quarta-feira, maio 27, 2009

Entre civilização e barbárie


Assisti ontem ao programa Medical Detectives, do Universal Channel, e no episódio em questão uma garota havia sido assassinada pelo pai a facadas enquanto sua mãe a segurava pelo simples motivo de que a moça trabalhava numa lanchonete e tinha um namorado negro, o que era uma afronta à honra da conservadora família que morava nos Estados Unidos, mas era de origem palestina. O legista não comprovaria sua tese sobre o assassinato da moça, versão que parecia absurda ao lado do depoimento dos pais segundo o qual ela é que os havia ameaçado com uma faca após pedir cinco mil dólares para sair de casa, o que teria motivado o assassinato dela em legítima defesa pelo pai, não fosse a escuta que o FBI havia colocado bem antes do ocorrido em virtude de o pai da garota ser considerado um terrorista vinculado à OLP.

Na representação do programa, que já é apelativo, o caso adquire tons ainda mais sensacionalistas. Entenda-se sensacionalismo como atribuir o máximo de carga de emotividade a um fato chegando ao ponto de isolá-lo em sua singularidade, o que elimina o seu contexto sócio-histórico da construção da realidade.

O programa partiu de um pressuposto bastante simples para abordar o caso. A montagem paralela com imagens da Palestina em contraste com as imagens dos Estados Unidos é feita a partir de uma lógica que aponta para oposição Palestina/ barbárie e Estados Unidos/ civilização. Sabemos que tal discurso é o mesmo utilizado para justificar todo tipo de atrocidade que os Estados Unidos venham a cometer contra as populações do Oriente Médio motivadas por interesses político-econômicos. Essa é a mesma chave de compreensão para o caso da garota assassinada pelos pais.

Não que seja dito aqui que devemos inocentar o absurdo de um crime baseado numa tradição absolutamente machista segundo a qual o marido deve ser escolhido pelos familiares e a mulher não deve trabalhar, mas sim depender do marido. A questão aqui é a ética na representação do outro – o outro que, para boa parte dos estadunidenses, é atrasado e anti-democrático. Mas que democracia é a estadunidense? A democracia que gasta de trilhões de dólares na sua indústria de guerra? Falta auto-crítica.

Em uma determinada passagem do filme, uma mulher que escreveu um livro sobre o caso afirma que os pais da garota abusavam da receptividade dos estadunidenses, pois chegavam a dizer que gostavam dos Estados Unidos porque esse era um país fácil de enganar. Resta a pergunta: e todo o arsenal de vigilância para os imigrantes? E se os estadunidenses são tão ludibriáveis assim, como a escuta do FBI já estava na casa dos pais da garota?

No exato momento em que a voz over fala da relação do pai da vítima com o terrorismo surge a imagem de Yasser Arafat, e o locutor afirma que a organização em questão era a OLP. Através da imagem temos a elaboração de uma equação muito simples: terrorismo/ Yasser Arafat/ OLP. Podemos nem saber dos antecedentes históricos da OLP, mas de uma coisa estamos cientes: aqueles são terroristas, uma ameaça à democracia, aos países civilizados. Nós nunca somos uma ameaça a eles. O princípio no presente texto não é indicar mocinhos e vilões, mas tão somente lembrar que a realidade social é repleta de lutas de poder, de defesa dos próprios interesses tanto de um lado quanto do outro. A questão é que um dos lados é mais forte.

Na problemática da representação, a estética de Medical Detectives pode ser identificada como demasiadamente sensacionalista. Temos o uso de câmera na mão com teleobjetiva (com perda de profundidade de campo e acentuado tremor na imagem), a utilização de uma voz over, ou voz de Deus, típica do documentário expositivo que tem nessa voz um poder sobre a interpretação das imagens. Entretanto, a voz over de Medical Detectives apresenta um tom macabro, que ressalta o parentesco com o cinema policial presente nesses programas sobre crimes. A narrativa dos episódios traz essa herança do cinema policial, com ambigüidade dos personagens e pistas falsas a respeito da resolução do mistério. Entretanto, nesses programas há pouca sutileza, e somos levados de forma escancarada a desconfiar de um personagem ou de outro.

Os mínimos detalhes da perícia e da representação do crime levam o espectador a achar que desvendou toda a verdade. Não restam dúvidas a respeito do poder da ciência e da imagem. Ao final, o programa apela para uma enorme carga de emotividade, mostrando aqueles que sentem falta da vítima em prantos. Lamentamos a perda da vítima e ficamos indignados com o abuso de autoridade de valores de uma civilização do Oriente Médio. Já o abuso de autoridade vinculado a certos valores dos Estados Unidos, esses são mandados para debaixo do tapete.

sábado, maio 23, 2009

Ultimamente uns acontecimentos me fizeram perceber que eu tenho uma intuição muito forte. O engraçado é que só agora eu vim me dar conta de que vivo "prevendo" coisas. Estou sempre atada a um estranho exercício de imaginar o futuro. E geralmente eu acerto. Não que eu diga, ó, isso e isso vai acontecer, mas eu examino as condições de uma situação e faço uma linha dizendo onde vai dar. Minha colega disse que isso é praga. Eu acho que é intuição. Meu amigo chama de dedução lógica.

terça-feira, maio 19, 2009

Algo que me deixa muito triste às vezes é a impressão de que a hierarquia entre o sexo masculino e feminino nunca vai acabar. Explico. Muito mais do que uma ligação meramente econômica, ou seja, de que a igualdade entre os sexos viria a partir do momento em que a mulher se insere no mercado de trabalho, a dominação masculina se relaciona com a problemática da ameaça ao pau. Isso mesmo. O homem tem de proteger o seu pau a qualquer custo.

Ora, por que sempre há as equações homens=sexo e mulheres=compromisso? Exemplo. Se um cara come uma menina e liga pra ela ou manda mensagem no dia seguinte, ele é gentil e carinhoso. Se uma garota faz isso é uma grudenta sem amor próprio. Afinal, o cara é que tem que vir atrás. Hoje mesmo estava conversando com uma amiga e ela disse que deu seu telefone a um cara, e afirmou ainda que JAMAIS ligaria pro cara, pois poderia ser incoveniente. E por que o cara não seria inconveniente e ela sim? Isso pra mim não cheira a mulher difícil, e sim insegura.

Não são poucas as vezes que sei de história de um cara achar que a mulher tá na dele só porque ela ligou umas duas vezes. Enquanto há mulheres aos montes que recebem muitas ligações e continuam achando que o indivíduo "só quer sexo". Há também um forte tom de vitimização nessa frase: ele só quer me comer. É como se pelo fato de um homem querer vê-la, bater papo e transar sem namorar significasse que a mulher não passa de uma boneca inflável, quando, em verdade, é possível haver um certo afeto sem necessariamente haver paixão tanto de um lado quanto do outro.

Falando em paixão, às vezes penso que as pessoas detectam paixão com muita facilidade, vêem paixão em tudo. Existe uma linha tênue que separa amor de carência afeitva, e a diferença entre ambos só o amor próprio pode dar.

sexta-feira, maio 15, 2009

Divã (2009), José Alvarenga Jr.


Quando assisti a Divã, uma das primeiras impressões que tive é que minha mãe ia adorar. Sim, acredito que se trata de um filme dedicado às mulheres de meia-idade, especialmente as divorciadas.

Não por acaso Mercedes, nossa protagonista, tem um caso extraconjugal com Téo, interpretado por Reinaldo Gianechini. O romance dela com o ator global tem caráter totalmente evasivo – que coroa não ia querer namorar o Gianechini, aquele que namorava a Marília Gabriela? O filme também apresenta ingredientes como a figura da melhor amiga, do cabeleireiro gay, conversas sobre maquiagem, enfim, coisas que supõe-se que façam parte do chamado universo feminino.

Apesar de apresentar cenas bastante evasivas, Divã não oferece happy end. Aliás, esse é um filme que tem como tema a perda, a dor da separação das pessoas que amamos. Mercedes se divorcia do marido, Teo a abandona, sua melhor amiga morre, seus filhos crescidos se retiram aos poucos da sala de estar dizendo que vão sair e a deixam sozinha assistindo a Os cafajestes (1962), de Ruy Guerra. A cena de Os cafajestes é justamente o famoso longo plano em que a personagem de Norma Bengell fica nua numa praia enquanto dois playboys que haviam roubado sua roupa rodeiam-na num carro, momento em que a câmera é agressiva com a personagem. Mercedes tem algo de Norma Bengell em Os cafajestes? Quem sabe a nudez como se mostra para nós espectadores, que invadimos sua privacidade em pleno divã.

O psicanalista com quem Mercedes conversa não chega a aparecer na tela, e tudo o que vemos é a sua sombra. Enquanto Mercedes fala, a câmera nos coloca no ponto de vista do psicanalista, ou seja, essa é uma experiência metalingüística em que o filme fala da própria espectatorialidade e insere o espectador como voyeur na ação, um voyeur para quem a protagonista fala dos seus segredos mais profundos. Outro filme que faz uma reflexão sobre o voyeurismo no cinema é Kika (1993), de Pedro Almodóvar, no qual Almodóvar faz uma homenagem a Janela indiscreta (1954), de Alfred Hitchcock, outra película cheia de metalinguagem. Em Kika, a protagonista que dá nome ao filme maquia um morto que ressuscita. Já em Divã, a melhor amiga de Mercedes pede para que ela a maquie, pois está pálida e não quer que seu marido a veja assim, mas acaba falecendo ainda enquanto Mercedes passa pó no seu rosto. Não, Mercedes não pode ressuscitar os mortos - têm de lidar com a sua partida.

Após tantas perdas, o último plano do filme é de Mercedes sorrindo como uma mulher forte, que conseguiu superar todo o sentimento de ausência, sorriso que depois é eternizado numa fotografia. Ela não está com nenhum bonitão nem casou de novo, mas algo nos diz que a vida é assim: a gente ama, ama, pra depois um dia a pessoa ter que partir, de uma forma ou de outra.

domingo, maio 10, 2009

Não faça o que eu faço

Uma coisa que percebi há não muito tempo foi a minha paixão por personagens sem caráter ou problemáticos mesmo. Nada de personagens que estão ali para dar uma lição de moral, eu quero é ver nóias e sangue no olho. Enfim, eu adoro os pilantras ou aqueles que não sabem onde estão nem pra onde ir. Aí vai a lista dos meus preferidos.

Petra von Kant em As lágrimas amargas de Petra von Kant
Tyler Durden em Clube da Luta
Capitão Nascimento em Tropa de Elite
Michael Corleone na trilogia O poderoso chefão
Beatrix Kiddo em Kill Bill 1 e 2
Travis em Taxi Driver
Alvy Singer em Annie Hall
Clementine em Brilho eterno de uma mente sem lembranças
Jules Winnfield em Pulp Fiction
Alma e Elisabeth Vogler em Persona
Carol Ledoux em Repulsa ao sexo
Lilica em Pixote
Lestat em Entrevista com o vampiro
Edward, mãos de tesoura
Catherine em Jules e Jim
Marie em Au hasard Balthazar
Nana em Viver a vida
Marianne em Pierrot le fou

sexta-feira, maio 08, 2009

Os pássaros (1963), Alfred Hitchcock


Três anos após o lançamento de Psicose (1960), Alfred Hitchcock nos apresenta outro filme que traz a problemática da relação mãe e filho em Os pássaros (1963). Se em Psicose Norman Bates assassina a mãe que havia arrumado um namorado após a morte do pai, e cria uma dupla personalidade, sendo que assume a pessoa da mãe como uma mulher ciumenta que mata qualquer mulher que se aproxime dele, em Os pássaros Lydia Brenner, a mãe de Mitch Brenner, procura afastar as mulheres que tenham envolvimento com seu filho, pois é viúva e teme passar o resto de seus dias sozinha.

Desde a primeira cena do filme nos é apresentado o elemento central da narrativa, os pássaros, e a responsável pelo desequilíbrio do meio, Melanie Daniels. Numa loja de pássaros Melanie se passa por vendedora para atrair Mitch Brenner, que propositalmente afirma que está procurando por periquitos, que não havia na loja, para presentear sua irmã. Mitch questiona: você não se sente mal diante dessas pobres criaturas presas em gaiolas? Melanie oferece-lhe um canário, e quando vai tirá-lo da gaiola acaba deixando-o escapar de suas mãos. Esse é o prelúdio da insurreição dos pássaros sobre os habitantes da pequena cidade de Bodega Bay após a chegada de Melanie, que viaja de São Francisco até Bodega Bay atrás de Mitch.

Logo após visitar Mitch, Melaine sofre o ataque de uma gaivota. Mais e mais ataques são realizados por diversas espécies de pássaros que vêm aos montes, sejam corvos, gaivotas, etc. Num primeiro momento, muitos não acreditam nos relatos dos ataques, posto que os pássaros não seriam tão inteligentes ao ponto de se unirem para uma espécie de insurreição, até que eles se tornam cada vez mais constantes. Partimos de uma situação inicial em que os pássaros estavam perfeitamente controlados, vendidos como coisas presos em gaiolas de uma loja, até vermos humanos presos em suas próprias casas reféns das investidas de centenas de pássaros.

Não sabemos ao certo o motivo de tal revolta. Aliás, esse não é um filme de respostas. A mãe de Mitch encontra um homem morto com os olhos arrancados, o que leva a polícia a acreditar que teria sido um crime, o que nos fornece uma pista falsa. Outra pista falsa seria o fato de Mitch ser advogado criminal, o que poderia conduzir a supor que haveria algum crime no decorrer do filme. Num determinado ataque, Mitch e Melanie, fugindo dos pássaros, encontram mulheres idosas reunidas numa casa, entre elas a mãe de Mitch, até uma delas afirmar que Melanie era má e por isso haviam ocorrido estranhos acontecimentos na cidade.

Temos que uma dessas senhoras entende bastante de ornitologia. Annie Hayworth, que antes havia se também envolvido com Mitch, fala para Melanie sobre outro ataque de pássaros ocorrido anteriormente, o que pode conduzir a imaginar uma relação entre aquelas senhoras solitárias e as investidas dos pássaros para afastar uma nova mulher. Sabemos que Lydia não está feliz com a aproximação entre o filho e Melanie, e ela chega a contar ao filho sobre um escândalo nos jornais a respeito da moça, filha de um dono de jornais, segundo o qual ela haveria tomado banho nua num chafariz em Roma, numa referência a La dolce vita (1960), de Federico Fellini. Entretanto, a hipótese da relação entre a mãe solitária e a nova namorada do filho, ou qualquer outra, não se confirma neste exemplar do cinema moderno, que é uma obra aberta, inacabada de maneira a deixar teorias sobre o filme a cargo do espectador.

Está aí uma diferença essencial entre Os pássaros e Psicose: se o segundo nos leva a um final de revelação surpreendente, o primeiro nos deixa sem respostas, apenas rodeados de mistérios criados pela narrativa.

Vale ressaltar a tensão provocada no espectador relacionada aos pássaros, especialmente na cena em que o plano geral desde o início destaca um cercado situado próximo à escola, e após Melanie sentar-se num banco para esperar Cathy sair, a irmã de Mitch, vemos a utilização da profundidade de campo provocar um efeito de tensão, pois observamos aquilo que a personagem não vê – ameaça do ataque dos pássaros, que vão chegando aos poucos logo atrás dela, até que finalmente Melanie vê repentinamente, num rápido campo e contracampo, o cercado repleto de corvos. Ficamos tensos durante a cena, que já nos indicava o decorrer da ação, o que não impede uma sensação de surpresa, quando do ponto de vista objetivo e onisciente da ação somos mandados para o ponto de vista da personagem, com destaque para a imagem repentina da enorme quantidade de pássaros e também para a câmera subjetiva voltada para trás enquanto a personagem caminha rapidamente até a escola.

Algo que particularmente me chamou a atenção no filme foi a relação do ser humano com a natureza. O desequilíbrio inesperado, o que parecia indefeso se torna ameaçador, a vida selvagem tomando conta de uma pequena cidade e afugentando os seus habitantes. Os pássaros tem uma paisagem onírica, ele mexe com o absurdo e apresenta imagens que realmente nos lembram um sonho, ao ponto de em certo momento ser possível esperar que um dos personagens acorde.

Sobre a natureza, lembro de uma frase de Wittgenstein: que o sol nascerá amanhã é uma necessidade lógica, mas não uma determinação da realidade. O sol pode simplesmente não nascer amanhã. Os ataques dos pássaros desafiam a nossa lógica sobre o mundo, o universo começa a parecer incompreensível. O filme não oferece uma compreensão do fenômeno, deixando-nos apenas esse contato com o Místico. A racionalidade e o poderio do homem sobre a natureza permanecem questionados.

Poderíamos também estabelecer uma oposição entre a metrópole São Francisco, lugar em que Mitch trabalha e onde conheceu Melaine e Annie, e a pequena cidade de Bodega Bay. São Francisco evoca a racionalidade das relações pessoais típicas da vivência das metrópoles, lugar onde o contato com a natureza é rompido através da construção de um ambiente criado, enquanto os ataques dos pássaros na pequena Bodega Bay nos remetem a um mundo onírico, ou seja, irracional, e onde a natureza ao final ocupa a cidade, repleta de pássaros que expulsaram seus moradores.

terça-feira, maio 05, 2009

Sopre aqui antes de fazer o login

Ontem entrei no msn bêbada e a quantidade de coisas sem noção que falei pras pessoas me fez amanhecer o dia me papocando de rir. Ainda bem, poderia ser pior, se eu ficasse com ressaca moral aí sim seria um problema. Mas de qualquer forma não eram coisas que eu deveria falar, enfim, o que me fez ter a idéia da necessidade de um bafômetro para MSN. Isso mesmo, amiguinhos. Não sei vocês, mas eu já me dei conta de que álcool e MSN formam uma combinação perigosa, bombástica até. O pior é que as pessoas sabem que você está alcoolizada e se aproveitam para arrancar todo tipo de verdade de você. Então pedi encarecidamente para um colega meu que estuda Informática para criar o maravilhoso bafômetro de MSN. É assim: assopre aqui antes de fazer o login. Se o PC detectar teor alcóolico abusivo, o bêbo fica sem poder conversar com os fellas. Meu colega se recusou a inventar o tal produto, e disse que iam linchá-lo na rua. PORRA, JÁ NÃO BASTA ESSA PARADA PRA CARRO, AINDA VEM UM FILHO DA PUTA E INVENTA PRo MSN.

segunda-feira, maio 04, 2009

Elephant (1986), Alan Clarke


Elephant (1986), de Alan Clarke, representa diversos assassinatos que não têm uma ligação lógica de maneira a estruturar uma narrativa. A câmera segue os personagens através de travellings, às vezes pára e deixa o personagem seguir em frente, percorre espaços de corredores, ruas, faz-nos andar junto com a vítima ou com o assassino (às vezes não sabemos se estamos atrás da vítima ou do algoz), de forma a nos lembrar Elephant (2003), de Gus Van Sant. Elephant, de Alan Clarke, de fato influenciou o filme de Van Sant, uma ficção sobre o famoso massacre na escola americana de Columbine, episódio que também deu origem ao documentário Tiros em Columbine (2002), de Michael Moore.

Como um filme sem música, Elephant traz o silêncio das ruas e dos cômodos onde ressoam os passos dos personagens, até os tiros ecoarem violentamente contra o silêncio. A câmera nos coloca em posição de distanciamento em relação às vítimas e aos algozes, com planos abertos e pouco vemos dos seus rostos (em apenas dois assassinatos vemos o primeiro plano do semblante do assassino). Nos diversos assassinatos representados, há close sobre a arma no momento do tiro. Esse close evoca o poder que a arma proporciona aos assassinos, que diante da vida alheia comportam-se com uma indiferença e uma sensação de poder assustadoras.

Algo que se repete em todos os assassinatos do filme é que vemos o cadáver da vítima em plano geral com câmera fixa. Há um respeito na representação da violência, o próprio filme não banaliza a morte, ao contrário dos algozes. Ao optar por apelar ao espectador para que observe o cadáver, todavia utilizando o plano geral com câmera fixa, a câmera não espetaculariza a violência, mantendo uma postura respeitosa diante do corpo estendido ao chão.

Algumas cenas que me marcaram: o travelling para frente em plano geral segue duas pessoas fazendo caminhada pela manhã ainda cedo, rodeadas pela bela paisagem verde e o céu com neblina. A imagem bela contrasta com a violência que se segue, quando vemos um homem vindo na direção contrária ao fundo do quadro que atira em uma das pessoas, enquanto a outra corre e termina não sendo morta pelo assassino, que segue caminhando tranquilamente. Outra cena: a câmera faz um movimento de travelling para trás e acompanha homem andando por uma rua. O trabalho da profundidade de campo provoca suspense, pois ao fundo está um homem seguindo-o. O personagem adentra na sua casa e a câmera o segue em travelling para frente, até parar diante da porta da sala, quando o assassino adentra o quadro e atira no homem que seguia e num garoto que jogava videogame.

O filme termina seguindo dois homens vestidos com sobretudo preto, que depois encontram outro rapaz usando a mesma roupa, até pararem no que parecia ser um estacionamento. Um deles vira para a parede e é morto a tiros. O último plano do filme é do seu sangue escorrendo na parede. Fica a pergunta: será que os homens de preto da última cena faziam parte de algum grupo de serial killers que depois resolvem matar uns aos outros?

Nenhum dos crimes tem explicação. Todos os assassinos pegam as pessoas desprevenidas, tirando-nos da segurança dos crimes com motivos. Sabemos que em boa parte dos filmes de serial killers no final ele pára e explica para algum personagem e para nós espectadores o porquê de seus crimes. Elephant constrói um universo onde uma vítima da violência é vítima de um crime banal, é vítima do acaso. Tais quais os estudantes da Escola de Columbine.