quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Até que a morte os separe

Às vezes eu ia ao trabalho da minha mãe para almoçarmos juntas. Sempre ao chegar, logo me dirigia à garrafa de café e me punha a escutar as histórias de Alex, técnico em enfermagem colega de mamãe. Só que uma história me chamou a atenção em especial.

Estava ele no Magg’s durante o intervalo do almoço, quando então assiste a um acidente da janela do restaurante enquanto mastigava sua refeição. Um carro sai a toda velocidade e colide com um monumento, um caju com araras desenhadas, em homenagem à Aracaju, localizado na praça em plena Beira Mar, uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Diante dos olhares apreensivos de todos que estavam no restaurante a exigir uma providência sua, pois Alex estava vestido de branco, ele corre até o local do acidente como um herói que não sabe ao certo o que fazer.

Ao chegar à praça, observa o casal que havia sofrido o acidente discutir. A mulher chorava convulsivamente. Ela era loira, jovem e bonita. Seu marido esbravejava as mais duras ofensas, e ela mal sabia conter tamanho desespero diante dos curiosos.

- Sua louca! Você é uma louca! Por acaso queria me matar?

Enquanto ela soluçava, ele se explicava às gentes que se acumulavam ao redor do inusitado acontecimento. Dizia que sua esposa havia enlouquecido, e num momento de total descontrole ameaçara matar os dois batendo o carro. Muitos perguntavam por que ela faria isso, e ele só reafirmava que ela estava louca, devia ser internada, não sabia mais o que fazer com a mulher. O marido, sempre com postura tão ponderada, enquanto a esposa de nada mais queria saber além de chorar, sem de forma alguma se importar em confidenciar sua fraqueza diante dos valores dos passantes.

Alex havia notado desde o instante em que assistira ao carro colidir com o monumento, que não era possível aquilo se tratar de um acidente. Na verdade, era sim algo provocado, só não entendia o que levaria alguém a querer dar fim à própria vida, ainda mais de forma tão violenta.

Enquanto Alex me contava a história, eu conjeturava a respeito dos possíveis motivos que levaram a mulher a querer matar a si e ao marido. Só conseguia pensar que ela não tinha coragem suficiente para viver sem o esposo, como também não suportava mais estar com ele, e então a saída seria a morte. E seu sentimento de posse deveria ser tão intenso ao ponto de ela não permitir que houvesse vida para ele, outras mulheres, outros lugares, depois de ela falecer.

Estariam convertidos em um só. Talvez ela tivesse perdido a sua própria identidade, já não sabia onde terminava ela e começava ele, nem quais eram os limites entre os eles e o mundo. Destarte, ao ver o mundo transformado neles dois, e com o sentimento de que não poderia haver saída para aquele inferno além do fim desse mundo, preferia a morte.

Muitos psicólogos afirmam que os suicidas fantasiam a respeito de uma vida após a morte e de uma vingança através do suicídio. Eles não concebem que de fato deixarão de existir, mas imaginam que irão para um lugar melhor e ainda verão cair em desgraça as pessoas a quem querem atingir. Como um homem que se mata só para ver a namorada sofrer, pois o sofrimento dela seria a sua maior prova de amor, o deleite do amor sádico. Mal sabe ele que não poderá ter tal prazer.

Mas o que aguardava uma mulher que tenta cometer suicídio e matar o marido? Parece-me que tal expurgação aguarda uma recompensa póstuma. Ela não admitia de modo algum vê-lo viver depois de sua morte. Assim seria um maldito fantasma que retorna para fazer assombrações com passos pela casa. Entretanto, me parece que ao mesmo tempo em que ela se agarra à vida, ao acreditar que poderá presenciar alguma coisa mesmo depois de morta, ela se conduz até a morte, e uma morte que não levaria a outra vida onde estariam felizes juntos, mas ao fim, à anulação completa de ambos.

Não entendo muito bem o porquê de tal atitude, mas me interesso por tentar desvendar tanta paixão misturada com ódio levada às últimas conseqüências. Gosto de analisar as pessoas, um hábito que em verdade não me agrada, mas enfim, sei que quando ouvi essa história logo me lembrei dos filmes de Truffaut. Recordo que em A Mulher do Lado e Jules e Jim há personagens que também se suicidam e matam o objeto de desejo como findo recurso para se livrarem do que não conseguem se libertar em vida: um relacionamento frustrado que anula as suas identidades até ir ao encontro da morte, do não-ser.
- No que você está pensando? Não gosto quando você fica pensando, você pensa besteira demais.

- Em nada.

- Em alguma coisa, mas não quer me dizer. Assim você fica cada vez mais distante.

- É que muitas pessoas dormem na mesma cama que a gente todas as noites.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

*800

Todo mundo é carente. Não fosse assim eu não receberia tantos scraps de quem quer receber um scrap, nem olhava três vezes por dia a minha página no orkut pra ver se tem algum recado, nem ficaria feliz por algúem ter se lembrado de mim ou descontente acaso ninguém tenha me dito qualquer coisa boba.

Há também as tais mensagens de celular. Qual felicidade não sinto ao receber uma delas! Às vezes me decepciono ao ver que não passava de um recado da operadora. Ah, e o namorado da minha amiga, que digita *800 só para receber mensagens de saldo e ainda verifica a mensagem cheio de ânsia, na espera pela atenção de alguém? Cada doido tem sua mania, diz o clichê.

Somos tão carentes quanto cachorros. Lembro logo da minha adorável Kika, que vive a me seguir para onde quer que eu vá na casa saltando por entre minhas pernas. Kika, que ao ver algum estranho se põe a latir, arranhá-lo e dar mordidinhas. Kika, nome dado pela minha mãe, que gostou muito daquele filme do Almodóvar. Ah mamãe, não bastasse uma família tão grande, com tanta gente para lhe dar atenção, ainda traz uma cachorra para segui-la pela casa.

Mamãe não gosta de msn. Segundo ela, a gente passa tempo demais a falar besteira na internet. E é verdade. Ah, mas quantas pessoas carentes estão no msn agora? Quantos estão online esperando para que alguém vá lá e puxe conversa, ou quantos estão ausentes e aguardam para falar com alguém em especial, ou quantos estão ocupados e acabam por procrastinar um trabalho para conversar alguma bobagem com um amigo. Há até os que querem ser onipresentes; saem e dizem em sua mensagem pessoal o que foram fazer da vida. Fui à padaria, se quiser, deixe recado.

Bem, neste exato momento, estou offline, pois não há ninguém no msn com quem queira falar, não no momento. Aí venho aqui e escrevo esse texto e, francamente, depois confiro se não há algum comentário no blog. E clico no link, cheia de ânsia, para ver o comentário de alguém que deu um pouco de atenção a mim.

domingo, fevereiro 25, 2007

Sabe, eu não gosto de auto-ajuda. Acho que falar frases prontas nunca deixou ninguém mais feliz. E depois, em auto-ajuda tudo é muito... imperativo! Não gosto de coisas imperativas! Não gosto que me ensinem o que quero aprender sozinha.

Projetos para 2007

A pedido do meu caro amigo Danilo Mattos, aqui falarei dos meus projetos para este ano que está começando de verdade agora, depois de diversos feriados que só empurram com a barriga a coragem pra construir alguma coisa. Tá tudo no meio do caminho e incômodo como casa em reforma. Mas aí vem 2007, um ano que promete, sim, promete pra caralho!

Blog

Acho que dá pra perceber que eu adoro esse blog. Escrevo nele qualquer coisa, o que me der na telha. O objetivo dele é tão somente me distrair. Quando comecei a escrever nele, achava que seria mais um dos vários blogs que duraram apenas um, dois posts. Mas que nada! Estamos aí, firmes e fortes! Meu objetivo agora, a vero, é abrir outro blog e escrever um livro online. Um livro totalmente despretensioso, claro. Não sei se terei coragem para tanto. Ah, um segredinho: já tenho outro blog além desse onde coloco as minhas impressões dos acontecimentos cotidianos. O bacana dele é que eu leio depois de um tempo textos sobre fatos importantes da minha vida e vejo o quanto a minha perspectiva sobre o que aconteceu mudou. Às vezes chego a me achar uma mentirosa, não, isso não é verdade, não foi assim nesse dia.

Pessoal

Quero dar muito dengo a algumas pessoas adoráveis.

Formação

Eu me formo em Jornalismo este ano! Bem, espero fazer uma baita monografia porque, afinal, quero seguir carreira acadêmica. Depois da indecisão entre ser jornalista e ser professora, eu definitivamente prefiro a segunda opção. Com muita garra eu farei o mestrado e o doutorado, e ainda serei uma ótima professora, garanto =)

Projetos Web

Que porra de projetos Web! =P

Agora eu quero saber dos projetos de Rita Brasileiro, Débora Maionese, Ícaro Pretinho e da Mulher do Lado para 2007. Só não sei se eles verão isso aqui.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

O dilema de ser ateísta

Eu gosto tanto de viver, mas tanto, da dor de viver, da alegria, de tudo, me agarro à vida de tal jeito, que às vezes me pego querendo acreditar novamente em Deus. Ser espírita seria o melhor! Os espíritas acham que vão voltar pra cá várias vezes, que terão sei lá quantas vidas. Não quero o céu, lugar mais chato repleto de tanta perfeição! Nem arder no inferno de tanta angústia. O purgatório ainda é um meio termo, mas não é esse mundo tão cheio de tesão. Não quero deixar de viver nunca. Bom lembrar que jamais viverei a morte, e isso basta.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Torre de Babel

Ah, esses grandes dilemas!
Peguei o tal dilema e tentei destrinchá-lo,
Compreendê-lo, transformá-lo em razão

Finalmente em terra firme, em bases fortes!
Com a certeza de quem segue para o norte
Porque é mais seguro ir por uma só direção

É preciso viver a confusão
Porque ela é algo sincero
Falso é revestir de certeza
Como uma mãe que leva o filho à igreja
Ou um professor que não admite que não sabe

A confusão não faz sentido
O que é sem sentido não tem valor de verdade

Que seja assim, sem sentido,
Só não seja a perfeita verdade para chegar até o céu
Pois a confusão da Torre de Babel
Nunca levou até o céu

É que na escola
Aprendi que tinha de dar a resposta
E com meu amor
Nunca pude dizer
Porque ia pegar mal pra valer
Baby, não sei se amo você.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Em toda a gente percebo um bocado de solidão
Quando estou sentada no ônibus
E vejo aqueles olhares que não sabem do que está para além das janelas
Não vêem as calçadas
Mas mesmo assim fitam as janelas
Com tanta atenção

Eu vejo um bocado de solidão
Daquela que todo mundo precisa para achar um pouco de si
Do momento necessário
Tão necessário
De bater aquele velho papo
Para saber como vai
E por onde anda

Também vejo às vezes um ar doído
De quem não se deixa estar só consigo
Porque não quer se olhar no espelho
Nem conversar com aquelas velhas ilusões, mágoas e medos

Porque para estar só
É preciso ter coragem
É preciso só precisar de si mesmo

E quando se tem amor bastante
Ninguém está tão distante
Ninguém partiu nem te ama menos

A solidão não parece um abandono
Antes um abandono de si
A solidão não parece uma distância do mundo
Antes um encontro com o mundo inteiro.

sábado, fevereiro 10, 2007

A melhor mulher de todos os tempos da última semana

Aula de francês sábado de manhã é osso. Mas acontece cada coisa... O professor fala português como se fosse de Portugal ou da França, a depender das palavras. Ele, todo simpático e cheio de energias em plena manhã de sábado, pede pra gente se apresentar (em nosso péssimo francês), e faz algumas perguntas. Aqui vai em português mesmo.

- Apresente-se!

- Eu me chamo Cláudio. Tenho vinte e dois anos. Sou estudante. Sou solteiro, mas tenho namorada - diálogo mecânico de iniciante em língua estrangeira.

- Ela é a mulher de sua vida?

- É.

No outro sábado...

- Vamos lá, Cláudio, apresente-se para os colegas que não vieram na aula passada.

- Eu me chamo Cláudio. Sou solteiro. Tenho vinte e dois anos. Sou estudante.

Então, o professor resolveu perguntar a todos se já tinham encontrado o homem ou mulher da sua vida, pois no texto do livro didático havia uma francesinha que só pensava em encontrar o príncipe encantado. Cláudio primeiro.

- E você, Cláudio, já encontrou a mulher da sua vida?

- Não.

- Mas semana passada você não disse que ... ?

- Então, semana passada.

Cláudio é um nome fantasioso.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Abaixo abaixo-assinado

Não bastasse receber mensagens de ursinhos e bebês que me desejam uma vida feliz, além de maldições de sete anos sem sexo caso eu não encaminhe o email para 15 pessoas, ainda tenho de aturar mensagens de abaixo-assinado. Sim, os idiotas da internet acham que vão acabar com a guerra no mundo e a fome na África com assinaturas virtuais.

Já me mandaram protestar contra o aumento absurdo do salário dos deputados, contra a guerra no Iraque. Eu até já assinei abaixo-assinado, vou admitir aqui a minha idiotice. Só que não demorou para eu perceber o quanto era ingênuo e inútil protestar com um nome numa lista. E só.

Ao que parece, ninguém se levanta da cadeira. Ninguém sai às ruas para protestar por nada, nem participa de qualquer forma de mobilização popular além de festas catárticas. Nesse grupo eu me incluo. Acontece que pelo menos não me considero revolucionária e engajada em causas sociais só por digitar meu nome numa lista.

Aí todo mundo acha que está fazendo grande coisa, que realmente contribui para um mundo melhor. Mas isso pra mim parece discurso de miss.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Olhe para um cachorro, e veja que ele logo olhará pra você. Observe alguém na rua, e não demorará para esse alguém se voltar para sua direção, achar os seus olhos e te fitar.
Que estranha comunicação é essa?

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Café e CIA


Às três da tarde Dona Maria me traz o café. Velhinha baixinha, simpática, que de vez em quando traz seu pequeno sobrinho para o trabalho, tão parecido com ela e quase do mesmo tamanho. Dona Maria me traz o café como quem cuida de mim.

- Trouxe seu café, minha filha.

- Ôooo. Brigada, viu.

Ela gosta da minha cara de felicidade ao ver o meu querido e amado café chegar. Chateia-se até se eu estiver muito ocupada com alguma coisa e não me levantar logo para pegar a garrafa de café que ela deixa em cima do armário.

Não tem pra ninguém. Às vezes, meu colega de trabalho fumante se surpreende ao ver a garrafa vazia.

- Aí gosta de um café, viu. Poxa, T., deixe um pouquinho pra mim.

- Ok. Desculpe - e faço carinha de vergonha.

- Você fuma né?

- Uma vez por semana, uma vez por mês, uma vez no ano, depende. Mas não sou fumante fumante. A única carteira de cigarro que comprei, eu joguei fora, e não tenho isqueiro.

- Humm. É que tomar tanto café é coisa de fumante.

- Pois é.

Mas oras, por que diabos eu tomo tanto café? Ok. Estava refletindo também sobre o motivo pelo qual servem café em todos os trabalhos do planeta. Onde quer que haja pessoas em serviço, há garrafas de café e aqueles pequeninos copos logo ao lado. Não gosto de copos pequenos diacho, dêem-me um copo de verdade para eu enchê-lo de café!

Então. Acho que o café é pra manter a gente acordado, trabalhando. Principalmente na segunda-feira. Lembro que uma vez a mulher da cantina perto do trabalho só tinha suco de maracujá. Ninguém quis.

- Maracujá? Eu tenho que tomar café pra me manter acordada!- disse uma desconhecida da qual não me lembro da roupa nem dos aspectos, só do tom de voz exausto e indignado.

Café é uma arma do sistema, companheira.