segunda-feira, abril 21, 2008

Tenho imensa dificuldade de me conhecer o suficiente pra saber quando devo interromper o curso das coisas... Isso me faz partir antes da hora para me questionar depois sobre o que não vivi, ou então fazer as malas e bater a porta com força.
Às vezes é divertido se meter numa coisa impossível. Aliás, mais do que impossível, algo que não faz o menor sentido. A gente se livra do peso entediante do real e parte para o mundo da fantasia.

Nada de muito emocionante, nada de novo no front, vivendo uma aventura pra me distrair...

terça-feira, abril 08, 2008

Eu, como boa amante dos domingos aconchegantes, inspiradores e sonolentos, não pude deixar de adorar este poema do Drummond!! Ah, que triste, mas hoje ainda é quarta-feita!!!

Poema que aconteceu

Nenhum desejo neste domingo
nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.


Eu não perdôo as aspas

É incrível como um mero sinal de pontuação pode ser utilizado como instrumento da falta de caráter e do uso indiscriminado das palavras. Condeno veementemente as malditas aspas. Esse aparente inócuo sinal de pontuação pode sim ser visto em alguns dos meus escritos, mas sua profunda iniquidade me chama atenção nos diversos textos que leio por aí.

As aspas encerram os laços de significação. Elas são por si só cínicas. Existe em meus dizeres um recorrente cinismo quando as escrevo... O que me chateia, em verdade, é a utilização delas como se representassem alguma verdade. Aspas são para apontar a reprodução de um pronunciamento, ou não dizem nada, ou são impregnadas de ironia, no meu ponto de vista. Não obstante, não são raros os casos em que alguns usam as sarcásticas aspas como forma de revestir de sobriedade qualquer argumento ou vocábulo enfático, ou mesmo cruel. Dessa forma, as aspas transmutam em polidez e racionalidade o que é deveras irracional e de mal gosto.

Explico: o cara vem e defende um conjunto de idéias estapafúrdias, e entre elas podemos ver as benditas aspas. É como dizer, "esses adolescentes nos semáforos são todos 'criminosos'". O emprego das aspas aí serve só para o autor da frase não se passar por reacionário, e então ele usa aspas em volta da palavra criminoso com o objetivo de ressarcir o peso que ela de fato tem. Destarte, pretende cristalizar sobre si a imagem do homem com consciência social, que não quis chamar o guri de criminoso. O menino, nas palavras dele, não deixou de sê-lo, só que agora é um criminoso entre aspas. Assim como em muitos escritos constam gays , mulheres, negros, pobres, todos entre aspas.

Lembro que o professor disse que o termo minoria merece aspas, por se tratar de um termo nativo, ou seja, que pertence à fala do cotidiano e não é um conceito sociológico propriamente dito. Estava certo o professor ao desconsiderar esse termo tão ridículo que fala sobre o sexo dos anjos. "Minoria" não explica nada sobre nossa sociedade, pois quem são as "minorias"? As mulheres são uma "minoria"? Numa tentativa tola de conceituação, poderíamos deflagrar o seguinte significado: "minorias" são formadas por todos aqueles que são vestidos com aspas. Afinal, esses usuários das aspas estão querendo enganar a quem?

segunda-feira, abril 07, 2008

Quando Olívia deixou de ser mulher

Quando me olhei no espelho e me vi sem os seios, senti que não era mais mulher. No ônibus, o homem absorto no decote da moça lembra-me do desejo que por mim ninguém terá. Não que eu não queira ir à praia ouvir o barulho fluente das ondas, caminhar pela areia macia catando conchas até ver o sol se pôr. Não que não deseje mais os homens que se entretem no jogo de futebol. Não que tenha deixado de adorar um bom copo de cerveja gelada em contraste com o calor do sol e sua luz fustigante, nem tenha perdido o gosto por me distrair a descascar os amendoins um por um. Entretanto, agora tenho vergonha deste meu corpo, não ousaria vestir uma roupa de banho, para desfilar como as moças bonitas que se estendem na areia mais para tomar olhares do que para tomar sol. O meu sutiã guarda um seio falso, devo ficar bem na roupa. Mal sabe o homem que me convidou para sair à noite, que não tenho mais o seio que me fazia mulher. Por isso lhe respondo com um não. Antes a dor de negar a vontade de estar com aquele rapaz, do que a humilhação de vê-lo desapontado a vestir o meu seio, e me entregar as minhas roupas, e chamar o taxi, para então se despedir com um beijo na testa como prova de polidez. Passo horas diante do espelho a chorar pela feminilidade perdida. Nos outdoors, as moças, tão formosas em sua quase nudez, invadem meu olhos repletas de feminilidade na passagem da rua enevoada de carros. Mulher no seu corpo, corpo de mulher, o que mais uma mulher deseja em si e observa nas outras é o corpo. Nunca mais um homem vai querer conhecer o sabor deles, nunca mais terei o prazer do toque no meu peito. Não sou mais mulher, nem sou também um homem, apenas alguém de quem arrancaram uma parte. Sou uma sobrevivente, a morte passou por perto. Que interessa ser uma sobrevivente?

sábado, abril 05, 2008

A posse

Hoje minha cadela ganhou um novo osso. Kika agora leva a vida a patrulhar o bendito, e rosnou quando passei por ela como se eu fosse por acaso levá-lo comigo. Kika acha que o mundo inteiro deseja o osso e conspira para tê-lo. Acredita que a qualquer hora ela o perderá, e que qualquer movimento meu seja para capturá-lo. Mesmo que eu só o tenha notado após perceber a sua raiva quando me viu passar por perto. Agora os dias dela giram em torno do seu querido osso: se ela está distante e ouve os passos de alguém se dirigindo para onde ele está, ela logo corre e o segura forte por entre os dentes para salvaguardá-lo. Até eu jogar um pequeno pedaço de pão na varanda, e ela seguir depressa, esquecendo-se de o osso consigo levar.