carro resolve coisas de um jeito muito devagar. A sala em frente ao consultório estava vazia. A simpática senhora então ergueu o controle e ligou a televisão com ares de tédio.

- Assista aí uma TV pro tempo passar mais rápido.

E ela voltou-se para a tela do computador. Seu rosto tinha sabor de solidão. Aquela tarde tão vazia, nublada, letárgica e solitária. Comentei que não gostava de ver televisão. Eu disse ainda que estava muito cansada, e que em momentos como esse sentia muita falta de um carro. Ela então se mostrou bastante conversadeira e passou a falar sem parar.

Se num primeiro momento eu fiquei impaciente com a sua tagalerice, logo eu já estava bastante interessada nas suas histórias da vida. Eu gosto de ouvir as pessoas. Talvez por isso eu seja jornalista, talvez por isso eu tenha também pensado em cursar Psicologia - mas sou doida o bastante para saber que não cabe a mim essa função.

A simpática senhora começou me contando que morava com os pais e costumava ir à academia. Achei sua vida uma chatice. Ora, o que uma mulher com mais de 50 anos fez até então com um cotidiano como esse? Mas logo depois ela me revelou que morou durante mais de 10 anos nos Estados Unidos. Partiu para lá com o marido, com quem dividiu o teto, os pensamentos e o corpo durante 30 anos.

- Ele sempre dizia: quando você completar 50 anos, eu vou trocar você por duas de 25. Não gosto de mulher velha, eu gosto de meninas novas!

Ela me contou que sempre respondia afirmando que duvidava que alguma menina jovem quisesse um velho de 60 anos. Mas ele cumpriu a promessa: ela descobriu que ele tinha um caso com duas mulheres de 20 e poucos anos. "Uma chinesa e uma brasileira", ressaltou ela. Por fim ele largou a chinesa e se casou com a brasileira, com quem teve um filho.

A simpática senhora comentou que adorava a internet porque podia conversar sempre com seus filhos, seus netos, que estavam nos Estados Unidos. Ela me mostrou as centenas de fotos nos perfis do orkut deles cheia de orgulho. Comentou que sentia saudade, mas que agora sua missão era outra, pois seus filhos já estavam criados, casados, e agora ela tinha que cuidar de seus pais velhinhos.

Foram muitas fotos do seu netinho, que vivia pedindo para que ela não mandasse o presente por avião, mas trouxesse junto com ela, para ele poder vê-la lá nos Estados Unidos.

Das fotos do netinho, ela partiu para as fotos de quando ela morava numa casa de praia em Barra de São Miguel. Uma casa rústica, a foto em preto e brano, ela junto com os filhos e as marcas do passado sobre um negativo fixadas pela luz.

Depois uma foto da filha. "Essa era a minha filha". Perguntei de que ela havia morrido. Ela contou que sua filha morreu de leucemia aos 13 anos.

- Esse pano aqui na cabeça dela é porque ela já tinha perdido os cabelos, comentou com carinho de mãe que cuidou o quanto pôde, mas nada conseguiu fazer diante das fatalidades da vida.

Ao ver a imagem de uma criança tão bonita e com as feições pálidas, delicada, frágil, ao lado de uma mãe tão bela e forte como uma verdadeira fortaleza, eu não pude deixar de me emocionar. Contive as lágrimas nos olhos, não podia chorar por isso, a simpática senhora me acharia uma louca.

Após finalizada a consulta, fiz um gesto tímido de adeus para a simpática senhora assim que saí do consultório da médica. E parti, sem ao menos saber o nome dela.

segunda-feira, junho 07, 2010

I can't sleep

Quando eu tenho insônia é óbvio que é porque meus pensamentos vão a mil. Aí eu levanto e minha nerdice me conduz até o computador. Encontro outras pessoas com pensamentos a mil e resultado: os papos mais estranhos, crises existenciais, etc etc. E isso só contribui pra eu ficar mais acordada ainda. Vou deixar de assistir ao filme que eu veria de manhã cedo no Canal Brasil. Merda!

domingo, junho 06, 2010

Ó pai, ó


Hoje finalmente vi o tão falado Ó pai, ó, e devo dizer que achei o filme uma grande bosta! As inserções videoclípticas - um ar de musical a la MTV, a câmera na mão com excesso de cortes, as baianidades estereotipadas, a atuação excessiva que lembra o teatro... Mas o pior mesmo foi o final. A montagem alternada que mostrava a imagem de uma mãe que desmaia após ver os dois filhos pequenos mortos e saltava para planos do carnaval de Salvador me causaram uma séria repugnância. Acho que o filme não soube ter o devido respeito pela morte de duas crianças assassinadas por um policial. E me pareceu que o filme tentou apresentar ares de crítica social, todavia o desejo de oferecer um final feliz ao espectador acima de tudo suplantou qualquer reflexão mais profunda acerca de problemas sociais. E a representação acabou sendo desrespeitosa. Em nome de todas as crianças pobres que sofreram abuso de poder por parte dos aparelhos repressivos de estado.

Isn't ironic, don't you think?

Uma vez um menino fantástico - legal, bonito, faz meu tipo, inteligente e engraçado- me disse que tempos antes do seu relacionamento (que dura até hoje) sempre reparava em mim, e inclusive era a fim de mim. Só que eu nunca reparei nele. Quando eu finalmente prestei atenção nele, ah, já era tarde!
Às vezes eu enjôo de alguns amigos. Dizem: excesso de contato dá atrito. Quando isso acontece, o melhor mesmo é passar um tempo distante. Tempo e distância são santos remédios.

sábado, junho 05, 2010

Jornalismo ruim, público pior

Uma coisa que me emputecia muito na minha vida de redação de jornal era a tal corrida pela manchete.Quem vai dar a notícia da bomba e EM PRIMEIRÍSSIMA MÃO. No mundo do jornalismo isso vale muito mais do que uma reportagem aprofundada sobre algum tema. Não que uma reportagem bem feita e com um olhar diferenciado não tenha seu valor. Mas, repito, uma bomba em primeira mão faz muito mais efeito.

E aí que na maior parte do tempo o que um jornalista procura é DESGRAÇA, dizer coisas negativas sobre o mundo. E os assessores, do outro lado, se irritam com as investidas dos jornalistas de redação. Já vi assessor ser mal educado, mandar tirar informação da matéria, mentir descaradamente, entre tantas outras práticas deploráveis. Uma coisa que eu percebi: a grande maioria dos assessores daqui do estado não sabe lidar com jornalistas. Eles são emotivos demais, tomam as dores demais, e sabem pouco sobre o assessorado. Tirando algumas raras e ilustríssimas exceções que são pessoas educadíssimas, bem informadas, ágeis e prestativas.

Mas não é só a maioria dos assessores que é imatura. A maioria dos jornalistas também. Ficam tão loucos atrás de ferrar os outros, que tantas e tantas vezes faltam com a ética, desferem acusações imprecisas, tudo isso porque estão doidos atrás da tal MANCHETE. Eslcarecimento não dá Ibope. Escândalo sim.

E no meio disso tudo, eu ainda acho que o público poderia pensar melhor sobre o que quer da mídia. Se a mídia é assim assado é porque o público contribui com isso TAMBÉM. Uma reportagem aprofundada... iiih, passa... UMA NOTÍCIA BOMBÁSTICA E SENSACIONALISTA... uau! essa sim... Aí não dá né?

terça-feira, junho 01, 2010

Justiça



Recentemente assisti ao documentário Justiça, de Maria Augusta Ramos, e, seguindo a minha típica mania de ler críticas após ver filme, eu li diversos ataques com relação ao documentário. O foco era uma suposta representação maniqueísta dos personagens do filme.

Isso porque uma juíza é representada como uma mulher fascista, que acredita que a solução para os problemas do mundo está em prender ladrões de galinha. No final do filme, a juíza chega ao posto de desembargadora, numa cerimônia em que ela é elogiada por livrar a sociedade dos tais bandidos.

As análises que eu li criticavam justamente o fato de o documentário não expor nada que a torne mais "humana", pois, ao contrário do que faz com a defensora pública, o filme nunca chega à intimidade da juíza.

Só que a pergunta que eu faço é: será mesmo que a cineasta tem a OBRIGAÇÃO de apontar o lado "bom" de uma mulher que, diante de um homem na cadeira de rodas, não cansa de acusá-lo de ter cometido um assalto e PULADO UM MURO? Será?

Será que a cineasta não tem mesmo o direito de dispensar a construção psicológica de um personagem no documentário em nome da representá-lo como signo de algo muito maior?