terça-feira, novembro 29, 2005

1#1, 0=1+ (-1) ; 1+1=2?, 1+0=1?, 1+1=1?


A paixão não é cega... só se diverte com ilusões. É um querer insaciável num mundo de tédio aflito em que 1+1=?

Vá logo tomar o remédio

A boneca em cima da cômoda à esquerda me fita com um ar de cobrança maternal estranha às suas trancinhas coloridas e à sua falta de vida. “Vá logo tomar o remédio”, é o que diz o bilhete escrito com minha insegura letra, colado ao vestido de Jasmim. Já vou, respondo em pensamento, dialogando com o olhar estático dela.

A pia parece uma montanha de pratos para lavar, e a combinação daquela imagem com os gritos coléricos da minha mãe e as ordens dos meus irmãos querendo comida na mesa faz um belo começo de dia, igual àqueles das propagandas de margarina.

- Você só vive na rua tomando cachaça, virando noite, enquanto eu me mato de trabalhar naquela porra de hospital pra lhe dar de comer, e chegar em casa e você vir me pedir dinheiro pra ir pra essas festas? Não quer saber de estudar, depois faça que nem eu que não tirei diploma e vivo nessa merda. Meu Deus do céu, eu tô pagando meus pecados!

Sinceramente, é melhor nem responder. Olho a minha mãe de relance, só para ela não me dar um tapa dizendo que a ignorei como fez outro dia. Finjo que presto atenção nas suas lamúrias enquanto atento ao ruído do meu anel em atrito com o prato. Brinco um pouco com a espuma. Os talheres, ah, eu até que gosto de lavar os talheres, fico meio encostada na pia, toda preguiçosa, lavando um por um.

Meu irmão já reclamava do almoço, dizia que o de ontem estava muito ruim. E eu lá tenho culpa se nessa casa não tem nada pra comer? Vou inventar o quê agora? Abro a geladeira e só vejo água e uma tigela cheia de feijão de anteontem. Mas o importante é que eu era a culpada de tudo.

Só limpo a casa cantando, e isso dá uma demora! Às vezes faço uma enganação, não limpo debaixo da cama, sei lá, estou farta de cansaço, e minha mãe não vai perceber se eu fizer isso uma vez ou outra. Deus me livre ela me bater com o pau que ela guarda no armário dela.

A cômoda do meu quarto está cheia de poeirinhas que tratei com displicência, e de repente vejo novamente a porcaria da boneca. “Vá logo tomar o remédio”. Eu já vou, aiai, eu não disse que já vou, mas primeiro preciso terminar de limpar o meu quarto.

Uma sensação de paz, dever cumprido, uma vontade de se jogar em qualquer lugar é o que eu tenho ao terminar as tarefas da manhã. Fico estendida indolentemente na cama e entregue ao abandono de nada fazer. Oxalá o tempo não passe para eu não ter de ir à escola assim, como queria contemplar o êxtase da mais insolente lassidão. Viro para a esquerda. “Vá logo tomar o remédio”. Eu já tomei, porra, que saco!

segunda-feira, novembro 28, 2005

Pensamentos avulsos 1, 2, 3...

1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12... Luíza chegou ao banheiro. A primeira coisa que ela faz quando se acorda é urinar. 15, 16, 17, 18, 19, 20. Pensamentos avulsos, não há como controlar, dos desenhos de flores da parede do banheiro até o olhar displicente do pai. Ela precisa contar. 23, 24, 25, 26...

Luíza procurava a fórmula para ser feliz, pensar em coisas boas, mas ela só conseguia contar, se não contasse, lá vinha uma avalanche de lembranças e paranóias tristes que brincavam com sua mente como se não fosse dela. Sempre lhe diziam que ela era burra, ou trouxa, culpa sua passar por todo esse sofrimento, isso é coisa da sua cabeça. 80, 81, 82, 83...

Havia momentos em que Luíza parava de contar. Era quando ela recriava os mundos perdidos na mente de alguém e escritos nas páginas de um livro secular. Ou quando ela se encontrava nos seus personagens, sendo eles crianças, prostitutas, mães, assassinos. Cada um deles tinha algo seu, e toda a história se tornava um entrelaçado dos encontros e desencontros dela mesma.

Luíza acende o cigarro com um olhar altivo na frente do espelho, por favor, chamem-me de senhora. Ela quer ser mulher, mas toda a arrogância das suas baforadas, do seu jeito de levantar o rosto, da forma como a mão que segurava o cigarro estava curvada e pairando no ar, lembram uma menina vestindo as roupas da mãe. Luíza era uma mulher desesperada para se livrar da menina guardada dentro de si, mas odiava a mulher em que tinha de se tornar.

Uma menina que não sabia lutar, uma mulher que cobrava por isso. Reclusa no seu pequeno mundo, tentando viver de arte ou... 99, 100, 1, 2, 3. Luíza era tão só, mesmo estando com amigos, sua euforia exacerbada escondia uma dor que passeava no seu sangue como um martírio. Os olhos às vezes perdidos paravam em algum ponto invisível no ar, mas não, eu não estava pensando em nada, do que vocês estavam falando mesmo? 50, 51, 52...

97, 98, 99, 100. 1, 2, 3, 4, 5... O sono não chegava, e quanto mais Luíza pensava no sono, mais se sentia acordada. Ela não pode ver as horas, a mãe disse que isso a deixaria mais aflita. Luíza vai ler, mas não consegue se deter no universo de Flaubert, e tudo são páginas cheias de letras e seus pensamentos em conflito. Volta para a cama, fita o teto, mas lembra que não pode dormir com o ventre para cima, isso resultaria em pesadelos. Fica em posição fetal, e lembra que a mãe dorme na cama ao lado. 1, 2, 3, 4, 5, 6...

domingo, novembro 27, 2005

As estrelas do sertão

Ontem fui surpreendida pela minha mãe me chamando ao telefone com os olhos comovidos. Era minha avó de Porto da Folha, com a voz enferma e pausada, querendo saber mais sobre mim do que falar do seu sofrimento.

Maria é uma mulher sofrida, do sertão, onde nos olhos há sempre um brilho de quem vive na luta, e o rosto marcado pelo sol que a castiga no trabalho. Há quanto tempo que não vejo um gesto simples nas suas palavras serenas, e dói no peito sentir sua voz sofrida contendo a tristeza.
Vovó perguntou se eu ainda me lembrava dela, quanto tempo não vou lá no sertão, uma forma angustiada de saber se eu assim tão longe correspondia aos seus afetos. E ela ficou tão feliz quando lhe falei das minhas doces lembranças de quando eu corria por aquela terra ardente na minha infância.

Lembrei dos passeios a cavalo sem cela, as duas rumavam na noite, e da noite o que ficou foram as estrelas, que eu guardo num canto mágico da minha memória. E a foto dos pais de Dona Maria, os dois com o aspecto indígena, sempre me chamava a atenção. Ah, lá eu corria atrás de sapos, nos tempos em que de alguma forma eu me misturava com a naturerza.

Nunca vou me esquecer do carinho ingênuo que minha avó me dedicava. Do pirão que ela preparava pra mim, ah como era gostoso, da xícara pequenina enfeitada com florzinhas vermelhas e era só minha, de quando ela deixava eu comer o almoço com as mãos, ato que minha mãe jamais permitiria.

Vó Maria agora é uma recordação bonita e uma voz triste ao telefone. Espero viajar para Poto da Folha, ver como vai o vô, ele parece estar caminhando para uma outra forma de vida que eu não sei explicar. Queria poder botar minha avó no colo, e cantar canções do Luiz Gonzaga que a gente dançava nos bailes do sertão. Ela só quer, só pensa em namorar, ela só quer, só pensa em namorar...

sexta-feira, novembro 25, 2005

Do progresso


“Deus o abençoou e disse: Crescei e multiplicai, e enchei a terra e sujeitai-a e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra”.

Gênesis (I, 22)

“Tu comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que te tornes na terra, de que foste tomado; porque tu és pó e em pó te hás de tornar”.

Gênesis (I, 19)

A arte pela arte, o mundo pelo mundo

A admiração de Ricardo pelas coisas do Rio lhe provocava no peito uma cadência inebriante, a contemplação do artista perante o mundo, o mundo que é a sua própria arte. A arte pela arte, o mundo pelo mundo.

Ricardo morava no Edifício Ulisses, no Leblon, um enorme e suntuoso prédio que ostentava luxo em meio a favelas onde o caos se pronunciava por tiroteios na calada da noite. Quando visitas vindas de outras cidades perguntavam o motivo de tantos fogos de artifício, Ricardo explicava de maneira plácida e tom afetado que na verdade eram tiros. Os visitantes disfarçavam o espanto por pura polidez.

Ele, como bom anfitrião, para tirá-los de tamanho desconforto, não deixava de mostrar os seus quadros espalhados por toda a casa, lado a lado de fotos tiradas na Europa. A obra de que ele mais gostava e tinha imenso orgulho, ou talvez soberba, chamava-se “A pomba”.

Certa vez estava ele na sacada do apartamento, bem diante do imenso morro onde nas entranhas havia uma guerra entre policiais e traficantes. Ali atiraram por engano numa mulher que estava parindo no meio da rua. O pai de Ricardo, o juiz Fernando, perguntou o que tanto entretinha o filho por horas na sacada, às vezes hipnotizado com o pincel na mão e a tela na frente como se não existisse. Ricardo pediu para não ser incomodado, pois aquele era um momento sublime de transe artístico, e era um pecado invadir o templo da sua criação.

Estava Fernando na sala de estar fumando um charuto cubano, quando seu filho veio com os olhos reluzentes e o ar altivo lhe mostrar sua obra-prima. Ele não pôde conter uma enorme vaidade ao contemplar a arte do filho. Ricardo havia pintado uma belíssima pomba branca voando pelo céu azul do Rio de Janeiro.

quinta-feira, novembro 24, 2005

Das patologias

Hans Castorp, o personagem principal de A montanha mágica, do Thomas Mann, reflete ser a vida uma doença, uma espécie de perturbação enferma da matéria, enquanto que a matéria era uma excrescência da patologia do imaterial.

Depois de me defrontar com tais elucubrações, eu me pergunto: acaso não seria o amor uma enfermidade da vida?

quarta-feira, novembro 23, 2005

Cachaça de mi corazón - histórias de todos os dias e a outra história

Ana vai buscar o marido que só vive no bar e a deixa sozinha sem sexo, amor, carinho, e ajuda na hora de criar os três filhos.

- Eduardo, venha pra casa, eu tô te avisando, senão eu vou embora pra casa da mamãe e levo as crianças, eu não agüento mais essa merda!

-A minha grande paixão é a cachaça, mulher, não venha agora me dizer que não sabia. Casou comigo porque quis, você é a mulher da casa, e a cachaça é a do meu coração.

Ela voltou ao seu lar doce lar com a arma dele no bolso do avental vencida.

Pelo amor de Maria

Na porta, José se arrasta pelo chão nadando em lágrimas que inventou. Segurando o pé de Maria, ele implora pelo amor que ela tem por ele e ele não tem de volta.

-Meu amor, eu fiz um poema pra ti.

-Qual?- perguntou José, contendo os prantos cínicos e com os olhos arregalados em suspeita.

-Vá se fuder.

E José se fudeu depois que Maria bateu a porta.

terça-feira, novembro 22, 2005

O mundo faz cinema e o cinema faz mundo


Adorno afirma que o cinema tenta se aproximar ao máximo na sua dimensão imagética do universo empírico para o espectador perceber o mundo como uma espécie de continuação da tela. Além disso, segundo ele, a seqüência célere de imagens impede a reflexão se o espectador quiser continuar acompanhando o filme. À primeira vista, isso pode parecer um exagero tremendo do apocalíptico Adorno. Mas tomadas às devidas proporções, até que faz sentido.

Assistir a um filme pode ser uma espécie de transe. Se ele for violento e mexer com as pulsões de tanatus, a agressividade reprimida pode encontrar sua expressão. Igual a quando as crianças saem dando chutes para todos os lados depois de assistir a um filme como Missão Impossível. Entretanto, existe uma diferença entre pessoas saudáveis e psicopatas, e foi essa a distinção que o Adorno não estabeleceu.

Os indivíduos “normais” são influenciáveis pela obra fílmica, mas estabelecem uma distinção entre fantasia e realidade, justamente o que não está ao alcance dos psicopatas, como foi o caso dos jovens assassinos de Columbine. Eles saíram atirando em colegas e professores de sala vestindo sobretudos semelhantes aos de Neo e Trinity em Matrix. Entretanto, os “normais” não deixam de se vestir como os atores famosos, imitar personagens, como se a vida fosse uma continuação do filme.

Quando o Adorno fala que o cinema paralisa a reflexão e impede o caos cognitivo, ele está certo na maioria das vezes em se tratando do que é produzido na indústria cultural. As produções da grande indústria cinematográfica não consideram o espectador como produtor de significado, e sim como mero decodificador de historinhas a serem contadas ou/e efeitos especiais caprichados sem nenhuma proposta mais ousada esteticamente.

O transe do cinema pode ser muito mais rico quando a contemplação provoca a reflexão, faz o indivíduo ser autônomo e criar junto com o diretor-autor. Essa é a arte autêntica, revolucionária, porque a arte busca antes de tudo libertar o indivíduo, para dessa forma pensar a mudança social. E o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão...

segunda-feira, novembro 21, 2005

Maria não pode cantar

Mamãe, eu queria saber por que o tio está ficando cada dia mais magro, agora tem que tomar soro, e a senhora dá banho nele. Filha, isso passa, seu tio está doente, mas já já ele fica bom. Mãe, ouvi dizer que ele está com câncer, a senhora está escondendo de mim, não é? Não, minha filha, de jeito nenhum, fique calma, seu tio vai melhorar.

Música no quintal. Maria salta, canta em alguma língua ininteligível da sua fantástica imaginação uma canção dos Backstreet boys. A mãe grita da janela como se o que ela estivesse fazendo fosse uma espécie de crime, e a manda lavar os pratos.

Na cozinha, Maria canta suspirando outra música dos Backstreet boys. Dessa vez sua mãe aparece furiosa, puxa-a pelo braço que Maria balançava no ar de acordo com o ritmo, e fita-a com um ar violentamente repreensivo.

O seu tio está morrendo ein, ein, e você fica aí cantando, você não tem vergonha, tenha mais respeito, daqui a uns dias ele morre, sabia, e você aí cantando.

Maria desembesta a chorar, e passa a mão ensaboada na cara, soluçando a dor que não cabia no peito, a cara vermelha, o bico de criança. A mãe arrependida só fazia abraça-la e passar a mão na sua cabecinha, mainha você não me avisou, mainha. Eu sei, minha filha, eu sei, fique calma.

Brilho eterno de uma mente sem lembranças



Imagine poder apagar tudo o que você viveu com alguém especial para poder seguir em frente com sua vida? É o que Clementine, interpretada por Kate Winslet, faz para esquecer Joel, vivido por Jim Carrey. Brilho eterno de uma mente sem lembranças é um filme sem grandes pretensões intelectuais, mas também sem a imbecilidade comum às produções do cinema pipocão, dirigido por Michel Gondry, e com roteiro do aclamado Charlie Kaufman, roteirista de outras peripécias cinematográficas como Quero ser John Malkovich e Adaptação. É gostoso ver um filme desses que parece falar de gente como a gente, para gente como a gente, sem intelectualizar demais ou subestimar a nossa inteligência. E nada como assistir a uma película dessas na madrugada.

Clementine é uma mulher intensa, impulsiva, extrovertida, que tem uma necessidade gritante de falar sobre si mesma e buscar novas aventuras a cada momento. Ela se apaixona por Joel, um homem tímido, retraído, sempre guardado no seu pequeno escondido mundo. Ela queria tudo e agora. Para ele, “legal” era ótimo. Ela era tão instável que até seu cabelo estava sempre mudando de cor. Ele tinha os seus dias todos iguais, um diário onde não havia nada escrito.

Joel fica deslumbrado com o encantamento que Clementine tem pelas coisas do mundo, assim como ela quer conhecê-lo e se aventura em fazê-lo se embriagar com a vida. Só que com o passar do tempo os interesses deles se chocam, Joel é muito reservado, às vezes se sente invadido, e os impulsos incontroláveis de Clementine fazem a relação se tornar estressante. A oposição entre os dois, que de início parecia formar um conjunto perfeito, aos poucos vai se tornando fator de crise na relação.

As brigas e os bons momentos vividos pelo casal são reconstruídos no labirinto da mente de Joel no decorrer do filme. Clementine paga à empresa Lacuna para apagar Joel da sua memória e assim ela poder seguir em frente com sua vida. Ele recorre à mesma empresa quando sabe da decisão dela, só que se arrepende no meio do processo e tenta manter Clementine viva na sua mente.

O filme é conduzido sob o ponto de vista de Joel, pelas lembranças dele, e há uma confusão entre passado e presente, a narrativa é não-linear e repleta de flashbacks, onde por vezes o que Joel escuta ou pensa enquanto está sofrendo uma lavagem cerebral influencia a rememoração dos fatos. Afinal nada do que lembramos é objetivo, uma boa parte é inventada e recriamos semanticamente o passado. Então boa parte do filme é a reinvenção de Joel de tudo o que aconteceu.

É interessante ver que eles se conhecem de novo, uma espécie de recomeço, mas tudo estava gravado pela Lacuna, as confissões de ambos sobre o porquê de terem decidido apagar o outro da memória. Eles tentam reviver a relação, mas se deparam com antigas feridas, e tudo já havia se perdido, toda a pureza do relacionamento deles foi destruída pelo medo de se envolver, pela falta de comunicação, pela hostilidade nascida de tudo isso.

Joel e Clementine são de carne e osso, cheios de angústias e nada holywoodianos. Lembro-me de uma frase hilária dela repetida várias vezes durante o filme, “se você está procurando alguém que irá te salvar essa pessoa não sou eu, eu sou apenas uma pobre infeliz procurando um pouco de paz”. Nesse mundo caótico todos querem um pouco de paz, mas criam muitas expectativas, e acabam se perdendo num emaranhado de temores e frustrações. É a angústia da contemplação do outro, como o próprio Sartre diria, o inferno são os outros.

O filme é contra a reificação das relações humanas, num mundo onde as pessoas têm medo umas das outras e acham que qualquer um é deletável. Será que é mesmo legal esquecer de tudo o que se viveu ao lado de outra pessoa, da aventura de conhecer alguém cheio de defeitinhos e coisas boas? Alguém que já faz parte do que você é e já te ensinou algo que você vai levar para a vida? E as lembranças que fazem parte da sua memória poética? São essas as perguntas a que o filme se propõe.

domingo, novembro 20, 2005


Alpha 60- O que ilumina a noite?

Lemmy Caution- A poesia.

O que não é neurose

Adorei essas explicações a respeito de neurose que vi num site de psicologia. Detesto os comentários preconceituosos e mal informados que escuto por aí sobre as pessoas neuróticas... Até porque sou assumidamente uma delas e uma das coisas que mais ojerizo na vida é senso comum. Aí vai...

Neurose não é:
- Falta de Homem (ou de Mulher)
- Falta de pensamento positivo
- Cabeça ou mente fraca
- Falta de vontade
- Falta de ter o que fazer
- Ruindade ou maldade
- Senvergonhice
- Influência espiritual
- Mal-olhado ou encosto
- Coisa "de sua cabeça" (isso é caspa)
- Falta de ter passado por dificuldades de verdade (isso é azar)
- Por nunca ter passado dificuldades
- Falta de uma boa surra
- A "gente é que permite"
- Conseqüência de ter tido de tudo na vida
- Conseqüência de não ter tido nada na vida
- Porque o pai brigava com a mãe
- Porque o pai separou da mãe
- Porque o pai era enérgico
- Porque o pai era omisso
- Porque não teve pai
- Porque a mãe era protetora
- Porque a mãe era omissa
- Porque não tinha mãe
- Porque soube que a mãe não era essa
- Porque "forçou demais a cabeça"
- Porque nunca "teve que forçar a cabeça"
- Porque a menstruação subiu para a cabeça
- Finalmente, porque misturou manga com leite...

A Neurose é uma Doença Mental?

Não, a Neurose não é sonônimo de loucura, assim como também, a pessoa neurótica não apresenta nenhum comprometimento de sua inteligência, nem de contato com a realidade. Seus sentimentos também são normais. Eles amam, sentem alegria, tristeza, raiva, etc., como qualquer pessoa.A diferença entre uma pessoa neurótica e uma normal é em relação à quantidade de emoções e sentimentos e não quanto à qualidade deles. Os neuróticos ficam mais ansiosos, mais angustiados, mais deprimidos, mais sugestionáveis, mais teatrais, mais impressionados, mais preocupados, com mais medo, enfim, eles têm as mesmas emoções que todos nós temos, porém, exageradamente.A Neurose, portanto, não é uma doença mental é, sobretudo, uma doença da personalidade.

quinta-feira, novembro 17, 2005

Devolva o filho que é da terra

Eu me rendo ao chão que descreve na areia sofrida as dores vividas como um batalhão passando por sobre o meu peito. É verdade, eu não sabia que na estrada se podia encontrar com a própria alma, supunha eu tê-la deixado enterrada debaixo da areia, e agora a vejo aqui, diante de mim, assombrando-me na noite como um fantasma maldito. Vá embora, e não me assuste com sua cara feia, triste, descorada, vai que eu quero seguir caminhando, e nessa estrada não cabe meu corpo e a alma.

Pego os pedregulhos do chão, admiro os ossos da terra, e jogo para cima enquanto meus olhos reluzem. As pedras caem cantando junto com os grilos da noite, e onde estará o sapo nojento que está prestes a pular por sobre as minhas costas? Qual alívio sentir derramar na terra a água suja que o corpo expulsou. Os mosquitos se fartam com minhas pernas, e o mato gigante dá medo da cobra, que pode estar onde eu ouvi o barulho do mato se mexendo.

Mulher como eu não chora, tem ódio, isso sim. O corpo está cheio de marcas do ciúme e do fracasso do meu marido. Quantas manhãs eu me acordei cheia de manchas roxas sem saber de onde vinham? Era o costume desgraçado de apanhar, às vezes bêbada, às vezes dormindo, e os hematomas insistiam em me lembrar que eu tinha tomado uma surra do canalha a quem chamam meu homem.

Corro pelo mato, ou o mato foge de mim? O vento joga os meus cabelos na boca, e eu os como involuntariamente com suor. A minha saia dançando com o vento me faz sentir livre, até que a sandália velha sai do pé. Vou buscá-la e vejo pés de homem. Antes de ver o seu rosto, eu já sabia que era meu pai. Ergo-me lentamente como quem tem medo, e logo ao encarar o pai recebo uma bofetada. Era um ritual de humilhação. Ele segurou pelo meu braço com força, e caminhou à frente como se eu fosse sua posse, sem dizer palavras, com o três oitão bem à vista pendurado na cintura, ele disse que mataria uma filha desonrada.

- Pai, eu estou grávida.

Ele me fitou com ódio preciso.

- E queria fugir do seu marido com o filho dele na barriga, ein? Com meu neto?

Nunca tive uma conversa franca com meu pai, e não era agora que iria ter. Todos os seus diálogos se resumiam a olhares repreensivos, e sempre que tentei me pronunciar fui acusada de desrespeito, sofri surras que me doeram por semanas. Acaso não era agora que eu iria lhe falar do meu sofrimento, dos meus medos, das minhas angústias, ou dos maus tratos recebidos do meu marido. Ele mesmo, o pai, dava tapas na cara da minha mãe quando o patrão atrasava o salário, dizendo que estava com fome, trabalho o dia inteiro, você só faz ficar em casa, e eu fico aqui esperando a hora em que a sua preguiça vai deixar você fazer minha comida.

Voltando para casa, fito os meus pés cheios de calos que caminham sofridos sobre a terra seca, onde eu devia ter deixado a minha alma. As lágrimas ficam querendo sair, mas eu prendo com tanto gosto, que sinto uma dor no peito e a tristeza passando pela garganta. Não olho para a cara do meu marido, deixo-o lá, recebendo do meu pai a notícia de que eu terei um filho, ah, tomara seja homem, vamos tomar uma pinga pra comemorar. No quarto, acendo uma vela junto à estátua de Nossa Senhora, e rezo meu terço sem pensar nas orações, só pedindo pra minha santa não me deixar matar meu filho e eu, pra eu ser forte com as dores desse mundo de cruzes. Amém.

sexta-feira, novembro 11, 2005

A eterna saudade das coisas que não passaram


Você já teve saudade do que está acontecendo no presente? Eu já. Em um determinado momento danado de gostoso da vida, às vezes me pego com a alma indo e voltando num viver de miragens. É como se ela saltasse para algum lugar imaginário no futuro, e eu sentisse o meu corpo velho e cansado de braços rendidos, o olhar para o horizonte, aquele olhar de quem já fez tudo que tinha de fazer na vida, e agora só a contempla como uma obra de arte acabada. O meu ser volta para o presente e sente o agora com grande nostalgia, como se aquele tão afortunado instante fosse desde já só uma recordação, uma foto num álbum esquecido, certa vez encontrado numa faxina na casa.

A alma sente nessas horas o presente como se já o tivesse perdido tamanho é o encantamento que ele proporciona. A grande dor das coisas que estão passando e a gente sabe que vai perder. Não é angústia, é contemplação distante de um presente efêmero. A melancolia plácida como as águas paradas, junto com uma felicidade desiludida, sem a inocência de viver o momento como se ele fosse eterno, e já sentindo saudade do presente.

Bem quando eu olho para as caras embriagadas de euforia dos meus amigos em meio a farras épicas num lugar qualquer desse mundão, e admiro a beleza da ousadia da juventude, os beijos fáceis, os palavrões ditos com gosto, o se deitar na grama para apreciar as estrelas livres como somos. Aí eu me pego absorta pensando no porvir em meio às gargalhadas deles, no que não poderei fazer, ou nem ao menos terei vontade por causa do cansaço de viver.

Igual a quando a gente está vivendo uma coisa bem bonita, e pára para tirar uma foto. Aí perde o brilho, e tudo sai planejado, com os sorrisos sem graça e cheios de dentes. Assim acontece quando se sente saudade do presente. A gente vê o quanto aquele momento é importante, e o vive como se ele já fosse uma fotografia. Uma fotografia encontrada por acaso no meio da bagunça da casa, quando se procurava por um objeto qualquer.

quinta-feira, novembro 10, 2005

O dia em que não havia cuscuz

Tio Deval veio me visitar essa semana. Está cada vez mais gordo, ele que era o típico magro de ruim na juventude, agora tem uma barriga saltando da calça formando uma excêntrica protuberância. Deval era insuportável quando jovem, lembro-me que minha prima Andréa o odiava porque ele nos colocava em cima da cama e dizia para dali não sairmos de jeito nenhum, senão ele mandava uma “cinturãozada”.

- Mas a gente não fez nada!- dizia ela cheia de indignação muito bem embasada e clamando por justiça. Eu vou brincar, não quero nem saber.

Eu sinceramente não estava nem aí, sabia que era brincadeira do meu tio, e até o chamava de bobo, idiota, aí quando ele perguntava “como é?”, eu dizia, oxe, eu estava falando com as paredes (frase estranhamente imbecil que eu proferia com orgulho embriagado de sapiência). Eu ria da situação, e minha prima chorava, não por fraqueza, mas com a mais pura ira que lhe fazia a cara vermelha por baixo dos caracóis amarelos dos seus cabelos.

Sempre que vejo Tio Deval não posso deixar de lembrar das brigas homéricas dele com Andréa, e essa foi a minha primeira recordação ao vê-lo com o suor descendo na testa e os gordos braços abertos vindo me abraçar. Passamos horas conversando, ele sempre superestimando minhas virtudes e dizendo que sou capaz de fazer tudo em que não acredito. Para meu tio eu sou o auge da inteligência e da beleza entre as mulheres, ele me dedica um “complexo de pai” mal resolvido. E assim como todo bom pai, lembra de histórias hilárias e embaraçosas a meu respeito.

Estávamos eu e meu tio tomando nosso típico cafezinho na cozinha, que a gente sempre toma entre conversas inflamadas em suas raras visitas, quando eu disse a minha mãe que não iria comer cuscuz, e sim sanduíche de presunto e queijo. Não deu outra. Tio Deval se espantou com o meu pedido, e lembrou de uma história curiosa de quando eu tinha uns oito anos.

Era um daqueles raríssimos dias em que minha mãe se dava ao luxo de comer fora, e lá se foi toda a família para a pizzaria Janaína. Todos se acomodaram satisfeitíssimos de estarem prestes a fazer uma farta refeição fora de casa, alegria de pobre, se é que você me entende, quando minha mãe perguntou:

- Filhota, você vai querer pizza de quê?

Estava eu metida num vestido bordado e com fitas coloridas no cabelo diante de uma enorme massa desconhecida. Comecei a fazer uma cara de menina emburrada cheia de bico ameaçando chorar, e disse tão decidida ao ponto de aparentar revolta:

- Mamãe, eu não quero isso daí não. Tem cuscuz?

Todos os meus familiares desembestaram a rir, e minha mãe só faltou de descabelar dizendo “minha filha, você me mata de vergonha!”, com um sorriso azedo no rosto e fitando os atentos olhares desconhecidos. Não entendi bulhufas do por que da euforia exacerbada geral, eu só sabia que queria comer cuscuz e isso não se servia naquele maldito local. Nesse dia eu aprendi a gostar de pizza.

segunda-feira, novembro 07, 2005


A tua mão mão seduz o teu lábio num gesto de volúpia desenfreada e sutil. Um pequena pausa para o deslumbramento.

domingo, novembro 06, 2005

O canto das sereias

O som da campainha ecoa na noite avisando que estou chegando de um longo e penoso dia de trabalho. Contemplo a cerca elétrica da minha casa e ela estranhamente me proporciona uma sensação de medo. A cerca me lembrava o ladrão que poderia chegar, e eu me sentia vulnerável contemplando o imenso muro da mansão. Fito os olhos do meu enorme cão de guarda por entre as frestas do portão, e de repente minha esposa aparece vestida numa camisola rosa de seda frágil para me receber com um olhar de sono, de cansaço, um olhar que se desviava com indiferença do meu. Ouço o som da TV que distraía as crianças na sala, e eles me dão um oi como se não notassem a minha presença. Tiro a gravata que me sufoca. Boa noite.

Sigo correndo pelos corredores escuros e macabros da casa, era um labirinto sem fim nem começo. Finalmente chego à piscina e avisto a minha mulher com os seios desnudos entoando um canto que mais parecia um grito, e com os dois braços amarrados por correntes fixadas nas margens. Percebo assombrado que ela tinha uma cauda de peixe no lugar das pernas. Ouvir o seu canto é uma tortura, sinto como se facas atravessassem meus ouvidos, e grito pare, pare pelo amor de Deus, eu não agüento mais. Caio no chão do jardim como quem se rende, e começo a comer o mato de forma sedenta e insaciável, até me dar conta de que toda a grama já havia sido devorada pela minha fome. Restava só a terra, e eu me esfrego na terra, banho-me de terra, com a terra eu me misturo.

Vejo então um osso enterrado na areia, e começo a mordê-lo. Não posso acreditar no que vejo quando percebo que minhas mãos se tornaram patas e eu só conseguia andar de quatro. Tento gritar palavras de desespero, mas o que consigo é só latir e latir, até acordar o meu dono, um homem com o meu corpo, e, para meu espanto, com a cabeça do meu cão de guarda. Ele fala com a minha voz, chuta-me com desprezo e me manda calar a boca. Choro, choro, mas as lágrimas não saem, ficam todas presas na minha garganta, e minha garganta dói, dói de desespero. Olho para o vidro da porta da sala de jantar e percebo que meu rosto permanecia o mesmo, agora um rosto de homem preso a um corpo de cão.

Entro na casa e vejo meus três meninos nus amarrados nas cadeiras da sala de jantar, eles choram e pedem pai, por favor, ajude a gente, o homem de preto com luvas nos amarrou aqui e levou as jóias da mamãe, seu dinheiro, nossos relógios... O homem de preto aparece com a sua sombra, dá-me uns chutes, coloca uma coleira no meu pescoço e me prende ao pé da gigante mesa de madeira. Meus filhos não param de chorar e ficam exigindo com seus pequenos olhos aguados cor de fogo que eu faça alguma coisa. Eu me mexo como uma fera, corro, salto, sabendo ser inúteis os meus esforços, mas precisava expressar minha angústia.

O meu dono me solta enquanto fito a sua sombra. Corro para o jardim e fico cheirando o chão, até começar a cavar e encontrar um osso de ouro. Eu mordo, lambuzo com gosto o osso de ouro, que tem um sabor bom e me hipnotiza com seu brilho faustoso. De repente vejo minhas patas se transformarem em mãos brancas pálidas e mexo os dedos como se nunca antes os tivera. Fico ereto e contemplo meus pés que agora andam sem jeito, desnorteados, tortos. Estava sem equilíbrio, mas consegui me manter de pé. Visto a gravata com arrogância, um olhar altivo no espelho, e coloco o relógio que estava em cima da cômoda do quarto. Já são horas de ir para o trabalho.

quinta-feira, novembro 03, 2005


No fim da madrugada o que me resta é só o início da ressaca, e os passarinhos cantando o novo dia.

terça-feira, novembro 01, 2005

O sangue

Resvalos de luz penetram sofregamente o quarto, e eu sinto que acordar dói como um parto todos os dias. Lucas me fita com seus olhos de encantamento aflito, ele os fecha para depois abri-los como uma flor desabrochando, acaricia o meu braço abandonado e meu rosto que agora repousa sobre seu peito ofegante. Sei que velou por mim a noite inteira, tentando descobrir quais seriam os meus sonhos, e sonhando acordado com meus cabelos, meus seios, meu ventre, principalmente meu ventre, que agora beija com lascívia ébria em sinal de adoração.

Então segue até o armário para cumprir o ritual de todas as manhãs. Retira as cordas e me amarra como se fosse prova do seu desejo, fazendo nós mordendo a corda com a boca entreaberta de luxúria. Amarra com força segurando com as mãos cheias de veias, e me observa amarrada como se eu fosse um objeto perfeito, expressando uma devoção dolorosa. Beija-me a testa como um pai, a boca como um amante, e se despede como um filho.

- Já vou trabalhar, meu amor, trago doces quando voltar. Nunca se esqueça que eu amo você.

Dizia que me amava como se tivesse sempre dúvida de que era recíproco, e esperando um “eu te amo também”. Para mim essas palavras já haviam perdido o significado, e eu as pronunciava como quem responde “tudo bem” a um “tudo bem?”. Na verdade, toda a minha vida perdera o significado, e agora só me restava a cama, o armário, a janela coberta de cortinas, a paixão de Lucas, e as paredes do quarto.

Durante boa parte do dia eu dormia sedada pelos medicamentos tarja preta que ele me dava, e ficava conversando com meu reflexo no espelho no teto do quarto. Lucas o havia colocado lá justamente para isso, dizia que era bom falar olhando para o espelho, porque é possível observar a si mesmo por outro ângulo. Ver-se chorando, rindo, porque estamos sentindo e as nossas reações corporais são percebidas. Ele também não queria que eu esquecesse de mim, eu devia saber da minha existência.

Quando chegava a noite eu estava morta de fome, toda encharcada de urina, e às vezes não conseguia me segurar e defecava ali mesmo na cama. Ele me advertia com um ar de condescendência afetada, desamarrava-me e levava os lençóis sujos até a máquina de lavar com a calma de um protetor. Então fazia questão de me dar banho sem nenhum erotismo, deslizando a esponja sobre o meu corpo lânguido como se eu fosse a sua cria.

Nós jantávamos na mesa da sala onde uma vela solitária iluminava o ambiente. Lucas fazia questão de dar a minha comida na boca, uma sopa rala que ele mexia fazendo barulho com a colher se arrastando em círculos pelo prato, uma música torturante como as tardes na frente do espelho. Eu tentava timidamente tomar a colher da sua mão, mas ele não me deixava comer sozinha em hipótese alguma.

Certo dia um fenômeno estranho aconteceu. Eu senti algo escorrendo entre as minhas pernas, devia ser minha menstruação, supus. Depois de uma hora vi uma pequena mancha de sangue no lençol que vestia a cama. Adormeci, e quando me acordei vi pelo espelho uma enorme mancha rubra no lençol, o sangue jorrando do meu corpo e deslizando pela cama. Detive-me contemplando essa imagem refletida no espelho, como se a quisesse deixar lá, como um quadro. Não sentia dor e não sabia se estava morrendo, porque a morte deveria ter alguma dor, ou seria só a vida?

Os passos de Lucas foram se tornando cada vez mais intensos aos meus ouvidos, até que o vi agachado ao lado da cama desatando os nós. Ele me deu o mesmo banho, o mesmo jantar, ignorando o sangue que continuava jorrando da minha vagina e pingando no chão enquanto eu andava de um lado para o outro da casa. Até que foi dormir comigo, e aguardava o meu sono com uma das mãos sustentando a cabeça e a outra bem em cima de uma poça de sangue. Era ele que não notava ou não havia nenhuma hemorragia? Preferi não perguntar.

Amanheceu e Lucas havia ido embora sem se despedir e sem me amarrar na cama. Eu ainda estava sangrando, e tive tanto nojo de mim que passei o dia inteiro me lavando. O sangue descia pelo ralo em círculos, e era como se a água doesse limpando o meu corpo. Onde estaria ele, já eram seis horas.... E se de agora em diante for só eu e o espelho?

Lucas jogou as chaves na mesa, e eu me joguei aos seus pés de tanto chorar. Prometa nunca mais ir embora sem se despedir de mim, prometa nunca mais se esquecer de me amarrar, eu fiquei desesperada, você não sabe o quanto sofri hoje, por que fez isso comigo, pobre de mim que te amo. Você não me ama mais, você não quer cuidar de mim? Trouxe-me doces, qual gosto suave, você se lembrou, ainda bem, de trazer esses chocolates com gosto de vida.

- Já vou trabalhar, meu amor, trago doces quando voltar. Nunca se esqueça que eu amo você.

- Eu te amo também.